Durante o mês de março, tive a oportunidade de falar em dois eventos promovidos por uma grande Indústria da Saúde cuja divisão de diagnósticos está trazendo à tona um tema bastante interessante: a relevância do laboratório.
Visionários desta empresa perceberam algo digno de nota: os laboratórios, embora sejam uma fonte riquíssima de dados de saúde, são considerados apenas como “produtores” de serviços de saúde. Em função disso, está mais do que hora de colocar os laboratórios no seu verdadeiro papel: agir como um grande ator no mercado de saúde para influenciar a qualidade da assistência à saúde e a redução do custo assistencial.
Na minha primeira fala a alguns profissionais desta empresa, veio uma pergunta inquietante: o que tinha a ver o tema que eu estava trazendo para discussão (minha palestra relatava sobre o contexto atual e a necessidade de reformular o modelo de remuneração) com a relevância do laboratório?
Confesso que me fiz a mesma pergunta quando o convite foi feito.
No entanto, quando comecei a trabalhar na apresentação e a discutir com os executivos desta empresa, me debrucei sobre o setor e em algumas evidências publicadas. Assim, passei a entender o racional do que estava sendo discutido. Fiquei impressionado com a visão míope que muitos gestores da saúde têm, e eu me incluía nesta!
O Laboratório consegue atuar fortemente em um dos grandes paradoxos existentes na saúde nos dias de hoje: a coexistência da subutilização com o excesso de utilização. Exames mal indicados, redundantes e totalmente contraindicados convivem com a não solicitação de exames que deveriam estar sendo feitos!
Além disso, dentre outras ações, o laboratório pode atuar fortemente na predição de algumas condições de saúde identificando tendências num grupo populacional em função das solicitações e resultados de determinados exames.
Agora, como estimular o interesse de um segmento que é remunerado pela produção e que tem sido cada vez mais pressionado pelos pagadores para reduzir o valor de sua tabela? (Sabe-se que, num sistema de saúde onde o ganho é fee-for-service, e os honorários são congelados ou reduzidos, o sistema responde com aumento de volume e complexidade. Isso é dito e publicado há mais de 25 anos!).
Uma provocação deve ser feita a todo o setor de saúde (médicos, pagadores e prestadores): É possível utilizar os dados gerados nos laboratórios para recomendar ao prescritor um determinado exame que deveria ser feito ou ainda que não haveria a necessidade de ser feito?
Existem vários desafios para isso. A seguir trago alguns para estimular a discussão:
- Deve-se ter cuidado para não afetar a soberania médica na sua conduta. Esta estratégia deveria ser um coadjuvante na melhoria da qualidade da assistência.
- Trabalhar na confiança do setor: todos devem trabalhar em prol da melhoria da qualidade e na geração de valor do paciente, para isso, as “guardas” devem ser baixadas para que todos possam discutir com este fim;
- Até que ponto a equação dos exames que forem reduzidos (excesso) somado com os exames que deveriam ser solicitados (falta), não prejudicaria, financeiramente, o laboratório? É possível criar uma fórmula “ganha-ganha”?
- Como o pagador poderia utilizar os dados de custo e utilização gerado nos laboratórios para criar indicadores de desempenho de sua rede, sem que isso, comprometa a relação médico-paciente-laboratório?
- Seria possível criar indicadores de desempenho aos Laboratórios para medir a sua ação neste sentido? E o melhor, com estes indicadores de desempenho, seria possível criar fórmulas de Pagamento por Performance?
Estes desafios devem ser endereçados para que possamos envolver todos os atores do sistema para que possamos buscar gerar valor em saúde, isto é, promover mais qualidade por Real gasto.