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Idosos: programas de gestão devem considerar funcionalidade, não só doenças

Em entrevista, a diretora médica do GRUPO GERIATRICS, Patrícia Cristina Ferreira, conta como selecionar os participantes e quais são os cuidados específicos para essa população

Rede de assistência fragmentada, foco prioritário em custos e um sistema que só identifica pacientes crônicos depois que agudizam são alguns dos desafios a serem superados no Brasil e no mundo. Em entrevista, a diretora médica do GRUPO GERIATRICS, Patrícia Cristina Ferreira, aborda, principalmente, os idosos, população que cresce velozmente e responde pelo uso do maior volume de recursos em saúde.

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1)    Você esteve recentemente no Fórum Asap (Aliança para a Saúde Populacional). De que forma as empresas que contratam planos e os demais players da cadeia estão se movimentando para buscar uma nova forma de gerenciar e entregar serviços de saúde?

Patrícia Cristina Ferreira: O Frederic Goldstein, ex-presidente da Population Health Alliance e keynote speaker do evento, começou a apresentação mostrando suas meias cor de rosa. Nos Estados Unidos, essa campanha, a #pinksocks, está mostrando a insatisfação das pessoas com o sistema de saúde e sua vontade de causar um disruptura no setor. Ele concluiu que quem participava de um fórum como aquele também não deveria estar satisfeito.

Depois, falou o Dan Witters, diretor de pesquisa de bem-estar da Gallup-Healthways, que comprovou a relação entre bem-estar e produtividade. Pessoas com problemas físicos ou mentais faltam até três dias a mais no trabalho do que os funcionários que se sentem plenos. Se pegarmos o exemplo do Brasil, que é um dos países de produtividade mais baixa e com altos índices de absenteísmo e presenteísmo, vemos como questões financeiras, a falta de mobilidade urbana, a violência e outros fatores associados à qualidade de vida acabam afetando o desempenho das pessoas.

Os debates giraram em torno do que traz valor para a saúde, o que pode levar a uma gestão de saúde populacional (GSP) melhor. E eu entendo que a resposta vai além de custo. Claro que tudo tem um preço, mas precisamos considerar o valor agregado para tomar uma decisão. As pessoas não vão fazer GSP só como um benefício para o funcionário, mas porque isso melhora a produtividade e porque, se continuarmos assim, as empresas não serão mais capazes de pagar os planos de saúde. Minha preocupação é só ficarmos pregando para convertidos. Precisamos convencer o decisor, que vê prioritariamente o custo, da importância desse assunto. Ter saúde não é só ausência de doença.

2)    Você é coautora do caderno da Asap sobre envelhecimento ativo. Quais são as melhores estratégias para atender às necessidades específicas dos idosos, sem causar uma disparada nos custos assistenciais?

Patrícia: É preciso mudar a forma de gerenciar os casos. Não raro, as empresas fazem gerenciamento por doenças, como câncer, diabetes, etc. Os idosos precisam ser avaliados por cognição e funcionalidade. Pode ser que ele tenha algumas condições que o levem a ser considerado crônico, mas ele toma remédio todos os dias e trabalha normalmente, ou seja, todas as suas funções estão preservadas. Em outros casos, a pessoa tem apenas uma doença, como Parkinson ou Alzheimer, mas sua cognição e sua funcionalidade ficam alteradas. Então, é preciso definir a porta de entrada do paciente no programa de gestão de saúde e ver quem realmente se beneficia dele.

Outro fator preocupante é a rede de atenção fragmentada que temos no Brasil. Os idosos vão de médico em médico, fazem uma série de exames, mas nem por isso deixam de ser internados. Os programas para geri-los precisam ter como foco a redução dos agravos e internações e, por último, a redução de custos. Ou seja, o fator mais importante é a qualidade assistencial e o resultado que ela traz para aquele paciente.

3)    Há um questionamento sobre até onde vai a efetividade dos programas de gestão de crônicos, que parecem não reduzir custos para uma determinada faixa de participantes. Por que isso acontece, se os objetivos gerais são melhorar a condição de saúde e evitar o uso intensivo dos recursos?

Patrícia: O primeiro problema é que esses programas desenvolvem bancos de dados sobre as doenças. Olhando de perto, percebe-se que eles não pegam os grandes utilizadores da rede. A operadora não sabe quem é o beneficiário até que ele precise ser internado. Nosso sistema de identificação de candidatos a um programa de gestão de crônicos é baseado no fato de a pessoa usar ou não os serviços. Antes disso, ele não parece alguém importante a ser gerenciado ou entrar num programa de prevenção. Aí você tem um idoso de mais de 60 anos, que paga o plano e não consome, porque só vai ao seu médico particular. Parece o cliente perfeito, mas dentro de uma certa faixa etária isso não é bom, porque pode significar que ele não faz prevenção. E aí, eventualmente, ele acaba na Emergência. O paciente usa a rede credenciada da forma que acha melhor e um dia acaba enfrentando uma internação longa. É nessa hora que o plano descobre que ele existe, mas, depois que o sinistro ocorreu, o gasto já foi consumado. Salvo exceções, as operadoras não fazem um banco de prevenção com perguntas. Nossa sugestão, no caderno da Asap, é que os beneficiários, especialmente idosos, sejam submetidos a um questionário para avaliação de risco: o senhor fuma? Já teve dor no peito? Tem diabetes? Mora sozinho? São perguntas já validadas pela literatura, que levam a um cálculo do fator preditor de risco. É um método barato, que pode ser realizado por telefone, rápido e que atinge um grande número de pacientes. A partir daí, é feita uma avaliação funcional dos casos de risco, considerando a escala de atividade instrumental de vida diária e cognição. Se esse teste der positivo, mesmo que o usuário nunca tenha sido internado, ele precisa entrar no programa de gerenciamento, porque é um paciente potencial. É como o câncer. Não é todo o mundo que fuma que vai desenvolver a doença, mas o risco é tão grande, que não vale a pena corrê-lo.