Uma novidade no Supremo Tribunal Federal vem dando esperança aos empresários e surpreendendo quem atua na Justiça do Trabalho. Em determinadas situações, o órgão de cúpula do Poder Judiciário tem cassado as decisões dessa justiça especializada que reconhecem o vínculo de emprego. A divergência entre os julgados trabalhistas e as decisões do STF justifica o ajuizamento de um tipo de ação de rito sumário denominada Reclamação Constitucional, e sua utilização vem causando grande repercussão no mundo trabalhista.
Ainda em 2018, o STF julgou, em conjunto, a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 324 e o Recurso Extraordinário (REXT) nº 958.252. Foram firmadas duas teses, segundo as quais, em resumo, é constitucional tanto a terceirização de todas as atividades da empresa, inclusive a atividade-fim, assim como também qualquer outra forma de divisão de trabalho entre pessoas jurídicas distintas. O tribunal fundamentou sua decisão em um necessário equilíbrio entre a livre iniciativa e a proteção do trabalho.
É possível afirmar que essas duas decisões integram um conjunto de julgados da Corte que, analisando as relações de trabalho em sentido amplo, consideram e valorizam a autonomia da vontade dos contratantes que não optaram pela relação de emprego. Nesse sentido, se as partes não são hipossuficientes e estão devidamente esclarecidas, podem convencionar que o contrato não é regido pela CLT, e vale a vontade livremente manifestada por elas. Esse é um entendimento diametralmente oposto à visão que a Justiça do Trabalho tem sobre o assunto. Ela, de uma maneira geral, verifica se o contrato possui os elementos da relação de emprego. Se ela entender que eles estão presentes, anula o contrato de natureza civil, declara a existência do vínculo empregatício e condena ao pagamento de todas as verbas daí decorrentes.
Porém, com essas decisões do principal tribunal do país, todo julgado trabalhista que anular um contrato de natureza civil ou comercial, é potencialmente divergente das teses em questão. Como mencionado, a forma utilizada para tornar nula essa decisão é uma ação própria, de rito expedito, denominada reclamação. Ela não precisa (e nem pode) esperar o fim da ação trabalhista, bastando que haja um acórdão que não observe as teses obrigatórias do STF. O réu dessa reclamação é justamente o órgão judiciário que divergiu do precedente obrigatório do STF. Este, se identificar a efetiva divergência na decisão do órgão reclamado, afasta-a e determina que outra seja proferida em observância aos seus precedentes, ou, ainda, julga a ação trabalhista improcedente desde já. Trata-se de um processo célere e eficaz para cassar decisões injustas e desafinadas em relação aos princípios constitucionais já interpretados pela Corte Constitucional.
Os contratos celebrados com trabalhadores tradicionalmente tidos como profissionais liberais bem remunerados se encontram no meio da discordância entre a Justiça do Trabalho e o STF. Isso traz consequências importantes para a área da saúde, que se vale muito desses profissionais. O caso mais comum é o de médicos. E, não é de surpreender-se, há muitas ações envolvendo esses profissionais.
O STF já cassou a condenação de um processo em reclamação na qual eram reclamados tanto o Tribunal Regional do Trabalho da Bahia como o Tribunal Superior do Trabalho. Esses tribunais estavam acolhendo o pedido do Ministério Público do Trabalho em uma Ação Civil Pública para determinar que um instituto prestador de serviços na área da saúde não contratasse trabalhadores por intermédio de pessoa jurídica, em contratos de prestação de serviços ou em contrato civil de qualquer natureza, sempre que presentes os elementos da relação de emprego. A Primeira Turma do STF, porém, cassou essa decisão, por haver divergência dos julgados da ADPF 324 e do REXT 958.252. Mas esse caso não foi o único. Além dele, muito vultoso, há inúmeros julgados que também cassam o reconhecimento de vínculo em ações individuais ajuizadas por médicos e até mesmo de outros profissionais da área, como, por exemplo, técnicos de radiologia. Os fundamentos são sempre bastante semelhantes.
As circunstâncias presentes nas ações como autorizadoras da sua cassação são variadas. Geralmente são aspectos que sinalizam a ausência de contrato de emprego, mas que são ignorados porque a Justiça do Trabalho costuma presumir a fraude nos contratos de natureza civil. Normalmente, o STF considera a importância recebida pelo trabalhador, diretamente ou mediante pessoa jurídica por ele constituída, para avaliar se é alguém com mais capacidade de expressar uma vontade livre. Também é levado em conta o grau de escolaridade formal do profissional, o que permite verificar se é uma pessoa mais esclarecida. Ainda, nos casos de pejotização, a criação da pessoa jurídica antes da celebração do contrato pode ser um bom indicativo da ausência de fraude – e quanto mais tempo transcorrido entre sua constituição e o contrato, menor o indício de fraude.
Considerando que a Justiça do Trabalho não dava qualquer indício de que alteraria o tratamento dispensado aos casos de vínculo empregatício, é salutar a atuação do Supremo Tribunal Federal. O que ele faz é equalizar a questão, que pendia injustificadamente para um lado da relação, mostrando como devem ser interpretados seus precedentes. Em um sentido amplo, a atuação desse tribunal pretende demonstrar que o valor social do trabalho é importante, mas ele não deve sempre prevalecer sobre a livre iniciativa, devendo, isso sim, ser interpretado em conjunto com ela.
Essas reclamações que envolvem decisões sobre o vínculo de emprego ainda são novidade, mas cresce a tendência de que passem cada vez mais a serem utilizadas e acolhidas. É verdade que, em alguns casos, as empresas não obtêm êxito, mas por algum problema de forma no processo ou de adequação aos precedentes. Para que se obtenha uma decisão favorável, é imprescindível o trabalho da advocacia especializada na análise do caso, avaliando se o julgado efetivamente diverge dos precedentes e formulando o pedido de forma adequada, garantindo o sucesso da empreitada judicial.
Matheus Lemos é advogado e sócio do RMMG Advogados. Mestre em Direito pela UFRGS Felipe Ribeiro é advogado e sócio do RMMG Advogados. Doutor em Direito pela Unisinos