E, então, tudo aquilo que se comentava nos corredores de hospitais, distribuidores de OPMEs e clínicas médicas, de repente, surge em rede nacional, exposto de maneira crua, sem as habituais justificativas de representantes do setor que já perderam a perspectiva do senso comum.
Acompanhar a reportagem do Fantástico desta semana sobre a denominada máfia das próteses foi como observar o desmoronamento de uma estrutura velha e carcomida na qual o mercado da saúde tenta sustentar um sistema que há anos sinaliza a necessidade de uma mudança de rumo, não só por questões éticas, mas para a garantia de sua própria sobrevivência.
Os feudos herméticos construídos para perpetuar benefícios de pequenos grupos (e não estou me referindo somente a médicos e fornecedores), por não terem sido rompidos pela iniciativa espontânea de quem esteve no setor nas últimas décadas, agora serão alvo de uma discussão sem muros, à luz da sociedade que exige cada vez mais transparência e responsabilidade daqueles que deveriam, antes de tudo, se preocupar com a saúde das pessoas.
Não bastou perceber que os recursos para custear a cadeia corrompida, pouco a pouco, se esgotavam. Não foi suficiente acompanhar o sofrimento de um paciente à espera da autorização de sua cirurgia. Não foi motivo de espanto encontrar prontos-socorros divididos entre equipes que faziam do consultório do hospital uma espécie de ponto para captação de pacientes cirúrgicos. Não trouxe indignação termos cada vez menos pediatras e maternidades. Não ficou óbvio que o negócio hospitalar é mais uma prestação de serviço do que um comércio de produtos.
Pelo menos, não a tempo das soluções terem saído das cabeças daqueles que deveriam se comprometer com o bem-estar do sistema para que, em sua perenidade, mantivesse a missão original deste mercado: garantir a saúde.
Talvez o reflexo mais simples neste momento pós-choque seja reforçar a atitude que vem caracterizando os relacionamentos entre médicos, hospitais, fornecedores e operadoras em sua miopia de compreender que cada um, por razões diferentes, não pertencem a um mesmo mercado. Basta dizer: Eu não disse que isso iria acontecer? Agora o problema é deles.
Porém, ver membros desta estrutura revelados em suas piores facetas não nos dá o direito de repassar aos bodes expiatórios a responsabilidade exclusiva do ponto em que chegamos, a menos que tenhamos tomado decisões reais para que esta situação não seja assim.
A você, caro profissional envolvido com o mercado da saúde, do auxiliar de enfermagem ao presidente, neste momento de autorreflexão que a reportagem nos permitiu, quero deixar uma pergunta:
- Em 2014, o que você fez para contribuir para um mercado da saúde mais sustentável e transparente?
A resposta dará a proporção de sua responsabilidade sobre o problema.
Disponível também em www.condutasaude.com.br