Em uma era marcada pela interconexão global, a convergência dos esquemas regulatórios de saúde entre Brasil e Europa emerge como um farol de colaboração e compartilhamento de expertise. Merecem atenção as semelhanças e as iniciativas conjuntas que têm moldado esses contextos regulatórios, fundamentais para promover a inovação e a segurança da saúde pública.
Tanto o Brasil quanto a Europa priorizam padrões rigorosos na regulação de medicamentos e tecnologias médicas. No cerne desses esforços estão a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) do Brasil e a Agência Europeia de Medicamentos (EMA). Esses órgãos reguladores colaboram extensivamente, trocando informações vitais, dados de ensaios clínicos e melhores práticas regulatórias. Inclusive, é neste contexto que a EMA e a Anvisa estabeleceram um compromisso para compartilhar informações não públicas envolvidas em seus atos regulatórios, fortalecendo as capacidades técnicas em vigilância sanitária. Essa colaboração otimiza o processo de aprovação e promove uma supervisão regulatória harmonizada, aumentando significativamente sua eficiência e eficácia em escala internacional.
Um exemplo marcante dessa colaboração pode ser observado na avaliação e aprovação de tratamentos para doenças raras. Os esforços conjuntos entre Anvisa e EMA têm facilitado o acesso rápido a terapias inovadoras, tais como o Lecanemab para Alzheimer, a terapia gênica SRP-9001 para distrofia muscular de Duchenne, e o Pegcetacoplan, um inibidor do fator de complemento C3 utilizado no tratamento de atrofia geográfica. Iniciativas como esta destacam um compromisso compartilhado em atender necessidades médicas não atendidas de maneira rápida e abrangente.
A intercambialidade de biossimilares representa outra área significativa de cooperação. As discussões entre autoridades reguladoras de ambos os lados do Atlântico nesta frente visam estabelecer diretrizes e padrões consistentes, garantindo a segurança dos pacientes e facilitando o acesso ao mercado para essas terapias críticas.
No entanto, apesar desses avanços, desafios persistem, especialmente em relação à acessibilidade e à sustentabilidade econômica de tratamentos inovadores. No Brasil, assim como na Europa, equilibrar o progresso tecnológico com a sustentabilidade dos sistemas de saúde é uma questão complexa. A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias em Saúde (Conitec) desempenha um papel crucial na avaliação de novos tratamentos, garantindo que atendam a critérios científicos e econômicos rigorosos antes de sua incorporação ao sistema de saúde pública.
De acordo com dados recentes do Ministério da Saúde, em 2023, foram realizadas 21 novas incorporações: nove medicamentos para doenças raras, cinco para doenças infecciosas, dois para oncologia, um para doença crônica e quatro para outras condições. Essas incorporações englobam medicamentos para diabetes, tuberculose, HIV, esclerose múltipla, fibrose cística, hemofilia, mieloma, além da vacina contra a dengue. Apenas os dois medicamentos oncológicos devem beneficiar entre 5 e 8 mil pacientes nos próximos anos.
Brasil e Europa também enfatizam o engajamento público e a transparência em seus processos regulatórios. Iniciativas como consultas públicas pela Conitec e o robusto engajamento de partes interessadas pela EMA garantem que as decisões regulatórias sejam informadas por diversas perspectivas, fortalecendo a confiança e a responsabilidade.
Ilustrativamente, em 2023, foram realizadas no Brasil 33 consultas públicas, que resultaram em mais de 14 mil contribuições, além de 32 chamadas públicas para a participação de pacientes nas reuniões da comissão. Este ano, diversas novas chamadas públicas já foram lançadas, abrangendo uma ampla gama de tratamentos, como insuficiência pancreática exócrina, espondilite anquilosante ativa, diabetes mellitus tipo 1 e 2, endometriose, câncer de próstata (abiraterona, apalutamida, darolutamida e enzalutamida), asma (dupilumabe), doença renal (hidróxido de alumínio e alfacalcidol), doença de Parkinson (rivastigmina), brucelose humana (sulfato de gentamicina associado à doxiciclina), entre outras.
À medida que os desafios globais de saúde evoluem – desde pandemias até doenças crônicas – a colaboração internacional na regulação de saúde ganha os holofotes. A posição estratégica do Brasil na governança global de saúde, notadamente no G20 e na OMS, aliada ao seu engajamento proativo com os parceiros europeus, o posiciona como um jogador-chave na moldagem do futuro da regulação de saúde. Inclusive, também neste cenário onde o Brasil assume papel de protagonista, destaca-se o Complexo Econômico-Industrial de Saúde como o eixo principal, cujos resultados são aguardados com grande expectativa.
Outro marco importante foi alcançado com a publicação da nova lei de pesquisa clínica em seres humanos. Esta legislação alinha as regulamentações de ensaios clínicos do Brasil com as melhores práticas internacionais. Anteriormente, as regulamentações brasileiras eram percebidas como não totalmente harmonizadas com os padrões globais, o que dificultava a colaboração internacional de forma mais ampla e efetiva. Agora, ao integrar essas melhores práticas, a legislação aumenta o atrativo do Brasil como destino para ensaios clínicos internacionais, podendo catalisar investimentos em pesquisa e desenvolvimento local. Este mercado, atualmente com grande participação da Europa, pode ser compartilhado mais rapidamente com o Brasil devido à colaboração já estabelecida entre as jurisdições.
O alinhamento e a colaboração entre os sistemas regulatórios de saúde do Brasil e da Europa representam um modelo importante de cooperação internacional diante das complexidades dos desafios globais de saúde. Ao promover o entendimento mútuo e aproveitar a expertise compartilhada, estamos impulsionando metas avançadas de saúde pública e abrindo caminho para inovações que beneficiarão populações em todo o mundo. A parceria estratégica vai além da harmonização regulatória, abrangendo o fortalecimento da capacidade de resposta a pandemias, o desenvolvimento de novos tratamentos para doenças negligenciadas e a promoção de práticas de saúde sustentáveis e inclusivas globalmente.
*Bruna Rocha é sócia do Campos Mello Advogados em cooperação com o DLA Piper no setor de Life Sciences e Healthcare.