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Acesso à saúde é mais um desafio para grupos minorizados

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Iniciativas do setor público e privado têm buscado reduzir as desigualdades no diagnóstico e tratamento de doenças.

Grupos minorizados são aqueles que não têm seus direitos básicos plenamente garantidos. Essa exclusão pode ser vista em vários âmbitos, como no ambiente de trabalho, nas escolas, nas relações sociais, e resvala na saúde, restringindo o acesso ao chamado direito universal. Relatos de pessoas negras, LGBTQIAPN+, mulheres ou pessoas com deficiência que muitas vezes deixam de procurar ajuda médica por sentirem que recebem um tratamento diferenciado não são incomuns.  

Uma pesquisa divulgada em 2023, realizada pela farmacêutica Sanofi, mostrou que cerca de 87% das pessoas com alguma deficiência no Brasil disseram ter experiências que prejudicaram sua confiança na área de saúde, contra 77% das pessoas sem deficiência. Para os membros da comunidade LGBTQIAPN+ essa diferença foi semelhante (86% contra 77% de seus pares que não fazem parte da comunidade).  

O mesmo aconteceu com 80% das pessoas de etnias minorizadas, grupo que no Brasil é predominantemente formado pela população negra, contra 77% da população branca. 

As pessoas que se enquadravam em mais de um desses grupos minorizados eram significativamente mais propensas a ter uma experiência ruim ao procurar atendimento, como grupos étnicos compostos por pessoas negras e pessoas que se identificam como LGBTQIAPN+ (90% em comparação com 76% das pessoas que não se identificam com nenhum desses grupos). 

Esses dados, levantados junto a mais de 11.500 pessoas de cinco países, incluindo o Brasil, apontam uma diminuição da confiança de grupos minoritários em relação aos sistemas de saúde.  

Outros dados, de 2023, divulgados pelo Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra), mostraram uma discrepância entre negros e brancos na utilização dos serviços de saúde. O levantamento apontou que 29% da população negra no Brasil nunca foi ao dentista ou não consulta um profissional há mais de três anos. O “exame da orelhinha”, ou Triagem Auditiva Neonatal, que detecta possíveis problemas de audição nos recém-nascidos, deixou de ser realizado em cerca de 24,2% das crianças negras, em contraponto aos 12% de crianças brancas. 

Iniciativas focam na inclusão e no acesso à saúde 

Diante desse cenário, algumas ações vêm sendo desenvolvidas para aumentar o acesso dos grupos minorizados à saúde. O PROADI-SUS, uma parceria entre o Ministério da Saúde e seis hospitais filantrópicos, vem criando projetos com esse objetivo, como o TeleNordeste e o TeleAmes – projetos de teleinterconsultas que atendem pacientes localizados em regiões remotas, com foco nas comunidades indígenas; e o Residências, que capacita profissionais no atendimento a populações diversas. 

Segundo Maria Alice Rocha, diretora executiva de Pessoas, Experiência do Cliente, Marketing, Sustentabilidade e Impacto Social na BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo e representante institucional do PROADI-SUS, o maior desafio para atender as populações minorizadas é garantir que os projetos e as iniciativas sejam adequados às suas necessidades específicas e realidades regionais.  

“Temos muito a aprender e queremos estar cada vez mais especializados para atender esses públicos. O PROADI-SUS tem trabalhado para enfrentar esse desafio com projetos direcionados. Um bom exemplo são os projetos de telessaúde mencionados anteriormente, com TeleNordeste e TeleAmes, capacitando profissionais sobre a linha de cuidados com populações indígenas e LGBTQIAPN+.” 

Ela cita ainda outro projeto, o Saúde das Mulheres, que busca qualificar equipes multiprofissionais de serviços públicos para identificação precoce de diversas queixas ginecológicas, como endometriose, focado no cuidado integral da saúde da mulher, incluindo cuidados com a população LGBTQIAPN+. 

A Sanofi, diante dos dados coletados na pesquisa citada no início desta matéria, lançou a iniciativa “Um Milhão de Diálogos (UMD)”, com o objetivo de preencher a lacuna de confiança de grupos minorizados, promover a reflexão sobre essas experiências e buscar resolvê-las coletivamente com o setor de saúde. Até 2030, a empresa investirá 50 milhões de euros globalmente nessa iniciativa. 

“No primeiro ano do UMD, foram mais de 100 pessoas ouvidas, envolvendo desde colaboradores da Sanofi que fazem parte dos grupos minorizados em questão até governos, instituições privadas de saúde, órgãos colegiados do setor e outros atores importantes para que as mudanças possam acontecer. A partir dessa rede de diálogos, temos catalogado e documentado dados dessa experiência que fundamentam o segundo ano do programa, em que o nosso foco é também desenvolver recomendações de políticas públicas voltadas à diminuição da lacuna de confiança e desigualdade na área de saúde e seguir com ações que contribuam para aumentar a visibilidade sobre o tema”, explica Neila Lopes, head de Diversidade e Cultura na Sanofi. 

A pesquisa da Sanofi mostrou que mais de um terço das pessoas entrevistadas afirmaram que “não ser ouvido” ocupa o primeiro lugar na justificativa de sua desconfiança. “O preconceito é uma grande barreira a ser enfrentada, pois um atendimento médico de rotina precisa envolver empatia, escuta ativa e letramento, sendo esse último um conceito mais novo e que ainda carece de muita capacitação não só na saúde, mas em diversos setores. Por isso, queremos treinar profissionais de saúde para identificar e superar vieses inconscientes, melhorando assim a experiência do paciente como um todo”, conta Neila. 

Outro exemplo de iniciativa para aumentar o acesso tanto de grupos minorizados quanto de pessoas em maior vulnerabilidade vem da Tuinda Care, uma start-up de saúde digital que tem por objetivo aumentar o acesso à saúde por meio da telemedicina. 

Por meio do dispositivo TytoCare é possível realizar até oito exames físicos, como ausculta pulmonar, abdominal e cardíaca, frequência cardíaca, avaliação de lesões cutâneas, otoscopia, entre outros, a distância, sem limite de localização, com armazenamento digital do histórico de todos os pacientes cadastrados em ambiente seguro. 

“Nossa solução possibilita atendimento a indígenas residentes em áreas remotas, com falta de meios de transporte adequados e com carência de medicamentos e locais para a realização de exames simples. Além disso, os povos originários possuem particularidades que precisam ser respeitadas quando pensamos em atendimento médico”, conta Fábio Mattoso, CEO da Tuinda Care. 

A ideia é simples. Um agente de saúde local realiza os exames e transmite as informações coletadas em tempo real para um profissional de saúde remoto, que orienta a avaliação e o tratamento. Com o dispositivo, Mattoso avalia que um dos principais desafios do Sistema Único de Saúde (SUS, seja no atendimento a populações minoritárias ou não, pode ser resolvido, pelo menos em parte, que é a falta de atendimento médico adequado devido à escassez de profissionais fora dos grandes centros. 

Políticas públicas e seus impactos reais nos grupos minoritários 

Ao longo das últimas décadas, o SUS elaborou Políticas de Saúde específicas para algumas populações: 

  • População negra (Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) em 2009; 
  • População do Campo e das Florestas (Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF) em 2011; 
  • Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Povo Cigano/Romani em 2018; 
  • População indígena (Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas) em 2002.  
  • População LGBTQIPN+ (Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais (PNSI LGBT)), em 2011; 
  • Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência em 2002. 

“Apesar dessas políticas específicas terem representado avanços, ainda vemos alguns problemas em suas aplicações. Por exemplo, apesar da PNSIPN ter sido instituída há mais de 15 anos, em 2018, somente 28% dos municípios haviam incluído no planejamento municipal de saúde ações previstas na PNSIPN. Em 2021, essa proporção passou para 32%”, comenta Julia. 

Há ainda, segundo ela, a falta de preparação da formação médica para lidar com grupos específicos, tanto na falta de reconhecimento dos saberes e práticas tradicionais das comunidades indígenas, quilombolas e da população do campo de uma forma geral, quanto em práticas reiteradas de LGBTfobia institucional. “Nesse último caso, observa-se uma redução da saúde dessa população frente aos temas de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e o despreparo dos profissionais em lidarem com a transição de gênero.” 

Na opinião de Julia, é preciso que haja recursos destinados especificamente para a saúde da população minorizada. “O único grupo populacional que conta com um orçamento específico, hoje, é a população indígena. Além disso, é preciso trabalhar na produção e qualificação de informações sobre essas populações minoritárias. Apenas com informação precisa e de qualidade é possível desenhar políticas públicas efetivas. Por fim, temos que destacar o papel da capacitação dos profissionais de saúde para que lidem com as especificidades de cada um dos grupos de forma a não invisibilizarem suas necessidades.” 

Um dos principais problemas que a perda de confiança no sistema de saúde pode trazer, seja ele público ou privado, é a falta de acesso a cuidados preventivos, que leva ao agravamento de doenças que poderiam ser tratadas ou evitadas precocemente e pressionam o sistema de saúde. 

Para que o país possa reverter o quadro de falta de confiança no setor, Maria Alice acredita que é necessário fortalecer as parcerias público-privadas. “Com isso, ampliamos o acesso à saúde para os pacientes, compartilhando as atualizações das melhores evidências científicas e contribuindo para uma prática clínica efetiva em cada localidade, de maneira humanizada e sustentável”, destacou Maria Alice.