Depois de 17 anos de tramitação, o Projeto de Lei (PL) 7419/2006, também chamado de Lei dos Planos de Saúde, deve ser votado em breve. O PL propõe mudanças na regulamentação dos serviços de saúde suplementar no Brasil, prevista na lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Com origem no Senado Federal, a proposta tramita na Câmara do Deputados em regime de urgência, em razão da alteração do regime do PL 4477, de 2016, um dos anexos ao PL 7419.
Segundo a legislação atual, as operadoras privadas de saúde podem propor a rescisão, baseadas unicamente no aspecto financeiro, sem depender de consulta aos usuários atingidos. Uma das principais alterações propostas é a proibição da extinção unilateral do contrato em toda e qualquer situação, sejam planos individuais, coletivos, de autogestão, ou em qualquer outra modalidade.
O deputado federal Duarte Jr., do PSB do Maranhão, designado para ser o relator do projeto, apresentou em setembro o relatório final sobre o PL, que detalha uma reforma completa na legislação referente a operadoras de planos de saúde no país. Desta forma, o deputado acredita que os pacientes terão mais garantias de tratamento.
Como o PL afeta os beneficiários?
Para o advogado especialista em direito à saúde, Rafael Robba, o PL 7419/2006 representa um passo importante, mas apenas um passo, na direção certa para lidar com os desafios que os consumidores de planos de saúde enfrentam. Ele afirma que os problemas são complexos e a proposta é a forma solucionar alguns deles.
Além da proibição da extinção unilateral do contrato, o PL traz ainda a possibilidade de punições administrativas para empresas que se recusem, de forma injustificada, a cobrir tratamentos médicos. No entanto, para especialistas do setor, o projeto não traz soluções efetivas para questões, como reajustes elevados, redução de rede credenciada, aumento de fraudes, entre outros.
“Ao impor penalidades às operadoras que adotem essa prática, a legislação buscará garantir que os consumidores tenham acesso a tratamentos necessários sem obstáculos, algo que acontece diariamente e tem levado muitos consumidores a buscar apoio na justiça”, destaca Robba. O advogado acredita que o fato de planos de saúde serem impedidos de recusar pessoas com doenças raras ou graves vai gerar uma redução nos processos de judicialização.
Por outro lado, Alberto Ogata, pesquisador associado do Centro de Pesquisa em Administração em Saúde da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP), acredita que a limitação de reajustes de planos de saúde, por lei, pode inviabilizar algumas operadoras que já passam por sérias dificuldades financeiras. “Pode levar a uma maior concentração do mercado, reduzindo a competitividade do setor. O que está sendo proposto não pacifica as relações entre os stakeholders do setor, podendo até aumentar a judicialização do sistema.”
Alguns especialistas também consideram o Projeto de Lei um pacote de retrocessos, devido a preocupações sobre possíveis encarecimentos dos planos de saúde e restrição de acesso para determinados grupos de beneficiários. Apesar do PL poder propriciar um potencial aumento na qualidade dos serviços e uma maior garantia de seus direitos como consumidores, existe o risco de haver uma variação nas mensalidades ou nas opções de planos disponíveis”, ressalta o presidente da Frente Parlamentar Mista de Saúde, deputado federal Zacharias Calil.
Impactos de PL no mercado de saúde
Ogata destaca que talvez o principal ponto negativo do PL seja a falta de discussão com os principais stakeholders do sistema suplementar, como as operadoras de saúde, diferentes modalidades, empresas contratantes e prestadores, como hospitais, clínicas, etc.
Como forma de minimizar os impactos das propostas, o deputado Duarte Jr. comenta que houve uma preocupação em criar medidas para equilíbrio do sistema de custeio de medicamentos de alto custo aprovados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec). Por exmplo, a criação de um fundo nacional, composto por recursos públicos e privados, para o financiamento de terapias de alto custo para o tratamento de doenças raras. Pacientes com este tipo de condição compõem um dos grupos mais afetados pelo preço das terapias. Assim, o impacto dos altos valores não recairia sobre uma única operadora.
“Propomos também o agrupamento de contratos coletivos pequenos, com até 99 vidas, para facilitar a gestão. Passariam a ter um reajuste único, e não negociado caso a caso." afirma o deputado. Atualmente, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) define que o reajuste único ocorra em contratos de até 29 vidas.
Para Robba, é importante que a ANS vá além de simplesmente considerar as perspectivas das operadoras de planos de saúde. Ele argumenta que a agência precisa desempenhar um papel mais eficaz na fiscalização e punição de práticas abusivas por parte de operadoras.
“A atual versão deste Projeto de Lei traz uma contribuição na busca de maior transparência nos reajustes dos planos corporativos empresariais. Resta saber se a ANS tem condições de acompanhar e regular milhares de contratos empresariais que são repactuados diariamente. A agência reguladora já se posicionou, considerando ser inviável a regulação e o controle de milhares de prestadores de serviços para os planos, como hospitais, clínicas e laboratórios”, ressalta.
Para o deputado Zacharias Calil, a avaliação dos impactos da nova lei dependerá da perspectiva de cada parte interessada. “Algumas podem ver como uma regulamentação necessária para garantir a qualidade dos serviços prestados, enquanto outras podem interpretar como um aumento de responsabilidades e custos.”
Em nota, diferentes agentes do setor, como a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), a União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas), a Unimed do Brasil e a Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB) emitiram um posicionamento quanto ao PL.
“Entidades representativas da saúde suplementar veem com preocupação algumas medidas presentes no relatório que desconsideram peculiaridades do setor e comprometem alguns dos pilares fundamentais de seu funcionamento. No entanto, acreditamos na capacidade de diálogo com o relator e com todos os demais parlamentares a fim de evitar decisões que poderiam prejudicar o funcionamento da saúde privada no país tal como a conhecemos hoje”, destacam.
O PL e o Sistema Único de Saúde (SUS)
O deputado Duarte Jr. vê com bons olhos a aprovação do projeto de lei também para a saúde pública. Ele acredita, que se aprovado, pode contribuir para desafogar o SUS, pois os pacientes, que fazem tratamento pelo plano de saúde e tiveram seu contrato rescindido unilateralmente, passaram a procurar auxílio na saúde pública, âmbito já sobrecarregado.
Para o deputado Zacharias Calil, o Projeto de Lei pode ter diversos impactos no SUS e na população idosa. “Podemos citar melhorias na assistência prestada aos idosos no SUS, estabelecendo padrões mais rigorosos para atendimento e garantindo maior qualidade nos serviços; acesso a tratamentos específicos e especializados para esse público, abordando questões de saúde que afetam mais comumente essa faixa etária. Além disso, pode levar a uma necessidade de ajustes na capacidade de atendimento do SUS, por conta do aumento das demandas nos serviços de saúde, com padrões mais elevados voltados aos idosos”, comenta.
Em relação a possíveis benefícios do PL ao SUS, o texto sugere a implementação de um prontuário digital por meio da alteração da Lei Orgânica da Saúde e da determinação de que o poder público seja obrigado a manter uma plataforma com as informações dos pacientes das redes pública e privada. Assim, seria possível um compartilhamento de dados entre os sistemas, o que se traduziria na redução de desperdícios e consequente economia para todo o sistema de saúde.
Em compasso de espera
Segundo o deputado Duarte Jr., atualmente estão ocorrendo reuniões com lideranças partidárias para discussão do PL. Também houve uma reunião com o presidente da Câmara, Arthur Lira, que pretende se reunir com as operadoras de planos de saúde para ouvir suas reivindicações e contribuições.
Robba reforça, em última análise, que o documento evidencia a necessidade de futuras políticas considerarem pontos para garantir uma melhoria verdadeira e abrangente no setor de planos de saúde. “Estamos com um mercado de saúde suplementar batendo recordes de novos consumidores. É mais do que necessário haver uma atualização da lei para dar mais segurança aos mais de 50 milhões de beneficiários, que buscam nos planos de saúde a proteção para a própria saúde”, afirma.
Texto e reportagem: Cristina Balerini