(Leia a primeira parte dessa história aqui]
Garimpeiro é um sujeito vaidoso: ele ganha dinheiro e
precisa gastá-lo. Ou melhor, mostrar que pode fazê-lo.
Em Abunã, o povo contava histórias incríveis de gente que
conseguira acumular riqueza e partir. Uma vez, soube de um homem que teria
comprado um avião e, pouco tempo depois, morrido em um acidente, ao tentar
pilotá-lo. Se é verdade, não sei. Mas posso dizer que a maioria das pessoas
perdeu tudo o que conseguiu, em geral sem sair do povoado.
Existia um desejo comum de ostentação, só que pouco os
homens tinham a exibir no garimpo além de futilidades - basicamente, álcool e
garotas de programa. No fim do dia, tanto à beira do rio quanto nas balsas, a
confusão tomava conta: era um tal de um pagar bebida para todo o mundo aqui,
outro armar uma discussão ali, defendendo sua honra até a última
consequência... Brigas faziam parte do cotidiano e, não raramente, assassinatos
também.
Uma das modalidades de matar era cortar a mangueira de ar do
mergulhador enquanto ele trabalhava no fundo do rio. Quando não morria lá
mesmo, tentava retornar à superfície rapidamente e, com isso, sofria problemas
de descompressão. Sem falar nas mortes decorrentes de acidentes do ofício.
Certa vez, presenciei um deslizamento de terra, resultado da exploração
descontrolada e incessante do mesmo local. A mata intensa caiu sobre as balsas
acumuladas e soterrou vários garimpeiros.
No garimpo, conheci o ser humano em estado bruto, sem
qualquer lapidação cultural e educacional. E nesse mercado selvagem, porém
intenso e lucrativo, resolvi fazer negócios a partir da compra e venda do ouro,
circulando semanalmente entre Abunã e Porto Velho, em busca das melhores
cotações e margens de lucro.
Durante três meses, mantive em mente a determinação de
conquistar minha independência financeira e, ao mesmo tempo, proteger minha
vida, como um bicho que instintivamente zela por sua sobrevivência. O risco já
começava na negociação: eu tinha que maçaricar o ouro na hora, para provar a
pureza da mercadoria, além de me colocar no lugar do outro e garantir que a
minha mensagem fosse compreendida, sem enganos.
Se eu já era bom de comércio, lá me tornei mais do que um
vendedor habilidoso. Aprendi a lidar com a iminência contínua de ser morto ou,
no mínimo, rendido em um assalto, perdendo tudo o que havia conquistado.
Aprendi a interpretar e me relacionar com diferentes pessoas, e como tratava
muito bem a todas elas, sempre fui querido em Abunã. Ainda assim, o fato é que
não consigo explicar como nada aconteceu comigo. Um dia, então, bateu a
lucidez: como é que ninguém me matou até agora?
Era hora de voltar para São Paulo, com a meta cumprida: três
meses depois, eu havia acumulado não só a quantidade suficiente para comprar
meu carro, mas o primeiro grande dinheiro da minha vida. Por isso, sou
profundamente grato ao garimpo.
Ainda hoje, guardo lembranças definitivas de Abunã: a vida
pesada, ao mesmo tempo flutuante; a alegria, mesmo entre a selvageria; e a
exuberância da floresta, essa uma verdade sem variáveis. As pessoas tinham um
sonho. Estavam ali a batalhar por sua autossuficiência. Quem sabe, uma hora,
acertar e achar muito ouro. Quando parti, não tinha caso algum para contar de
gente que vingou. Mas, na falta de exemplos, eu estava decidido a ser o
primeiro.