A Saúde é um mercado muito promissor para a Inteligência Artificial (IA). Existe um enorme potencial na capacidade dessa tecnologia fazer inferências e reconhecer padrões em grandes volumes de dados históricos dos pacientes, das imagens médicas, das estatísticas epidemiológicas e outros dados de saúde A IA tem o potencial de ajudar aos médicos a melhorar seus diagnósticos, prever a disseminação de doenças e personalizar tratamentos. A IA combinada com a digitalização dos dados de saúde (p. ex., prontuário do paciente) pode permitir aos prestadores de serviços de saúde monitorar ou diagnosticar os pacientes de forma remota, bem como transformar a maneira como são tratadas as doenças crônicas que representam uma grande parcela dos orçamentos de saúde.
Os executivos de saúde têm uma expectativa que a tecnologia de IA melhore o lucro operacional em 5% nos próximos três anos no mercado de saúde.
Em 2014 o grande investidor Vinod Khosla (da Khosla Ventures) cunhou o termo “Dr.Algoritmo” para se referir a uma função que se responsabilizaria por parte do que o médico faz hoje em dia. Sobre essa nova função ele diz: “"A tecnologia irá reinventar a Saúde como a conhecemos. É inevitável que, no futuro, a maioria dos diagnósticos, prescrições e monitoramento dos médicos, que ao longo do tempo podem aproximar 80% do tempo total de médicos/residentes, será substituída por hardware, software e testes inteligentes". Para conhecer mais do diz Mr. Khosla ver as referências [2] e [3].
Na evolução do tempo – e com uma disseminação/disponibilização maior dos dados – cada vez mais a função do “Dr. Algoritmo” estará presente na Medicina. Esse movimento será mais forte com a evolução da IA (e dos seus algoritmos). Ele não terá mais volta ... vaticinado!
Uma outra figura de destaque da Medicina é o médico Lloyod B. Minor de Stanford que também acredita que “os algoritmos vão comandar os futuros ganhos na saúde ... nós estamos agora em um momento onde a inovação está no nível algorítmico” [4].
É um bom momento para repensar a saúde mas não usando práticas conhecidas (ou até algumas novas) ... precisamos sim “repensar a saúde dentro do cenário da tecnologia de IA”. A Saúde TEM QUE reduzir os seus custos com eficiência para se reinventar! Estamos em um momento muito adequado para esse “repensar”!
E o que usar de IA nesse novo cenário transformador da Saúde? Quais “algoritmos” podemos utilizar? Várias tecnologias IA são adequadas para utilização em práticas médicas. A Aprendizagem de Máquina (ou “Machine Learning [5]) está começando a ser aplicada em pagamentos e gerenciamento de sinistros, mas sua aplicação adicional na saúde pode ser escalada em breve. A Aprendizagem de Máquina é adequada para analisar os dados históricos de milhões de pacientes (p. ex., prontuários dos pacientes ou, até mesmo, exames clínicos) para prever riscos de saúde ao nível da população. Essa poderia ser uma vitória inicial para a tecnologia de IA porque traz o potencial de grande economia de custo e não exigiria o escrutínio regulatório esperado ao tentar antecipar riscos individuais de saúde. A tecnologia de “Machine Learning” é “campeã” para ser utilizada na medicina preditiva e fazermos inferências sobre predições de doenças antes que elas aconteçam, o que pode ser um grande instrumento de redução de custos na saúde [6-7].
Um outro algoritmo muito em voga hoje em dia (pelo menos em projetos piloto) na Saúde é o “Deep Learning” [8] (conhecido como Rede Neural Profunda ou Aprendizado Profundo). Ele tem sido muito utilizado no reconhecimento de imagens em canceres [9] e outras morbidades como AVCH [10] e derrame [11]. A tecnologia de “Deep Learning” é um subconjunto de “Machine Learning”.
Um outro conjunto de algoritmos de IA com grande potencial na Saúde é o Processamento de Linguagem Natural (ou NLP = “Natural Language Processing” [12]) que é utilizado para implementação dos assistentes virtuais (ou “chatbots”) [13] ou em processamento de informações textuais ou manuscritas [14-15].
