Aumento de custos, incorporação de novas tecnologias, envelhecimento da população (projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE -indica que a população idosa do Brasil deverá chegar, em 2050, a quase 70 milhões de pessoas, ou seja, 29% do total), maior eficiência e segurança nos tratamentos e judicialização são fatores que tornam a realidade da saúde pública no Brasil um desafio ano a ano.
A sempre debatida questão sobre como oferecer tudo a todos já há algum tempo tem uma resposta simples, compartilhada por vários especialistas em saúde: é inviável, principalmente em um sistema de saúde do tamanho do sistema brasileiro e com a quantidade de novas tecnologias que chegam ao mercado em ritmo acelerado. Isso nos leva a uma outra questão: é preciso repensar a saúde que queremos.
No orçamento previsto para 2024, saúde é uma das áreas contempladas pelo governo federal com maior aumento de verba, junto com educação, assistência social e transportes. A programação orçamentária para o setor prevê para as despesas com ações e serviços públicos de saúde (ASPS) um valor aproximado de R$ 218 bilhões, o que equivale ao valor do piso constitucional (15% da Receita Corrente Líquida da União). Esse valor, segundo boletim do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), realizado em parceria com a Umane, é 46% maior em relação ao valor destinado este ano.
O IEPS analisou os recursos destinados para 12 ações no orçamento da saúde e identificou expansão orçamentária em 11 delas. A título de exemplificação, a ação orçamentária do programa Farmácia Popular apresentou um incremento de R$ 4,4 bilhões no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2024, um valor seis vezes maior do que o previsto em 2023.
Além disso, os recursos para formação e provisão de profissionais para a Atenção Primária à Saúde (APS), ação orientada ao programa Mais Médicos, apresentou crescimento de R$ 3,7 bilhões.
O documento aponta também que, com exceção da aquisição e distribuição de imunobiológicos e insumos para prevenção e controle de doenças, todas as ações analisadas apresentaram expansão de recursos.
Áreas que devem ser destaque
A maior parte da programação orçamentária, segundo Francisco Funcia, economista, mestre em Economia Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (Abres), está alocada para procedimentos de média e alta complexidade e atenção básica.
A atenção à saúde para procedimentos de média e alta complexidade, responsável pelo custeio de despesas do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), enfrentamento da Covid-19 e de suas consequências no âmbito da atenção especializada, apresentou um aumento de 28,3%, ou R$ 16 bilhões, quando comparada ao PLOA do ano anterior. Essa ação, segundo o relatório do IPES, está ancorada, principalmente, no custeio do Programa Nacional de Redução de Filas, que tem por objetivo organizar e ampliar o acesso a cirurgias, exames e consultas na Atenção Especializada à Saúde, em especial aqueles com demanda reprimida.
Já a atenção básica, voltada para a prevenção e promoção da saúde, cresceu 32,5%, ou R$ 6,2 bilhões. Segundo Funcia, a saúde digital também ganhará destaque em 2024, com a criação da Secretaria de Informação e Saúde Digital, no início deste ano, com a missão de formular políticas públicas orientadoras para a gestão da saúde digital. Para Lígia Bahia, especialista em saúde pública e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a saúde digital ainda é embrionária no país, mas tem potencial para ampliar o acesso e melhorar a qualidade no atendimento, desde que bem utilizada.
Lígia avalia que as prioridades para 2024 deverão focar na prevenção, no diagnóstico precoce e no tratamento oportuno de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes e hipertensão, doenças infecciosas e emergências sanitárias, e saúde mental.
Fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS)
Recentemente, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, anunciou investimentos de R$ 41 bilhões em 2024 no Sistema Único de Saúde (SUS). Entre as prioridades, ela citou, além da ampliação da atenção primária e especializada e a expansão da saúde digital, também o fortalecimento do complexo industrial da saúde.
Para Funcia, a expectativa para 2024 é de que o governo federal dê continuidade ao compromisso de ampliação de recursos para o SUS iniciado em dezembro de 2022. “Naquela oportunidade, o atual governo articulou politicamente com o Congresso Nacional o aumento de mais de R$ 20 bilhões para o Ministério da Saúde no orçamento de 2023, além da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que possibilitou a revogação da Emenda Constitucional nº 95. Com essa revogação, voltou a vigorar a EC 86 e, com isso, acabou o congelamento do piso no valor de 2017 (que foi a regra da EC 95), que retirou do SUS cerca de R$ 70 bilhões no período 2018-2022. Esse valor precisa ser reposto e, nessa perspectiva, a expectativa é de que isso comece a ocorrer a partir de 2024, de forma parcelada. Para isso, é fundamental que a área econômica do governo federal entenda que ‘saúde não é gasto; saúde é investimento’”, destaca Funcia.
O importante papel dos gestores em saúde
Para Funcia, os gestores em saúde pública têm o papel de fazer cumprir as diretrizes da 17ª Conferência Nacional de Saúde, uma das instâncias legais (Lei 8142/90) da diretriz constitucional de participação da comunidade no SUS.
