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Digital Weight Management: combate a silenciosa pandemia da obesidade

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Aplicativos + Coaching Humano no combate a obesidade

Quando chegará a vacina contra a pandemia de obesidade? Provavelmente não tão cedo, mas seria tão bem-vinda quanto os imunizantes da Sars-Cov-2. Desde o início, a Covid-19 já dizimou perto de 4 milhões de indivíduos no mundo, sendo que a obesidade mata esse mesmo contingente todos os anos. E isso ocorre há décadas e continuará acontecendo anualmente sem data de atenuação. A magnitude epidêmica da obesidade não tem paralelo: somada ao sobrepeso, ela acomete 2 bilhões de indivíduos no mundo, sendo 207 milhões de adolescentes, 131 milhões de crianças entre 5 e 9 anos e 40 milhões de crianças menores de 5 anos (fonte: FAO & OMS). No Brasil, a Pesquisa Nacional de Saúde (2020) indicou que na população adulta cerca de 60,3% sofrem com o excesso de peso e 25,9% já são considerados obesos. Os números crescentes fizeram com que a obesidade fosse declarada pandemia pela OMS. Na Covid-19, o excesso notório de peso só agravou o quadro dos internados e da cadeia de saúde. O sarcasmo de Yuval Harari explica: “A obesidade é uma vitória dupla do consumismo. Em vez de comer pouco, o que levaria à contração econômica, as pessoas comem muito e depois compram produtos dietéticos e medicamentos, contribuindo duas vezes para o crescimento econômico”.

No contra-ataque, países, empresas, organizações médicas, indústria farmacêutica, institutos de pesquisa e milhares de startups se lançam em uma vigorosa batalha clínico-comportamental para minimizar a tendência ‘obesista’ da sociedade-século-XXI. Uma civilização adiposa está refletida na dimensão atual das doenças cardiovasculares, diabetes, doenças respiratórias e até em alguns tipos de câncer, que somando tudo já representa no Brasil, por exemplo, 75% de todas as causas atuais de óbito. Nos EUA, segundo o CDC, mais de 42% dos adultos estão obesos. Essa nefasta realidade cunhou uma frase midiática que capta a realidade do momento: “pela primeira vez na história humana talvez tenhamos mais pessoas morrendo de gula do que de fome”. Embora sensacionalista, não deixa de ser verdade. O desastre que se avizinha é de tal ordem que muitas nações se preparam para um colossal contra-ataque, apoiados no (1) uso das tecnologias de digital health e (2) nos mecanismos de requalificação comportamental (coaching). Como ficou claro, nenhum dos dois elementos separadamente mostrou qualquer escala reducionista. Aplicativos dietoterápicos, por exemplo, não induzem a um controle de peso prolongado, mas quando acompanhados de “programas de promoção a saúde (comportamental e mental)” podem ser eficientes.  

O “NHS Digital Weight Management Programme” é um sólido exemplo. Lançado em 1º. de julho, o programa é gratuito e orientado a população britânica com doenças relacionadas ao peso. Trata-se de um “sistema online de 12 semanas dirigido a incentivar a mudança comportamental e de estilo de vida”. Não é milagroso, mas pretende dar “uma nova chance” aos indivíduos agoniados pelo impacto que o sobrepeso causa em sua qualidade de vida. As pessoas podem acessá-lo por meio do smartphone ou desktop, e contam com apoio da vasta malha de GPs (general practitioners), médicos de família, e com as equipes de primary care do NHS. Um aplicativo (na realidade, vários deles) oferece níveis diferentes de apoio, incluindo “treinamento sócio humano” (personalized-coaching) para aqueles que têm menos probabilidade de concluir programas de mudança comportamental. Ele suporta de forma online pessoas que possuem um IMC superior a 30, bem como aqueles com diabetes ou pressão arterial alta. Assim, o governo do Reino Único sai a galope tentando fundir a tecnologia digital ao acompanhamento presencial no combate a obesidade. O programa também disponibiliza em toda a Inglaterra financiamento superior a US$ 40 milhões para expandir os “serviços de gestão de peso, com suporte presencial e digital”.

Depois de duas décadas de um enxame de aplicativos para redução de peso, a “ficha pode estar começando a cair”, ou seja, é preciso mais do que “controles digitais” para redimensionar a pandemia da obesidade. O mercado de ‘mobile weight loss’ é um dos maiores segmentos em digital health. Os provedores dessas soluções deverão gerar receitas superiores a US$ 3 bilhões anuais em 2025, sendo que já existem mais de 5 mil empresas no mundo com “aplicativos de gerenciamento corporal”. Não param de crescer, ainda mais na Covid-19, que aterrou as pessoas em casa fazendo com que a ansiedade exponenciasse o consumo calórico compulsivo. Na realidade, a máxima de “comer menos e exercitar mais” está perdendo a guerra para a obesidade. Um dos motivos é simples: o corpo humano está programado para lutar contra a perda de peso. Ao reduzir a carga calórica de nossa alimentação deveríamos conseguir perder peso, mas quase sempre não é isso o que ocorre: a tendência natural do corpo é manter o peso que temos, e o nome disso é homeostase, um processo guiado pelo hipotálamo (centro de controle do sistema endócrino do cérebro). Na verdade, o corpo não gosta de perder energia. Hormônios, como a leptina (localizada nas células de gordura do corpo), são reduzidos quando fazemos dieta, e um nível baixo de leptina é interpretado pelo hipotálamo como “inanição”, fazendo com que ele comece a mandar sinais a nosso corpo de que “ele precisa se alimentar mais”. Da mesma forma, outros órgãos também usam os hormônios para advertir nosso cérebro de que não estamos recebendo energia suficiente. Simples assim: “há um complô orgânico contra nossa destreza de manter a forma”. Essa reação é uma defesa, ou seja, nosso corpo reduz o gasto calórico quando detecta que lhe oferecemos menos energia, ou, em outras palavras: quanto menos comemos, mais difícil é perder calorias. Estratificando para os tempos de Covid-19, é como se nossos hormônios fossem ‘negacionistas’ e sempre lutassem contra nossas “certezas” de perder peso. A evolução humana criou (acertadamente) um ‘monstrinho interno’ que nos protege contra a subnutrição, conspirando contra nosso desejo de ‘manter a forma’ (seja lá o que isso signifique).