O uso de IA para diagnosticar doenças pode não acontecer tão rápido. Embora a Aprendizagem de Máquina seja capaz de usar os dados para fazer um diagnóstico de um paciente, não é provável que um diagnóstico completamente automatizado ocorra rapidamente, em parte devido a dúvidas sobre se os pacientes o aceitarão e em parte devido à dificuldade técnica de integrar dados de múltiplas fontes de dados (ou até da existência de dados), e também, cumprir com os fortes requisitos regulamentares.
Os hospitais também poderiam melhorar a sua capacidade de utilização da tecnologia de IA empregando soluções para otimizar muitas tarefas comerciais comuns. Os assistentes virtuais podem automatizar as interações rotineiras do paciente, como é o caso do Babylon Health na NHS britânica [15.1]. O software de reconhecimento de fala tem sido utilizado nos serviços ao cliente, onde reduziu a despesa de processamento de pacientes, lidando com tarefas rotineiras, como agendamento de consultas e registro de pessoas quando entram em um hospital. O Processamento de Linguagem Natural (NLP) pode analisar artigos de revistas e outros documentos e digerir seus conteúdos para acesso rápido pelos médicos. Esses tipos de aplicativos podem ter um impacto significativo sem precisar passar por uma revisão regulatória.
Antes que os médicos possam perceber esse potencial, os prestadores de serviços de saúde devem adotar mudanças significativas na maneira de como fazem os seus negócios, comprometendo-se com um investimento substancial em poder de computacional e expertise técnica, e trabalhar para aumentar a disponibilidade do “combustível” que irá impulsionar o grande progresso que a IA pode trazer eles, a saber: DADOS, INCLUINDO OS REGISTROS MÉDICOS DOS PACIENTES. Já falamos isso “n kappa vezes”: sem dados as instituições de saúde não vão levar a vantagem do uso da IA. Para complicar, segundo o analista de indústria McKinsey, a indústria de saúde (juntamente com governo, manufatura básica e a maior parte do setor de varejo) é um segmento atrasado em termos de digitalização dos dados. Esta digitalização é mandatória para uma organização de saúde conquistar espaço em um mercado de alta competição [16]. E, para complicar ainda mais – os médicos que poderiam ajudar no processo da disseminação de IA na saúde – parecem que ainda são céticos em relação a utilização de IA [17]. Os prestadores de serviços de saúde devem estar atentos – também - à “evangelização” dos médicos em relação a IA.
De qualquer forma, o sucesso das ferramentas baseadas na tecnologia de IA na medicina dependerá do governo federal fazer investimentos em IA, negociar financiamentos de infraestrutura (software e hardware), dar apoio à pesquisa, incentivar a criação de novas startups, e uma legislação adequada que proteja a privacidade dos pacientes e dê aos profissionais médicos acesso aos dados anônimos sobre doenças, tratamentos, e resultados para que seja possível “ensinar” aos computadores a identificar e tratar uma ampla gama de doenças utilizando os algoritmos de IA.
Alguns países no mundo já estão investindo em programas de IA governamentais e entre eles destacamos: (a) China: o governo chinês reservou cerca de 120,0 BUS$ para investimentos nessa tecnologia de extrema importância. Isso praticamente põe de lado qualquer concorrência governamental no mundo nesta área em termos de escala de investimento [18-19]; (b) Cingapura: a fundação National Research Foundation (NRF) da Cingapura anunciou em maio de 2017 o AI.SG, um programa nacional de Inteligência Artificial (IA) para catalisar, sinergizar e impulsionar as capacidades de IA nesse país. O governo está investindo 150,0 MUS$ no programa AI.SG nos próximos cinco anos conforme foi anunciado recentemente pelo governo da Cingapura [20-21]; (c) Canadá: o governo canadense anunciou em março de 2017 que está financiando uma estratégia pan-canadense de IA para desenvolvimento de pesquisas e talentos onde pretende consolidar a posição do Canadá como líder mundial em IA. A estratégia terá um investimento de 125 MUS$ e atrairá e reterá os melhores talentos acadêmicos no Canadá, aumentará o número de estagiários de pós-graduação e pesquisadores que estudam inteligência artificial e promoverá a colaboração entre os principais centros de especialização de IA do Canadá em Montreal, Toronto-Waterloo e Edmonton [22]; e (d) Reino Unido: o governo britânico anunciou em fevereiro de 2017 que vai fazer uma "grande revisão" do que a inteligência artificial significa para a economia do país como parte de sua Estratégia Digital. O Reino Unido anunciou que pretende investir 17,3 milhões de libras para desenvolver as tecnologias de IA e Robótica em todo o Reino Unido [23].
