O ano de 2022 foi, de forma negativa, marcante para o mercado de saúde suplementar brasileiro. Registramos o primeiro resultado negativo da série histórica da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) desde 2011.
Apesar de comemorarmos o marco de atingimento dos 50 milhões de beneficiários em dezembro, as contraprestações líquidas foram menores em relação ao ano anterior, e a receita per capita das operadoras de planos de saúde (OPS) médico-hospitalares diminuiu 2,9% quando comparada a 2021 (desconsiderando operadoras odontológicas e administradoras de benefícios).
Valor de Prêmio representado em 2023 refere-se aos prêmios até o 2T23 anualizados (x2)
Diante desse cenário preocupante, a ANS também precisou interferir mais nesse mercado para preservar milhares de beneficiários, tendo declarado regime especial de direção técnica para 7 OPS (quando a agência faz acompanhamento in loco, através de agente nomeado, para verificar causas de anormalidades que coloquem em risco a continuidade e a qualidade da assistência prestada aos beneficiários). Outras 5 OPS (médico-hospitalares) foram descredenciadas por deliberação da diretoria colegiada da Agência.
Entre os motivos de redução da receita, chamamos atenção para o processo de downgrade, em que os contratantes reduziram a cobertura da sua rede credenciada, retirando da lista de seus prestadores aqueles mais ofensivos financeiramente como tentativa de reduzir a sinistralidade. O resultado dessa medida só poderemos medir com o tempo.
Mas será que essa iniciativa vai ser suficiente a longo prazo para manter o equilíbrio do sistema de saúde suplementar?
Para muitos especialistas e consultores como eu, há grande chance dessa medida provocar redução na qualidade dos serviços oferecidos e, consequentemente, um aumento ainda maior na sinistralidade futura, diante da baixa efetividade no cuidado de saúde do paciente.
Certamente, essa tendência de redução de custos é um alerta importante para todo o setor. Historicamente, as operadoras de planos de saúde nem sempre conseguiram repassar integralmente os aumentos nos custos para os beneficiários, mas o mercado vinha crescendo ano após ano.
Agora, estamos testemunhando um ponto de virada, em que os beneficiários e/ou contratantes de planos de saúde estão começando a estabelecer limites para esse crescimento. Em breve, o mercado terá que buscar novas alternativas de forma colaborativa, como um sistema de saúde interligado, em vez de cada pilar (OPS, prestadores, farmacêuticas etc.) atuar como agente independente.
E como começamos 2023? Um pouco melhor. Nos dois primeiros trimestres do ano, as OPS conseguiram reajustes de aproximadamente 1 p.p. acima do crescimento das despesas assistenciais. Ainda assim, o resultado operacional (EBITDA) permanece negativo, aproximadamente em -1,9% (em 2022, esse resultado foi de -3,4%). No entanto, esse resultado operacional já é suficiente para que o mercado registre um lucro líquido de aproximadamente R$ 1,4 milhão, graças ao impacto das receitas financeiras.
Outro ponto que merece atenção é o crescimento das despesas administrativas. Os gastos administrativos mensais por beneficiário vêm crescendo 6% ao ano:
Em resumo, o mercado de saúde suplementar parece respirar um pouco melhor em 2023, mas somente medidas que restrinjam sua rede credenciada, por exemplo, não serão suficientes para a sustentabilidade do setor. A colaboração entre os atores do ecossistema de saúde é fundamental para que possamos encontrar medidas com efeitos no longo prazo, além da busca contínua por eficiência nas despesas administrativas.
Fonte dos gráficos: DIOPS/ANS
*Isaac Medeiros é Diretor Sênior da A&M (Alvarez & Marsal) Healthcare na América Latina. Possui mais de 15 anos de experiência liderando projetos de reestruturação, assessoria financeira em transações de M&A e melhoria de performance, tendo atuado como CFO interino de grupo de hospitais e operadora de plano de saúde de médio porte.