*Matéria originalmente publicada em 23/11/2014.
Lendo a coluna de inovação em saúde da Harvard Business Review, uma matéria me chamou a atenção. O título original dela é “What the U.S. can learn from India and Brazil about preventive health care” (tradução: O que os EUA pode aprender sobre saúde preventiva na India e no Brasil).
Por vivermos em contato com o que o mundo tem feito quanto à saúde, às vezes esquecemos de olhar com carinho o que temos feito no Brasil, com isso corremos o risco de ficarmos míopes, e apenas criticar as políticas públicas. Por esse motivo vou traduzir a matéria na íntegra, para mostrar a visão dos autores americanos sobre a saúde em nosso país (Nidhi Sahni, manager de saúde pública e desenvolvimento global no The Bridgespan Group / Michael Myers, diretor do The Rockefeller Foundation).
Você pode até pensar que a matéria não fala muito sobre inovação em saúde, mas lembre-se que inovação pode ir desde um smartphone revolucionário até um processo operacional disruptivo e de alto impacto.
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Empresas de mídia americanas, fabricantes de automóveis, varejistas de vestuário e outros setores da indústria tem observado o exterior à décadas em busca de ideias e inovações que eles possam adaptar ao mercado americano. Mas em um dos maiores, com maior crescimento e mais confusos setores – saúde – a situação é diferente.
Importações de aspirina (Alemanha) e de transplantes cardíacos (África do Sul) tem se tornado quase tão americanos quanto as tortas de maçã. Mas na saúde preventiva – onde evita-se que pessoas fiquem doentes, ou as ajuda a gerir alguma doença que tenham – nós adaptamos muito pouca inovação em saúde e modelos estrangeiros que se provaram efetivos e sustentáveis em escala.
Os EUA gastam muito mais per capta com saúde que qualquer outra nação. Claramente precisamos adotar esforços preventivos custo-eficientes onde pudermos. E devemos fazer de uma maneira que se encaixe na nossa infraestrutura, incluindo recursos do setor privado – um mix de atores sem fins lucrativos e com fins lucrativos – como a base do nosso sistema.
Duas táticas que se encaixam, e que podem reduzir os custos e aumentar o cuidado com o paciente, incluem um uso mais expansivo das tecnologias móveis e trabalhadores da saúde leigos. Ambas podem ser mantidas por intermediários sem fins lucrativos.
Modelos escaláveis dessas intervenções tem sido utilizadas com sucesso em economias emergentes, e são particularmente pertinentes em prevenir doenças de baixa renda e alcançar regiões com grandes barreiras geográficas ou linguísticas.
A telemedicina na Índia
Pegue a telemedicina como exemplo, uma abordagem que leva informações para populações remotas a uma fração do custo dos tours com médicos. Na Índia, 70% da população vive em áreas rurais, mas apenas 3% dos médicos especialistas do país atuam nessas áreas. Uma empresa sem fins lucrativos chamada World Health Partners (WHP) está trabalhando para fazer a ponte entre a identificação de profissionais de saúde informais na região das vilas e usando transmissão pela internet para conectar eles a especialistas. Esses trabalhadores leigos, compensados por fees atrelados a consultas e um mark up consideráveis nas medicações vendidas, aferem a pressão arterial, temperatura, batimentos cardíacos, frequência respiratória, e podem fazer eletrocardiogramas e transmitir os resultados direto para o médico especialista.
A Universidade da Califórnia em Berkeley estudou o programa e reportou um aumento drástico no acesso à saúde reprodutiva pelos 6 milhões de moradores das vilas, a um custo de US$ 5.84 dólares por adulto por um par de anos de prevenção de gestações. Talvez a lição mais importante para os EUA na telemedicina do WHP na Índia é o approach com escala. Melhor que implementar um programa e depois pensar como alcançar mais pessoas, WHP está construindo escala no design através de approaches de baixo custo, e um modelo com fins lucrativos para os representantes rurais – efetivamente trabalhando com o setor privado para construir um novo mercado para saúde preventiva.
A integração de trabalhadores leigos na saúde do Brasil
Uma integração mais profunda de trabalhadores leigos no sistema de saúde oferece um outro caminho para reduzir custos e aumentar o alcance da saúde preventiva.
A maior parte das nações, incluindo os EUA, fazem uso de trabalhadores leigos ou da comunidade na saúde, mas o Brasil é notável pela escala com que fazem isso, e seu sucesso em integrar esses trabalhadores em um sistema de saúde mais amplo.
Um estudo recente da Johns Hopkins mostra que o Brasil atualmente distribui aproximadamente 220.000 Agentes Comunitários de Saúde (ACSs) para alcançar mais da metade da população brasileira, que é de 200 milhões de pessoas.
Eles trabalham como membros das equipes de saúde (do PSF – Programa Saúde da Família), que incluem pelo menos um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e seis ACSs, para servir aproximadamente 1.000 famílias. Todos os membros da equipe são assalariados, funcionários de tempo integral, e o ACS deve viver na comunidade que serve, promovendo e entregando saúde preventiva tais como amamentação, pré-natal, imunização e fazendo o screening para doenças como HIV e tuberculose.
Em paralelo a essa abordagem, o Brasil agora conta com umas das taxas de mortalidade infantil que mais caem no mundo, e conquistou ganhos na cobertura das vacinações e outras medidas de prevenção dos ACSs.
Enquanto os EUA também tem modelos promissores de agentes comunitários de saúde, como os “Health Coaches” do AtlantiCare em Atlantic City, NJ, e “Promotoras” no Latino Health Access em Santa Ana, CA, a experiência brasileira nos mostra um caminho para escalar, que não vê mais os agentes comunitários como “não-tradicionais”, mas os integram ao sistema de saúde, e em última instancia, remunera como no mercado clínico tradicional.
Mindset antes de Modelos
O “mercado” para serviços de saúde preventiva é muito diferente do mercado automotivo; não podemos depender apenas das forças de mercado para aumentar o fluxo da inovação em saúde preventiva nos EUA. Mas temos que lembrar que os Japoneses estavam inovando há muito tempo no mercado automotivo, antes dos Americanos levarem à sério a exploração e adaptação dessas inovações.
A primeira mudança deve ser no mindset, na maneira de pensar: expandir nossa visão para onde podemos encontrar modelos poderosos para melhorar a saúde preventiva dos EUA, expandir a nossa ideia de quem deveria estar envolvido e identifica-los, prototipar e escalar esses modelos, e pensar grande – design para escalar – desde o início.
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Traduzido e adaptado de: What the U.S. can learn from India and Brazil about preventive health care