Quem acompanha contas hospitalares há muito tempo como eu assistiu desde o início o “aparato” que se criou em torno do OPME nas contas hospitalares. Era um item como outro qualquer (apenas mais caro), depois foi sendo estruturado um mercado “à parte” no sistema de financiamento, alimentado por interesses, desconfianças, desavenças, e chegando ao limite de se tornar até “prática de esquema” por uma minoria criminosa, que acabou prejudicando a maioria honesta.
É engraçado quando comento que este “mercado particular da saúde” tem atividades ilícitas por parte de uma minoria as pessoas riem de mim, até me rotulando como inocente. Devo ser mesmo muito inocente, ou ter tido a sorte de ter trabalhado junto a mais de uma centena de hospitais onde, justamente nestes, “o esquema” se existe está muito bem controlado por uma minoria de criminosos. A quase totalidade das pessoas com quem convivi profissionalmente são honestas, não estão ricas, e trabalham “como loucos” em função do que chamo de “sistema da desconfiança”.
O lado ruim disso é que esta minoria causa um dano enorme para todo o sistema de financiamento, tanto do SUS quanto da Saúde Suplementar.
O auge da desconfiança do OPME pode ser definido como o momento em que a operadora de planos de saúde disse: hospital, não pago mais o OPME que você compra porque é muito caro – eu compro.
O que está implícito nesta ação é: hospital, você participa do esquema de superfaturamento de OPME, então eu compro.
No início as pessoas pensaram que os hospitais não gostariam disso. Eu sempre disse que o hospital daria “graças a Deus”. Da mesma forma que o honorário médico, “qualquer dinheiro” que passe pela conta hospitalar e não é do hospital é um estorvo para a administração hospitalar. Controlar o faturamento, recebimento, glosa e repasse de um dinheiro que não é seu só serve para “encher a paciência”, aumentar o custo administrativo e a perda financeira nos litígios de auditoria.
Se todo OPME (que vai ser repassado ao fornecedor) e Honorário Multidisciplinar (que vai ser repassado ao profissional) não passar pela conta o hospital agradece.
A operadora, sabiamente, negociando com os fornecedores deixou de ver coisas que eram muito estranhas:
- Por que um mesmo OPME (exatamente o mesmo) sempre foi vendido por “X” no “Hospital A”, e sempre foi vendido por “Y” no “Hospital B”, pelo mesmo fornecedor ?
- Por que um mesmo OPME (exatamente o mesmo) sempre foi vendido por “X” para ela, e por “Y” para outra operadora, pelo mesmo fornecedor ?
- Por que um mesmo OPME (exatamente o mesmo) tem preço menor se o hospital comprar para paciente do SUS, do que se for comprado para paciente da Saúde Suplementar ?
Quando ela disse “hospital eu compro”, eliminou a desconfiança que estes fatos ocorrem pela participação do hospital que fatura um percentual sobre o preço do produto – se compra por mais, ganha mais, se compra por menos, ganha menos.
Este percentual, diga-se de passagem, justíssimo, tem como justificativa a necessidade do hospital comprar, receber, aferir, esterilizar, controlar a rastreabilidade, e mais uma série de atividades relacionadas à logística que envolve adquirir um produto e garantir que não haja nenhum problema para inserir no corpo de um ser humano. Quem não conhece a rotina hospitalar não tem ideia do que significa isso: posso lhe garantir que é das coisas mais caras que se relacionam com a logística hospitalar – não existe nada mais complexo, caro e crítico, e raríssimas coisas significam tanto risco para o paciente do que inserir um “corpo estranho” nele.
Mas “o mundo dá voltas”.
Da mesma forma que a operadora desconfiou que o hospital poderia estar “casado com o esquema” agora que a prática de aquisição de OPME por parte da operadora avançou, o hospital passa a desconfiar que a operadora pode estar “casando com o esquema”.
Na situação anterior, quanto maior o valor, maior a taxa hospitalar. Na atual, quanto menor o valor menor a taxa hospitalar – e quem garante que a operadora não está “maquiando” o valor de compra para menor, e assim remunerando a taxa hospitalar “para baixo”?
Para eliminar esta desconfiança, por incrível que pareça, o hospital deveria auditar os processos de compra da operadora ... “olha isso” ... o hospital que historicamente é auditado pela fonte pagadora agora tem o pleno direito de auditar o pagador.
Todos nós sabemos que hospitais não têm estrutura para isso ... coitados ... mal tem estrutura para cuidar adequadamente dos seus processos internos, quanto mais dispor de uma estrutura para aferir processos externos – hospital não existe para isso: existe para cuidar de pacientes.
Como o mercado (a livre concorrência) se adapta, o que estamos assistindo é uma pré definição de taxa de OPME, ou seja, a fixação do valor da taxa.
Nada mais justo: se existe custo para manipular o OPME, e se o custo pode ser aferido, é o momento da taxa de OPME deixar de ser variável em função do preço do produto, para passar a ser fixa em relação ao “trabalho que dá ao hospital”. Esta negociação já se verifica e aumenta gradativamente a ponto de já ser considerada tendência.
Nos últimos cursos e oficinas do modelo GFACH, já pude aferir com participantes que trabalham em diversas operadoras e hospitais que é um item permanente na agenda do comercial dos dois lados.