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A bipolaridade da Saúde e o Google

Hora nos sentimos num país ancorado no passado, hora nos enxergamos como o país do futuro.

Dizem que brasileiro é um povo bipolar.

Hora nos sentimos num país ancorado no passado, hora nos enxergamos como o país do futuro.

Essa situação já nos valeu a alcunha de Belindia – uma mistura de Bélgica e Índia – e seu criador, o economista Edmar Bacha, hoje tem assento na Academia Brasileira de Letras.

Parece que o setor de Saúde, nos últimos tempos, tem se enamorado perigosamente desse estranho apelido.

Hora nos espantamos com a fotografia de um setor marcado por fraudes, inflação desenfreada, mal-uso de recursos, gestão ultrapassada e uma população que reclama que a Saúde é o seu direito universal mais desejado e menos atendido.

Hora nos sentimos como se estivéssemos no Vale do Silício, com uma enxurrada de notícias invadindo nossos feeds para falar sobre tecnologias como Machine Learning e Realidade Virtual e seu impacto no sistema de saúde brasileiro.

E não é só de post em post que se constata uma certa discrepância entre nosso passado que não quer morrer e o futuro que, por vezes, parece querer anunciar sua chegada de paraquedas.

Quem anda pelo mercado também toma seus sustos de vez em quando. Não é raro nos depararmos com situações absolutamente anacrônicas, passados 17 anos do começo do século XXI.

Como exemplo, ouvi recentemente da boca do CEO de uma das maiores empresas do ramo, cuja diretoria buscava colocar em marcha um projeto de transformação digital, que ele jamais usara qualquer rede social e que isso não lhe fazia diferença alguma. Ora, não se passaram nem 3 meses daquela abismal revelação e soube que uma “decisão do alto” havia interrompido todas iniciativas que visavam a inovação. Enfim.

Acho que o setor de saúde “real” deve se situar em algum lugar entre as manchetes que chamam a atenção para um sistema desenhado e liderado por alguns profissionais que se enterraram no século XX e certas notícias que às vezes parecem almejar a espetacularização pura e simples da revolução digital.

O curioso é que enquanto as empresas de saúde apresentam, vez por outra, sintomas claros de bipolaridade, para os pacientes o que preocupa mesmo é a depressão. Segundo a OMS a doença já afeta mais de 300 milhões de pessoas no mundo e já somos um dos cinco povos mais deprimidos do planeta.

Só que nesse caso, quem está atuando para tentar, se não reverter o quadro, ao menos acelerar de forma inovadora a jornada dos pacientes rumo ao diagnóstico é uma empresa de fora do segmento e – naturalmente - liderada por mentes jovens.

É que na semana passada o Google colocou no ar uma iniciativa que, de tão simples, poderia ser executada por qualquer empresa de saúde brasileira genuinamente preocupada com a saúde mental da sua população assistida.

Não se trata aqui de nenhuma solução turbinada por genomics, algoritmos de inteligência artificial ou coisas do tipo. O que a gigante da internet fez foi colocar um simples Risk Assessment na tela de quem realiza uma pesquisa sobre a doença.

Assim, sempre que alguém digitar “depressão” no campo do buscador irá ver em sua tela um teste que, uma vez respondido, irá oferecer uma resposta personalizada e, eventualmente, aconselhá-lo a procurar um médico para fechar o diagnóstico.

O piloto é voltado inicialmente apenas para acessos realizados a partir de dispositivos móveis de dentro dos EUA e foi desenvolvido em conjunto com a National Alliance on Mental Health, uma relevante organização comunitária de combate às doenças mentais.

Para o Google isso deverá aumentar o tempo de permanência no buscador, uma vez que atualmente 1 a cada 20 buscas estão relacionadas à Saúde (por essa razão em 2015 a empresa já anexou nos resultados de busca de cerca de 400 doenças os seus conhecidos cards).

O formulário que está sendo utilizado nos testes é conhecido no mundo das doenças mentais como Patient Health Quetionnaire-9 e visa padronizar a avaliação de sintomas.

A importância dessa iniciativa está no fato de que 1 a cada 5 americanos experimentam algum grau de depressão ao longo da vida, mas estima-se que apenas metade dos americanos afetados realizem algum tipo de tratamento.

Ou seja, pode-se impactar positivamente até 10% da população do país, o que seria um case muito relevante de saúde populacional.

Torçamos para que ações como essa do Google, voltada para combater a depressão, sirvam para inspirar os gestores brasileiros a dar passos firmes e simples rumo à inovação. E para que também possamos tirar a Saúde da sombra de um país que parece sofrer há décadas com os sintomas da bipolaridade.

Istvan Camargo é especialista em engajamento de pacientes. Foi membro do Comitê Científico da Health 2.0 Latam e residente digital do Centro de Mídias Sociais da Mayo Clinic / USA. Atuou como Chief Innovation Officer do Grupo Notredame Intermédica. Realizou palestras sobre o tema em conferências como Social Media Week, Campus Party e HIS. Em 2012 fundou a primeira rede social de saúde do país onde tem realizado projetos para Laboratórios Farmacêuticos, PBMs, Grupos de Apoio a Pacientes, dentre outros, engajando grupos de pacientes das mais diversas patologias.