Em novembro de 2020, o Journal of the American Medical Association publicou os resultados de um ensaio clínico randomizado (“Effect of an Online Weight Management Program Integrated With Population Health Management on Weight Change”) envolvendo 840 voluntários escolhidos aleatoriamente e designados para três tipos de “programas de controle de peso”: (1) um programa apenas online, (2) um programa padrão de cuidados habituais (executado por profissionais de saúde) e (3) uma combinação do programa online com o de cuidados habituais. O principal objetivo era medir a mudança de peso após 12 meses. O resultado: para os “pacientes de cuidados primários em sobrepeso, ou em obesidade/hipertensão, ou com diabetes tipo 2”, a combinação de programas resultou em uma perda de peso maior, embora ainda pequena, mas estatisticamente significativa quando comparada aos outros dois programas aplicados separadamente. Inúmeros outros estudos concluem na mesma direção: a grande saída neste século para a redução da epidemia de obesidade é o ajustamento de Ferramentas Digitais com Programas de Promoção à Saúde, como o britânico Digital Weight Management (DWM).

Um exemplo dessa ‘conjunção programática’ está na solução da startup Intellihealth, que oferece uma plataforma (Evolve) capaz de produzir de forma estruturada e personalizada ‘trilhas’ para alcançar avanços em uma ‘dieta-politicamente-correta’. A plataforma nada mais é do que um RHS (Registro Eletrônico de Saúde), que coleta constantemente dados do usuário para que seus algoritmos identifiquem (real time) os fatores que levam “aquele indivíduo” a ganhar peso, ou sinalizem quais “barreiras estão obstaculizando” a perda de seu peso. O software produz um plano personalizado (único para cada usuário), orientando-o com estratégias dietoterápicas, monitoramento comportamental e sugestões aeróbicas condizentes com a sua condição física. O alcance chega a incluir drogas psiquiátricas, medicamentos hormonais e outros vetores de controle químico. A médica Katherine Saunders, cofundadora e diretora clínica da Intellihealth, explica que 15% da epidemia de obesidade se deve a medicamentos que as pessoas ingerem. Devido a essa correlação, a plataforma fornece apoio à decisão medicamentosa, ajudando os médicos a determinar alternativas de drogas para cada paciente. Os médicos fazem login no aplicativo e avaliam diariamente o progresso do usuário, intervindo sempre que o algoritmo alerta inconsistências. Trata-se, enfim, de um DWM particularizado, asseverando que não existe nenhum “regime de emagrecimento” que sirva horizontalmente a todos: “se não é personalizado, não gaste seu tempo e energia com o programa”.

Os três níveis de apoio do DWM britânico visam também reduzir as desigualdades em saúde, fornecendo treinamento adicional para os grupos com menor probabilidade de concluir programas comportamentais. No Nível 1, os usuários têm acesso apenas a conteúdo e acompanhamento digital. No Nível 2, acessam o conteúdo digital e mais 50 minutos de “treinamento-humano” (coaching) ao longo de 12 semanas; sendo que no Nível 3 o acesso ao acompanhamento digital é acrescido de mais 100 minutos de treinamento-humano ao longo de outras 12 semanas. Um 'Centro de Referência' nacional atua como ponto único de acesso ao programa.

Essa mentoria personalizada’ assegura que a orientação digital não seja uma “configuração líquida”, que se perde dentro da vida do paciente com fluxos permissivos e dispersivos. Esse deverá ser o grande desafio no controle da obesidade neste século: somar à ‘inteligência artificial dos aplicativos’ a ‘inteligência cognitiva humana’, capaz de solidificar as mudanças comportamentais por meio do convívio socioassistencial. Os obesos e sobrepesados precisam de ajuda, mas precisam que o aconselhamento não venha somente de uma máquina digital, mas também da “intermediação de outro corpo humano”. Nosso corpo é loucamente apaixonado por nós. É um amor incondicional. Só essa paixão é capaz de nos entender. Sem nenhum esforço nosso, o coração continua batendo, nossos pulmões respiram e a vida flui graciosamente a cada segundo, incondicionalmente. Máquinas e dispositivos digitais são ótimos, mas não são capazes de possuir qualquer amor-próprio.

 

Guilherme S. Hummel
Scientific Coordinator – HIMSS@Hospitalar Project
Head Mentor - eHealth Mentor Institute (EMI)