A neonatologia avançou muito nas últimas décadas permitindo que crianças que antes não sobreviviam passassem a sobreviver, entretanto com alto risco de lesão neurológica. Várias são as doenças que levam a este risco, dentre elas tem destaque a asfixia perinatal e as cardiopatias congênitas.
Somente no Brasil, dos praticamente 3 milhões de nascidos vivos ao ano, de 15 a 20 mil terão diagnóstico de asfixia perinatal*. O impacto social é devastador considerando o enorme sofrimento dos pais e as desestruturações familiares das crianças com sequelas.
Economicamente, estas crianças representam um alto custo para qualquer que seja a fonte financiadora. Um estudo comparou estimativas de gastos em saúde por 20 anos de crianças sem e com deficiência e apresentou uma diferença de R$ 22mil versus R$ 3 milhões*!
Como enfrentar este problema? Segundo o Dr Gabriel Variane, pediatra e neonatologista, os caminhos são dois: diagnóstico precoce, evitando que a lesão se estenda ou neuroproteção, evitando que a lesão se instale. Desta forma, o monitoramento da função cerebral durante o período neonatal se faz indispensável, sabendo-se que i) bebês convulsionam muito nesta fase, ii) o número de crises é proporcional a pior prognóstico e que iii) tratamento de crises subclínicas tem um melhor desfecho.
Nasce então o conceito de UTI Neonatal Neurológica. Uma unidade altamente especializada de ação mais rápida e capaz de prover o melhor cuidado ao bebê de alto risco. Visitei este modelo no Hospital e Maternidade Santa Joana.
Lá a conduta de escolha para diagnóstico de asfixia perinatal é a hipotermia terapêutica: um resfriamento da temperatura corporal de 36 – 37°C para 33,5°C por 3 dias seguidos, garantindo assim a proteção do cérebro destes bebês. Os neonatos são monitorados por eletroencefalograma de amplitude integrada (aEEG) e espectroscopia por infravermelho próximo (NIRS), que estima a oxigenação cerebral, além de todos outros tipos mais comuns de monitoramento dentro de um ambiente de UTI.
Por ser inviável manter um especialista a beira leito, o monitoramento da função cerebral é feito a distância através de telemedicina. Uma central de vigilância e inteligência se conecta a UTI através da internet permitindo um monitoramento 24/7 por especialistas que dão feedbacks em tempo real quando há necessidade de intervenção.
Os benefícios são muitos, desde padronização do cuidado a redução considerável de custos. Na Inglaterra, a prática clínica virou política pública pela NHS – batizado de BeBoP (Baby Brain Protection – proteção do cérebro de bebês, em tradução literal). Segundo Gabriel lá houve uma redução de 25% da mortalidade daquela que é a 3ª principal causa de morte em bebês do mundo inteiro; em sobreviventes houve menos 32% de danos neurológicos graves, 38% menos paralisia e aumento de 65% da chance de vida rigorosamente normal.
Hoje essa já é a realidade de 22 UTIs no Brasil graças à Protecting Brains & Saving Futures (PBSF), empresa responsável pelo centro de vigilância e inteligência fundada pelo Dr Variane. Os resultados dos neuromonitoramentos já foram apresentados em diversos congressos internacionais e foram convidados a fundar uma sociedade para difundir o conceito de neuroproteção globalmente, a Newsborn Brain Society. Os planos para o futuro próximo são aumentar o número de UTIs monitoradas e expandir a atuação para fora do país.
*Dados de estudos fornecidos pelo entrevistado, Dr Gabriel Variane.