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Mudanças na saúde suplementar. Quem pagará a conta?

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Com a sanção do Presidente da República ao PL 2033, foi promulgada a Lei nº 14.454 de 21 de setembro de 2022, que alterou a Lei de Planos de Saúde, Lei nº 9.656, de 03 de junho de 1998, passando a estabelecer hipóteses de obrigatoriedade de cobertura, pelas operadoras, a exames ou tratamentos de saúde não previstos no Rol de Procedimentos e Eventos em saúde suplementar.

A natureza jurídica do Rol de Procedimentos nos convida a uma reflexão muito importante, e sua alteração certamente trará uma mudança significativa em todo o mercado de saúde suplementar. Vale a pena trazer um retrospecto sobre o tema.

De um lado, estavam os defensores da natureza exemplificativa do Rol, tese que por muito tempo predominou no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e em tribunais estaduais, com os argumentos de que o Rol estabelecia a cobertura obrigatória mínima a ser garantida pelas operadoras de planos de saúde, e que não excluiria a obrigatoriedade de cobertura a outros procedimentos, se houvesse indicação médica. A justificativa era a de que, havendo cobertura para a doença, seria também coberto o tratamento médico indicado, de forma que seria abusiva e contrária ao Código de Defesa do Consumidor e ao direito fundamental à saúde a cláusula contratual que excluísse cobertura para o tratamento prescrito pelo médico e não previsto no Rol.

De outro lado, havia os que se posicionavam pela natureza taxativa, para os quais procedimentos não previstos no Rol somente teriam obrigatoriedade de cobertura pelas operadoras se expressamente contratados.

Os defensores da taxatividade do Rol já alertavam para os riscos da ampliação sem restrições dos procedimentos a serem cobertos pelas operadoras, riscos que não têm repercussão apenas na saúde financeira das operadoras de saúde, como a princípio se poderia imaginar, mas que podem comprometer a sustentabilidade do setor de saúde suplementar, com prejuízos aos próprios beneficiários.

Há que se ressaltar que o Rol foi concebido por Lei para ser um rol taxativo, inclusive o próprio STJ, em julgamento pela Segunda Seção, em junho do corrente ano, entendeu pela natureza taxativa, como regra.

Não temos dúvidas que a questão é de grande impacto para todos os atores setoriais, não se restringindo ao aparente conflito entre direito fundamental à saúde e interesses econômicos das operadoras, como discursos mais simplistas podem fazer parecer.

Nesse ponto, há que se considerar que o contrato de plano de saúde segue princípios similares aos contratos de seguro, de forma que o pagamento das mensalidades pelos beneficiários corresponde à obrigação da operadora de garantir algo – no caso, a cobertura aos serviços de saúde, caso ocorram riscos predeterminados, que são os eventos segurados.

É justamente a característica de ser o risco predeterminado, sabendo-se previamente quais são os procedimentos segurados e a extensão das obrigações assumidas, que faz com que seja possível à operadora calcular o valor dos custos do contrato e das contraprestações do plano a serem pagas pelos beneficiários, em sistema de mutualismo, de modo a reunir a reserva financeira necessária e suficiente para que a operadora possa arcar com os eventos segurados, quando ocorrerem.

Vale lembrar que o mutualismo é caracterizado pela cotização do grupo, em que todos contribuem financeiramente, reunindo os recursos necessários para que, quando um integrante necessite dos serviços do plano, haja reserva financeira suficiente para cobrir os custos.

Portanto, o cálculo atuarial utilizado para se chegar aos valores a serem pagos pelos beneficiários pressupõe saber de antemão quais são os procedimentos e riscos a serem segurados, para que os custos possam ser estimados.

Assim, com a sanção da Lei 14.454/22, que alterou a Lei nº 9.656/98 nos seus artigos 1º, caput e artigo 10, parágrafo 4º, bem como acrescentou os parágrafos 12º e 13º ao artigo 10, o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde passa a ser considerado um rol exemplificativo, ampliando os riscos segurados sem delimitação, de modo que as operadoras terão que arcar com qualquer novo procedimento, medicamento de alto custo, ou nova tecnologia de saúde – desde que cumpridos os requisitos da lei.

A ausência de delimitação dos riscos provoca um inevitável rompimento do equilíbrio econômico-atuarial desse tipo contrato, o que deverá acarretará expressivo aumento dos custos dos planos de saúde, custos que certamente serão repassados aos beneficiários, por meio do aumento das mensalidades.

O aumento das mensalidades, que mesmo hoje já não são baratas, poderá inviabilizar que grande parte dos beneficiários consiga manter o pagamento de um plano de saúde.

Ainda, nesse cenário, é possível vislumbrar comprometimento da viabilidade financeira para que operadoras de menor porte se mantenham atuando no mercado. Assim, o mercado de saúde suplementar, que já tende a ser concentrado em poucas operadoras, terá a sua higidez comprometida, com prejuízo ao salutar ambiente concorrencial, o que, resultará em cenário prejudicial a toda a massa populacional assistida por planos de saúde.

Portanto, é a partir da necessária predeterminação dos riscos do contrato, sabendo-se claramente e de antemão quais são os procedimentos e riscos a serem cobertos pelo contrato, que surge o equilíbrio atuarial do contrato, que, quando rompido, não afeta apenas a saúde financeira da operadora, gerando consequências para todo o setor e, em última instância, para os próprios beneficiários.

*Luciana Murad Sarney Costa é advogada do Regulatório do escritório Bhering Cabral Advogados