Quando concebi o movimento hospitalista brasileiro nos anos 2000, recém-saído da residência de Medicina Interna, carregava “colas plastificadas” no bolso do avental. Elas continham diluições das soluções medicamentosas necessárias na época, entre outros lembretes indispensáveis, para agir prontamente e de forma rápida em resposta a inúmeras situações ou problemas comuns da prática clínica nos hospitais.
A ideia por trás do hospitalista era muito mais abrangente, mas bem que buscava uma integração médico-hospitalar que substituísse essas anotações , se não conhecidas por todos os médicos e enfermeiros da casa, no mínimo acessíveis.
A existência contemporânea de perfis em redes sociais oferecendo e-books com conteúdos semelhantes aos que eu carregava nas antigas folhas plastificadas, uma espécie de receita de bolo para utilização em qualquer plantão, onde fosse o plantão, reflete algumas questões.
Muitos hospitais ainda não caminharam para modelos de prescrição institucionais. Médicos ainda parecem estar levando suas rotinas próprias para os hospitais, sem pactuação prévia, sugerindo persistência de desalinhamento e manutenção do multiemprego.
Médicos e hospitais continuam ignorando premissas básicas de segurança medicamentosa, como o fato de que diluições são do hospital e de seus respectivos pacientes, para o hospital e seus respectivos pacientes. Em cada instituição, como regra geral, as diluições devem ser iguais no pronto-socorro, na UTI ou onde o paciente estiver. Assim, e só assim, podemos minimizar erros medicamentosos.
Inclusive, lida-se frequentemente com medicamentos de alta vigilância, exigindo ainda mais uma padronização, que não deve ser derivada de e-books externos, mas estabelecida por meio de rotinas internas adequadamente pactuadas com médicos e enfermeiros locais. Existem, afinal de contas, várias maneiras aceitas de prepararmos as tais soluções. O certo, modernamente, é o que é feito de forma combinada, na perspectiva de uma verdadeira equipe hospitalar.
Digitalizamos minhas “colas plastificadas”. Conteúdo está agora em e-books. Parece modernidade, mas o fato é que seguem como conteúdos úteis para médicos caubóis, uma vez definidos por Atul Gawande como profissionais que atuam sozinhos. Segundo Gawande, “é de equipes de atendimento que precisamos, não de médicos caubóis”.
Percebe-se, com isto, que verdadeiros hospitalistas e bons programas de Medicina Hospitalar têm muito espaço ainda para se desenvolverem no Brasil.
Leituras complementares:
A Comprehensive, Proactive Plan Is Needed to Mitigate Risk When Changing Drug Concentrations - ISMP