Recentemente, vivenciei momentos intensos junto a uma equipe com que estou trabalhando há alguns meses. Tivemos a primeira reunião com a alta administração do hospital para compartilhar o andamento de um projeto bastante importante para a organização. A equipe estava bastante ansiosa, afinal de contas falaríamos sobre....problemas! Diversos!
Não era pra menos: a partir das avaliações do grupo, diversas lacunas deveriam ser endereçadas rapidamente. E, para isso, consideramos apropriado mostrar nossos achados de maneira franca, expondo-os à alta administração, colocando os problemas sobre a mesa. Talvez por isso a equipe de trabalho estivesse tão ansiosas. Existia um certo medo no ar. Poderia a reunião transformar-se numa oportunidade para lavar roupa suja? Ou mesmo um palco para apontar dedos?
Naquele hospital, como em muitas outras organizações, não se fala abertamente sobre problemas. Problemas possuem conotação negativa, representam coisas indesejadas. O detalhe é que se não expusermos os problemas, dificilmente conseguiremos resolvê-los. E se não soubermos lidar adequadamente com eles, podemos estar nutrindo ambientes de trabalho em que pessoas passam a escondê-los. Problemas sempre vão existir. Cabe a nós decidirmos se queremos ou não enxergá-los e, a partir daí, se faremos (ou não) algo para tentar eliminar sua existência e prevenir sua recorrência.
Estávamos trabalhando em melhoria no fluxo de valor do paciente cirúrgico, analisando as etapas do processo do início ao fim: do agendamento à alta. Como parte do esforço, foi destacada uma equipe de trabalho multidisciplinar, composta por profissionais de diferentes níveis hierárquicos e áreas funcionais. Considerando todas as etapas do processo e os principias sub-processos envolvidos (fluxo de pacientes, informações, OPME, medicações/materiais e estrutura) foram encontrados 172 problemas, dos quais 25 foram priorizados para o primeiro ciclo de intervenções.
A ansiedade da equipe era compreensível. Colocar 172 problemas em cima da mesa em pouco mais de 60 minutos não era algo que eles estavam acostumados a fazer todos os dias. Havíamos tomado alguns cuidados para passar por aquela etapa da maneira mais suave possível, com esforços de alinhamento prévio que visaram preparar pessoas específicas para aquele momento. Imaginávamos que nem tudo sairia de acordo com o planejado. A alta administração acompanhava o trabalho com proximidade e sabíamos que haveria retaguarda para conduzir a reunião daquela maneira.
Parece que funcionou. E conseguimos o desejado. Os grupos de trabalho apresentaram e contextualizam com muita clareza os problemas que haviam sido encontrados e como estavam imaginando solucioná-los. A reação foi positiva e ficou evidente que a maioria dos líderes e gestores havia entendido o espírito colaborativo da iniciativa, contribuindo com idéias e feedback para a equipe.
É claro que tivemos momentos de estranhamento, tentativas de defender determinados espaços, mas nada que não estivesse no roteiro. O importante foi conseguirmos deixar claro que conhecíamos os reais problemas, quais deles deveriam ser priorizados e como pretendíamos a resolvê-los. A alta administração elogiou o esforço e o grupo ganhou a força que precisava para seguir adiante. Vencemos uma importante etapa e agora estamos todos na mesma página.
Existe um enorme desafio para rompermos barreiras semelhantes a essa, especialmente na área da saúde. Enquanto não formos capazes de colocar os reais problemas sobre a mesa, não teremos a clareza e a objetividade necessárias para resolvê-los de maneira efetiva. Enquanto isso, teremos que continuar contando com inúmeros heróis anônimos, profissionais dedicados que lutam diariamente para atenuar os sintomas, minimizar as consequência e apagar os mesmos incêndios todos dos os dias.
Precisamos entender porque problemas acontecem, e não apenas atuar de maneira imediatista, buscando deslocar o foco para quem está por traz dos fatos indesejados. Se estivermos dispostos a entender com mais profundidade a real origem dos problemas, descobriremos que a maioria está associada a processos quebrados, mal projetados, na maioria das vezes altamente dependentes de pessoas, os heróis a que me refiro acima, aqueles que mantêm as coisas funcionando apesar das dificuldades.