No Brasil não temos nenhuma notícia de apoio ou plano governamental para a tecnologia de IA, e acreditamos que deve demorar algum tempo para o país endereçar esse importante movimento mundial.
Fazer essas mudanças não será fácil. Mas há recompensas consideráveis para o sucesso: a tecnologia de IA é capaz de melhorar os serviços de saúde e ao mesmo tempo em que reduz os custos do setor; não importa se as despesas de saúde já atingiram globalmente 9,9% do PIB em 2014 (11,5% na França e 17,1% nos Estados Unidos), de acordo com a Organização Mundial de Saúde.
O analista de indústria McKinsey afirma que se um determinado segmento de mercado demora a adotar tecnologias digitais, ele tende também a ser lento na adoção da IA. No relatório Digital America [24] desse analista, ele concluiu que quase um quarto dos hospitais dos EUA mais de 40% dos consultórios dos médicos ainda não tinham adotados os sistemas eletrônicos de registro de saúde. Mesmo aqueles que possuíam sistemas de registro eletrônico podiam não estar compartilhando dados sem problemas com os pacientes ou com outros prestadores de serviços de saúde; os testes são repetidos sem necessidade, e os pacientes são obrigados a contar suas histórias médicas repetidas vezes porque esses sistemas não são interoperáveis. Outro relatório do McKinsey descobriu que o setor de saúde dos EUA realizou apenas 10 a 20% de suas oportunidades no uso de técnicas Análises Avançadas (“data analytics”) e Aprendizagem de Máquina [25].
No Brasil temos o movimento da ANS em estimular o padrão TISS [25.1] de troca de informações de saúde suplementar e em termos de prontuário eletrônico temos o movimento do SUS de implantar o prontuário automatizado nos postos de saúde até dezembro de 2016 [25.2].
Em recente relatório da Accenture foi mostrado que o segmento de saúde é um dos mais promissores para utilização da tecnologia de IA [26-27]. Nesse estudo foi destacado que que o mercado de IA na saúde vai crescer 40% até 2021 com 6,6 BUS$ a partir de 600 MUS$ em 2014. As principais áreas de investimentos de IA na saúde são: (a) Cirurgia Robótica (com 40,0 BUS$); (b) Aplicações de Assistentes de Enfermagem Virtuais (com valor de 20,0 BUS$); (c) Processos de “Workflow” Administrativo (com valor de 18,0 BUS$); (d) Detecção de Fraudes (com valor de 17,0 BUS$) e, surpreendentemente, Redução de Erro de Dosagem de Medicação (com valor de 16,0 BUS$) entre outros.
Esse lento progresso de IA na saúde não decorre da falta de interesse entre profissionais e executivos médicos. Há interesse sim, mas a medicina enfrenta alguns obstáculos únicos para a adoção da IA. A natureza sensível dos registros médicos e regulamentos rigorosos para mantê-los privados bloqueou a coleta dos dados agregados de alta qualidade exigidos pelos Aplicativos de “Deep Learning” e outras ferramentas de IA. Também contribuem para retardar a adoção da IA, a complexidade dos dados (bem como a existência deles e interoperabilidade) e a da própria indústria, a fragmentação da indústria de saúde e outras barreiras regulatórias.
Mas apesar da lentidão do processo de disseminação da IA, a saga e premonição do “Dr. Algoritmo” [28-30] vai continuar e vai chegar o dia em que o “Doutor da IA” se tornará realidade ... quem viver verá!
