A recente aprovação, pelo Congresso Nacional, seguida da sanção da Presidente da Republica, da fosfoetanolamina, conhecida como a “pílula do câncer”, abre um precedente de consequências ainda não muito clara em nosso País. Num primeiro olhar, não parece que seja positiva, já que fragiliza o processo regulatório em saúde.
Ninguém, em sua sã consciência, pode negar a importância da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A atuação do órgão hoje é fundamental e tornou o ambiente regulatório muito mais claro e seguro, equiparando o Brasil às nações que contam com estruturas semelhantes, vigilantes à proteção da saúde dos seus cidadãos. Mas, certamente, se a aprovação da “pílula do câncer” não fragiliza a autoridade da Anvisa, no mínimo deveria acender uma enorme luz amarela no modo como as decisões são tomadas nesse âmbito de regulação. Essa luz amarela diz respeito ao processo e à velocidade destes trâmites.
Se realmente é verdade que desde 1995, como alega o pesquisador da “pílula do câncer”, houve a tentativa de testar a ação da droga – porém sem sucesso, por falta de apoio - estamos falando de uma situação ocorrida há 21 anos. É óbvio que uma pessoa que está acometida por uma doença como o câncer, não pode admitir essa velocidade das coisas. É assim que processos como estes vão parar na justiça comum ou no poder legislativo, que, pressionado pelo clamor popular, apresenta à sociedade uma solução mais rápida (e nem sempre melhor) que a do regulador legalmente constituído.
Como representante das redes de farmácias, faço parte do chamado setor regulado, que também depende das decisões da Anvisa. Para citar um exemplo não tão grave, mas de grande importância para a saúde, desde 2014 a Lei 13.021 autoriza que as farmácias disponibilizem vacinas para uso imediato por parte da população. Eis que, quase dois anos depois de a medida ter sido aprovada no Congresso e sancionada pela Presidente, ainda não houve a regulamentação da medida para que possamos colocá-la em prática.
Agora, em plena crise da gripe H1N1, testemunhamos enormes filas nas poucas clínicas privadas (cerca de duas mil no Brasil) que disponibilizam vacinas a um preço elevado. Se a aplicação das vacinas nas farmácias já tivesse sido regulamentada, somente com a adição dos quase 6.000 estabelecimentos que compõem as redes associadas à Abrafarma, já teríamos quadruplicado a capacidade privada de atendimento à população. Isso sem falar na facilidade de acesso, com os horários extensivos de atendimento, e um provável preço bem mais acessível do serviço. Tudo isso com a segurança necessária, pois será o Farmacêutico o profissional responsável por conduzir o serviço.
Mas não estamos falando somente de gripe. Nos outros países onde foi adotada, a vacina na farmácia ampliou enormemente a imunização dos cidadãos para doenças como Herpes Zoster, Hepatite A e B, HPV, Meningite, Pneumonia, Tétano e outras. Nos Estados Unidos, por exemplo, nos estados onde as farmácias oferecem vacinação, houve aumento na cobertura vacinal de 148% contra pneumococos – principalmente em idosos, que são os mais atingidos pela doença – e de 77% contra herpes zoster, em comparação a outros locais onde o serviço não é oferecido.
Nós temos que cuidar da luz amarela que se acendeu. A sociedade tem de apoiar a Anvisa com o orçamento e estrutura necessários, mas a própria também deve se livrar de todo o excesso burocrático que impacta o tempo de análises de processos.
Citando mais uma vez a área das farmácias, não faz nenhum sentido entulhar sua estrutura com autorizações de funcionamento de filiais, um processo meramente burocrático e sem sentido, e que duplica a ação dos municípios, que efetivamente são os responsáveis por licenciar e fiscalizar os estabelecimentos farmacêuticos. Isso sem falar das inúmeras reuniões da Diretoria Colegiada que se dedicam a avaliar recursos e mais recursos administrativos, atravancando a pauta, protelando a discussão de assuntos muito mais nobres.
Como ente regulado, reconheço e apoio o esforço que a atual diretoria vem fazendo para tentar modificar a estrutura da ANVISA, sempre na defesa de uma sociedade que não pode prescindir da segurança na qualidade dos produtos e serviços de saúde da qual é beneficiária. Mas esta luz acesa precisa nos ajudar a avançar. E que seja rápido. Porque o cidadão comum está cada vez mais impaciente com a velocidade das respostas que recebe.
* Sérgio Mena Barreto é presidente executivo da Abrafarma -
Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias