Nos últimos meses, acompanhamos o surgimento e a popularização da ferramenta ChatGPT, uma plataforma de inteligência artificial capaz de produzir e entregar conteúdos bem similares aos desenvolvidos por seres humanos. Visto como revolucionário pelos mais empolgados e como uma ameaça pelos mais céticos, o recurso nada mais é do que um exemplo prático do processamento de linguagem natural (NPL, na sigla inglesa), tornando-se na grande tendência tecnológica de 2023 – e é evidente que o setor de saúde virou um campo fértil para explorar suas possibilidades.
Trata-se de uma mudança significativa na forma como a inteligência artificial trabalha com os dados. De forma resumida, o NPL é uma espécie de algoritmo que utiliza técnicas de machine learning e deep learning para coletar, processar e cruzar diferentes dados não estruturados dos mais diferentes textos, como este por exemplo. A partir daí, desenvolve modelos preditivos e consegue entregar o conteúdo com todas as informações solicitadas na mesma linguagem (escrita ou oral) que nós dominamos.
É bem diferente, portanto, dos complexos relatórios que as ferramentas de IA conseguem extrair a partir de um banco de dados tabulado. Para decifrá-los, apenas com conhecimento prévio sobre o assunto. Não à toa, é bem mais fácil e eficiente “conversar” com a Siri e com a Alexa ou até mesmo digitar algo para o ChatGPT. Nesses casos, basta saber se comunicar!
Olhando especificamente para o setor de saúde, quais são os principais desafios em relação à transformação digital? Primeiro, a capacidade de extrair informação de bancos de dados não estruturados, como históricos médicos – cerca de 80% de todas as informações médicas são provenientes de textos e imagens não estruturados, segundo pesquisa publicada em 2019 na Healthcare Informatics Research.
Além disso, há também a necessidade de encontrar meios para facilitar a interação entre médico e paciente e, por fim, a própria dificuldade dos profissionais em trabalharem com as novidades de tecnologia. Ou seja, são problemas facilmente resolvidos com o processamento de linguagem natural.
Isso explica as previsões otimistas para o conceito na área de saúde. Levantamento da MarketsandMarkets indica que as soluções de NPL em hospitais, clínicas e consultórios movimentaram US$ 2,2 bilhões em 2022, número que deve saltar para mais de US$ 7,2 bilhões em 2027, com um crescimento médio anual de 27,1% nos próximos cinco anos. Entre os motivos elencados estão a maior compreensão do tema e o surgimento de ferramentas mais robustas e eficientes. Portanto, vale se questionar o que ainda é expectativa e o que já é realidade no processamento de linguagem natural na saúde.
NPL pode auxiliar a tomada de decisão em diagnósticos
Como qualquer novidade que aparece na área de saúde, no início há mais expectativas do que pode entregar do que benefícios já existentes. Com o NPL essa realidade não é diferente. A maioria das pesquisas, ensaios e conteúdos aborda mais as possibilidades futuras que o conceito pode trazer a médicos e demais profissionais do setor – e as possibilidades são as melhores possíveis.
Ao conseguir lidar com dados não estruturados de textos e imagens, o que incluiria históricos médicos e os mais variados exames, o NPL pode se tornar o assistente virtual dos médicos ao realizar as tarefas burocráticas e entregar informações importantes que auxiliam na tomada de decisão do diagnóstico. Por exemplo, em uma consulta, o médico pode dedicar mais atenção ao paciente, conversando sobre diversas situações enquanto a ferramenta cataloga histórico médico e exames para “avisá-lo” de eventuais sintomas e tratamentos.
É como ter uma Alexa especializada em conhecimento de saúde. Em vez de perguntar sobre o tempo ou saber as principais notícias do dia, é possível conversar sobre tratamentos já realizados em casos semelhantes e até varrer fontes de pesquisas médicas em busca de novos cenários e alternativas. Dessa forma, o médico consegue se dedicar àquilo que ele se preparou e o NPL faz as tarefas burocráticas que tanto tomam tempo do expediente nos consultórios.
Hoje, NPL já otimiza documentação clínica e melhora atendimento digital
Ter uma Alexa especialista em conteúdo médico como braço direito ainda é algo para o futuro, mas o processamento de linguagem natural já começa a ocupar espaços dentro de clínicas e hospitais com outras funções. A mais importante delas está relacionada à gestão dos documentos. Hoje já existem sistemas que trabalham justamente com os dados não estruturados do dia a dia de médicos, permitindo categorizar, catalogar e extrair inteligência a partir desse enorme banco de dados.
Dessa forma, em vez de pesquisar manualmente por informações de um determinado paciente, com o risco de extrair/perder documentos com o tempo, é possível solicitar ao NPL para trazer os dados mais relevantes. Além do ganho de tempo, o profissional consegue ter uma visão clara sobre tudo o que já foi feito e até mesmo solicitar ao sistema que faça correções em caso de erros ou mudanças.
Para isso, é evidente que o NPL precisa estar integrado ao prontuário eletrônico utilizado pelo consultório. Este equipamento segue como principal recurso da transformação digital na área de saúde, uma vez que ele, sozinho, concentra todas as informações dos pacientes, documentos administrativos, entre outros dados essenciais para a boa gestão da saúde. Com um processamento de linguagem natural, ele dá mais um passo adiante para se tornar no assistente virtual tão desejado por muitos profissionais.
É melhor se preparar para NPL na saúde
Se o conceito de processamento de linguagem natural ainda dá seus primeiros passos no setor de saúde, não significa que esta tendência vai demorar a pegar no país. Pelo contrário, é questão de tempo para que mais tecnologias do tipo sejam desenvolvidas e lançadas a consultórios, clínicas e hospitais. Quanto mais cedo os médicos e demais profissionais se especializarem sobre o assunto, mais rápido irão se acostumar com os desafios e, claro, benefícios.
* Tiago Delgado é sócio-fundador da Medicina Direta, empresa especializada em tecnologia na área de saúde