Há quase uma década temos denunciado as distorções praticadas pelo mercado e, nos últimos seis anos, mensurado o montante destas anomalias que comprometem o fluxo de caixa de distribuidores e importadores de produtos para a saúde e a sustentabilidade de todo o setor. Nesse ano constatamos um valor ainda mais assustador de recursos contingenciados por planos de saúde e hospitais, que chegou a R$ 2,1 bilhões.
As distorções praticadas representam 23,1% do faturamento das distribuidoras e importadoras de produtos para a saúde, sendo que as retenções de faturamento são 12%, a inadimplência ou calote é de 9,5% e as glosas, 1,6% do faturamento.
A retenção de faturamento é quando a fonte pagadora, após a realização de uma cirurgia previamente autorizada, não permite o faturamento dos produtos consumidos, postergando assim o pagamento. Corroborando uma percepção do mercado de que a distorção piorou nos últimos 12 meses, os números da pesquisa da ABRAIDI revelam que o volume pendente de faturamento atingiu a insustentável marca de R$ 1,085 bilhão, um aumento de quase 50% em relação ao ano passado. Além de ser uma prática antiética e comercialmente questionável, trata-se também de uma iniciativa abusiva por parte das fontes pagadoras. A legislação brasileira dispõe que todo consumo de produto seja faturado dentro do mês correspondente ao seu uso. O tempo médio para o recebimento a partir do dia que foi realizada a cirurgia é de 116 dias.
O levantamento revelou também que a ampla maioria das empresas associadas à ABRAIDI sofre com glosas injustificadas, cerca de 80%, porcentagem muito parecida com a constatada no trabalho anterior. Muito embora a frequência tenha permanecido a mesma, o volume de recursos glosados representou um aumento de 24,3% em relação à 2022 e atingiu o valor nominal de R$ 145 milhões. Além disso, é importante destacar a alta ocorrência de indeferimento de pagamento em procedimentos eletivos previamente autorizados pelas operadoras ou hospitais. A pesquisa demonstrou que cerca de 40% dos procedimentos em que houve a prática de glosa referem-se a cirurgias autorizadas com antecedência.
Já a inadimplência atingiu R$ 864 milhões, maior índice da série histórica e cerca de 40% superior ao valor do ano anterior que foi de R$ 610 milhões.
O crescimento exponencial das distorções no setor da saúde vai ao encontro de uma série de medidas adotadas pelas fontes pagadoras, relacionadas a modelos de negócios e remuneração. Percebe-se no mercado uma intensificação da verticalização, onde a operadora detém a própria rede de prestadores de serviços, como hospitais, ficando a cargo de cada unidade a compra de produtos. É imperioso destacar o aumento de novos modelos de remuneração, principalmente, a adoção do pagamento por pacote, que tem como objetivo aumentar a previsibilidade dos custos relacionados ao procedimento. Se, no início desse processo, os planos de saúde negociavam diretamente com fornecedores na tentativa de reduzir custos, com o tempo delegaram essa responsabilidade para os hospitais, fossem da rede própria ou não. Isso fez com que as negociações de preços, prazos, bem como os pagamentos fossem efetuados por esses prestadores, agravando a retenção do faturamento, distorção com maior volume financeiro contingenciado.
Os distribuidores e importadores são as menores empresas, em relação ao faturamento do ecossistema de saúde no Brasil, mas acabam financiando as gigantes, como planos e hospitais. A questão é que ‘bancamos’ de forma impositiva e, na maioria das vezes, com práticas comerciais antiéticas que excluem aqueles que não aceitam as ‘regras’ impostas. A deterioração, ano após ano, como constatado em nossas pesquisas, revela que algo precisa ser feito urgentemente para acabar com essas práticas.