Referências:
[1] Artificial Intelligence, Wikipedia
https://en.wikipedia.org/wiki/Artificial_intelligence
[2] Vídeo: Vinod Khosla Khosla Ventures, Stanford, Big Data in Biomedicine Conference, 2014
https://mediaspace.stanford.edu/media/Vinod+Khosla+Khosla+Ventures+-+Big+Data+2014/0_1rlq9hil
[3] “20-percent doctor included” & Dr. Algorithm: Speculations and musings of a technology optimist, Khosla Ventures, 22.sep.2016 [pdf included]
[4] Algorithms Will Drive Future Health Gains, Dean of Stanford Medical School Predicts, Wall Street Journal, 21.apr.2017
[5] Machine Learning, Wikipedia
https://en.wikipedia.org/wiki/Machine_learning
[6] Seven ways predictive analytics can improve Healthcare, Elsevier, 06.oct.2014
Medical predictive analytics have the potential to revolutionize healthcare around the world
https://www.elsevier.com/connect/seven-ways-predictive-analytics-can-improve-healthcare
[7] Getting Buy-In for Predictive Analytics in Health Care, HBR, 20.jun.2017
https://hbr.org/2017/06/getting-buy-in-for-predictive-analytics-in-health-care
[8] Deep Learning, Wikipedia
https://en.wikipedia.org/wiki/Deep_learning
[9] Como a Inteligência Artificial pode Transformar a Medicina, Saúde Business, 13.jan.2017
http://saudebusiness.com/como-inteligencia-artificial-pode-transformar-medicina/
[10] IBM Watson to integrate MedyMatch's AI-based brain bleed detector, Fierce Biotech, 16.mar.2017
[11] Artificial Intelligence Helps Improve MRI Imaging of Strokes, MedGadget, 20.jun.2017
[12] Natural Language Processing, Wikipedia
https://en.wikipedia.org/wiki/Natural_language_processing
[13] Chatbots Will Serve As Health Assistants, Medical Futurist, May 2017
http://medicalfuturist.com/chatbots-health-assistants/
[14] Referências do Google sobre “NLP in Healthcare”
[15] EHRs can help detect patients with a history of câncer, Fierce Healthcare, 25.apr.2017
http://www.fiercehealthcare.com/ehr/ehrs-can-help-detect-patients-a-history-cancer
[15.1] Babylon Health raises further $60M to continue building out AI doctor app, TechCrunch, 25.apr.2017
[16] Inteligência Artificial causa furor e não é hype!, Convergência Digital, 17.abr.2016
[17] Silicon Valley is trumpeting A.I. as the cure for the medical industry, but doctors are skeptical, CNBC, 20.may.2017
https://www.cnbc.com/amp/2017/05/27/ai-medicine-doctors-skeptical.html
[18] How China is Becoming a World Leader in Artificial Intelligence, China Briefing, 14.mar.2017
http://www.china-briefing.com/news/2017/03/14/china-world-leader-artificial-intelligence.html
[19] Artificial intelligence given priority development status, South China Morning Post, 09.mar.2017
http://www.scmp.com/sport/article/2077464/artificial-intelligence-given-priority-development-status
[20] Singapore launches national Artificial Intelligence programme, eGovinnovation, 05.may.2017
[21] AI, Analytics and Fintech boost for Singapore's digital economy, Infocomm Media Development Authority, Singapore Government, 15.may.2017
[22] Referências do Google sobre “Canada Government Artificial Intelligence”
[23] Government to plough £20m into artificial intelligence research including robots and driverless cars, The Telegraph, 26.feb.2017
[24] Digital America: A tale of the haves and have-mores, McKinsey Global Institute, December 2015
[25] The age of analytics: Competing in a data-driven world, McKinsey Global Institute, December 2016
[25.1] Padrão TISS da ANS
[25.2] Referência do Google sobre “Prontuário Eletrônico Brasil”
[26] Where Artificial Intelligence Will Pay Off Most in Health Care, Fortune Magazine, 19.jun.2017
[27] Artificial Intelligence: Healthcare’s New Nervous System, Accenture, June 2017 [pdf]
https://www.accenture.com/us-en/insight-artificial-intelligence-healthcare
[28] How artificial intelligence is revolutionizing Healthcare, The Next Web, 13.apr.2017
[29] Artificial Intelligence: the new healthcare algorithm, Blue Lattitude Health, 26.sep.2016
https://bluelatitude.com/our-ideas/artificial-intelligence-the-new-healthcare-algorithm/
[30] In-Depth: AI in Healthcare- Where we are now and what's next, MobiHealth News, 19.may.2017
http://www.mobihealthnews.com/content/depth-ai-healthcare-where-we-are-now-and-whats-next
Eduardo Prado é consultor de mercado em novos negócios, inovação inteligência artificial e tendências em Mobilidade e “Big Data” em Saúde e Indústria.
E-mail: eprado.sc@gmail.com
Twitter: https://twitter.com/eprado_melo
Outras matérias do mesmo autor:
1.Convergência Digital
http://convergenciadigital.uol.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=37
2. Blog Saúde 3.0
http://saudebusiness.com/blogs/saude-3-0/