Um velho ditado do século passado repetia que em terra de cego quem tem um olho é rei. Mas nesses tempos de revolução digital, quem pensa que é rei corre o sério risco de ter ficado cego sem perceber.
Num mundo onde o coelho da Playboy é obrigado a fazer a maior demissão em massa de peladonas de que se tem notícia, justamente porque seu business model não fica mais de pé, convém lembrar àqueles que não cansam de se excitar olhando seu sucesso passado que o usuário irá continuar brochando um cem número de modelos (de negócio!) pelo século 21 adentro.
Quem não lembra, por exemplo, das previsões sobre o modelo que iria bombar em nossos fones de ouvido durante as próximas décadas? Compraríamos música a granel fazendo downloads faixa a faixa, sem a obrigação de comprar álbuns com vinil, capa, encarte, loja, vendedor e tudo o mais que representasse uma cascata de custos e atrasos na experiência do usuário. Pois bastou a formação daquele consenso para que o modelo sofresse outra revolução movida pelos nossos hábitos digitais...E também pelo bom senso! Afinal num mundo que anda com seus arquivos nas nuvens, quem quer ser obrigado a “baixar” uma música ou qualquer outro conteúdo digital na vaga memória do seu smartphone?
Hoje o formato Streaming, impulsionado por empresas como Deezer e Spotify permitem que a gente escute as músicas que queremos no smartphone, computador e tablet, pagando uma mensalidade fixa e sem a obrigação de investir num tocador de mp3 para isso.
E por falar em Playboy o que dizer do mercado editorial? Revistas e jornais que apostaram clamorosamente na pura e simples adaptação de seus formatos para tablets e afins, estão até agora rebolando após descobrirem que, mais do que a reviravolta na tecnologia, quem ficou de quatro foi mesmo o seu jeito de ganhar dinheiro.
Claro, essas coisas não acontecem de uma hora para a outra atingindo todo mundo ao mesmo tempo e da mesma forma, então sempre dá tempo de observar a vanguarda e sair atrás, pilotando o carro no vácuo do líder. Inovação nos olhos do outro é refresco, mas na hora das nossas empresas inovarem, elas querem mais é discutir e discutir e discutir e discutir para ver se vale a pena. Se o mercado for regulado então...
É mais ou menos assim, por exemplo, que algumas coisas vêm acontecendo na esperada renovação digital do setor de saúde brasileiro. Tem gente escondida embaixo da coberta que não vê a hora “dessa moda passar”.
Mas não vai passar não. Ou vai ou racha um monte de modelo de negócio viciado que tem por aí. Veja o exemplo dos ensaios clínicos criados para produzir novos medicamentos. Um leigo não tem ideia do trabalho que dá para encontrar pessoas que preencham os requisitos para participar daqueles testes e que aceitem continuar participando de todas as etapas presenciais de um estudo até o final – isso pode demorar anos a fio.
Para que se tenha uma ideia, no mundo todo mais de 80% dos “clinical trials” não atingem seus objetivos de prazo e orçamento e mais da metade do fracasso se deve a essa dificuldade no recrutamento de participantes. Então nos EUA eles descobriram que poderiam usar redes sociais para fazer parte do trabalho. E não apenas identificar os possíveis sujeitos das pesquisas, como também mantê-los engajados até o fim do estudo. Empresas como PatientsLikeMe já estão impulsionando importantes descobertas científicas enquanto ajudam a desvendar essa nova forma de investigar medicamentos.
No setor de saúde brasileiro a simples menção a essa ideia suscita surpresa, revolta e uma série de objeções ligadas a necessidades burocráticas, como a obrigação do participante ter que preencher documentos presencialmente para tornar seu aceitamento livre e esclarecido, válido perante os órgãos competentes. Mas no fundo trata-se de uma nova realidade que contraria a uma série de interesses de quem vive de ineficiência.
É por isso que muitas vezes uma grande empresa estabelecida não consegue inovar. O problema não é tanto a falta de uma cultura aberta para a criatividade e nem a pouca habilidade para lidar com processos lean e tecnologia. A questão é que o negócio cresceu e se estabeleceu sobre um modelo de negócio que não pode mudar de uma hora para a outra.
Foi por esse motivo que a Microsoft não virou o Google, o Google não virou o Facebook e o Facebook não virou o Whatsapp. São modelos de negócio diferentes, embora todos sejam bem-sucedidos.
Já nos casos de muitas empresas de saúde que nos acompanham desde o século passado com suas formas esdrúxulas de ganhar dinheiro, não é errado dizer que muitas ainda continuarão vivendo entre nós por um longo período de tempo. Mas outras tantas devem esperar por nosso certeiro desprezo nos anos que virão.
Da mesma forma que fizemos com aquela famosa revista do coelho, assim que houver boas alternativas de inovação em Saúde passando pelas telas de nossos dispositivos, iremos exercer nosso direito de escolha e jogaremos as empresas "paradas no tempo" para escanteio.