“É premente a necessidade de ampliação dos recursos federais para o SUS, de modo a garantir que pelo menos 50% do gasto público total em saúde seja federal e corresponda a 3% do Produto Interno Bruto (PIB) para que o gasto público em saúde supere o gasto privado em saúde, como acontece nos países desenvolvidos.”
Na opinião de Lígia, os gestores também devem focar em melhorar a saúde, obter indicadores mais favoráveis em relação à mortalidade de crianças menores de cinco anos, em saúde materna, na diminuição das taxas de homicídios e no aumento da sobrevida de pacientes crônicos.
Investimentos estaduais
A necessidade de maiores investimentos em saúde parece estar pautando também as ações dos estados. No Mato Grosso, o orçamento da área de saúde em 2024 está previsto em R$ 3,15 bilhões, chegando a um incremento de 9% em relação ao valor previsto para 2023. O recurso será utilizado em ações de atenção básica, assistência hospitalar e ambulatorial, vigilância sanitária e epidemiológica, entre outras. Somente para o programa Mato Grosso Mais Saúde, que visa aperfeiçoar a gestão do SUS, serão destinados R$ 1,93 bilhão.
No Mato Grosso do Sul, a expectativa é destinar cerca de R$ 2,3 bilhões para o exercício financeiro de 2024 – um aumento de 10,96% em comparação a 2023.
A Secretaria da Saúde do Espírito Santo também prevê um investimento significativo na pasta, com previsão de verba para 2024 na casa de mais de R$ 3,8 bilhões. O foco, segundo informações da assessoria de imprensa da Secretaria, está em ampliar e adequar a infraestrutura física e tecnológica do SUS para aumentar o acesso, modernizar e qualificar a resolutividade clínica e a gestão dos serviços de saúde, implementar o uso e desenvolver novas tecnologias e práticas em saúde e consolidar o modelo das redes regionais de atenção e de vigilância em saúde, tornando a atenção básica mais resolutiva e integrada com a atenção especializada.
Além disso, a Secretaria tem investido em tecnologia da informação e comunicação para oferecer serviços de forma digital que possibilitem ao cidadão acessar, por meio de computador ou dispositivo móvel, serviços como agendamento de doação de sangue e atendimento nas farmácias estaduais.
Tem trabalhado, ainda, para informatizar as unidades de forma a ter sistemas computacionais capazes de proporcionar melhorias aos processos de trabalho, além de estabelecer um prontuário eletrônico único do paciente no estado. A equipe da área de Tecnologia da Informação da Secretaria também tem trabalhado na implementação de um novo sistema de inteligência artificial para setores como mandados judiciais, regulação e farmácia.
Em Santa Catarina, a proposta enviada ao Legislativo prevê a aplicação de R$ 5,2 bilhões em ações e serviços públicos de saúde, valor equivalente a 14% da Receita Resultante de Impostos (RRI). Em comparação com o mínimo constitucional, houve um aumento de 2%, o que representa um adicional de R$ 743,6 milhões. Dentre as ações estratégicas da pasta, destaque para o Programa Estadual de Cirurgias Eletivas, voltado à redução da lista de espera por procedimentos cirúrgicos na rede pública estadual.
Já a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo prevê um orçamento de cerca de R$ 30 bilhões para a pasta no próximo ano. Dentre as diversas áreas de atuação, um dos principais focos é o Programa de Regionalização da Saúde, que visa diminuir as desigualdades entre as regiões do estado para aumentar a eficiência do gasto público, ampliar a oferta de serviços, fazer as filas andarem e reduzir a distância que as pessoas precisam percorrer para conseguir atendimento. O programa prevê a adequação dos ambulatórios médicos de especialidades e hospitais estaduais às necessidades regionais.
A Secretaria também planeja dar continuidade aos projetos de saúde digital no próximo ano, como a TeleUTI, lançada em janeiro no Conjunto Hospitalar do Mandaqui e que resultou em um aumento de 24,6% na capacidade de internações na unidade, até 17 de setembro. O modelo resultou na redução de 40% no tempo de internação e em 30% de queda na mortalidade na UTI.
Essa rede de teleatendimento em saúde será conduzida pelas universidades públicas e integrará mais de 200 hospitais em todo o estado. A meta é oferecer teleconsultas e sistema de Tele-UTI a fim de agilizar e otimizar o atendimento à população.
A tele-UTI consiste em um sistema em que os procedimentos são realizados pelos profissionais que atuam no presencial, incluindo médicos, enfermeiros e técnicos, enquanto o médico especialista - este de maneira remota - acompanha o paciente e tudo o que está sendo feito pelos demais profissionais de forma presencial, havendo assim uma integração entre equipes multidisciplinares, com a tecnologia como complemento aos atendimentos realizados presencialmente.
Texto e reportagem: Cristina Balerini