As más notícias e o pessimismo na economia mundial somados aos dados da economia brasileira têm tirado o sono de muitos empresários. Diante da projeção do PIB negativo para o Brasil em 2015 e do aumento do índice de inflação para este ano, que de acordo com o último boletim Focus divulgado pelo Banco Central (25/5) será de 8,37% (IPCA), e a divulgação do aumento do desemprego, as empresas têm apresentado cautela nos investimentos e se preparado para um cenário mais austero.
No setor de saúde, a preocupação não é diferente. Mas, apesar das adversidades, o impacto da crise ainda não foi constatado em alguns segmentos. “A [crise] ainda não chegou com a intensidade de outros setores”, analisou o diretor presidente da Planisa, Afonso José de Matos*, que estima que o impacto maior ocorrerá no financiamento. “Na sequência lógica, primeiro estão as operadoras com o impacto na massa de usuários, depois os prestadores de serviço”, avaliou. Outro ponto ressaltado pelo executivo é que o cenário negativo force os empregadores a negociar melhor com os contratos de planos de saúde.
Apesar de serem mais sensíveis ao cenário econômico em razão da relação entre empregados e beneficiários, pois quem paga a conta de mais 70% dos planos de saúde são as empresas, o segmento, de acordo com o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), ainda não foi afetado. O primeiro balanço da saúde suplementar 2015, divulgado na semana passada, aponta estabilidade com 50,8 milhões de beneficiários, o mesmo número verificado em dezembro de 2014. A mesma pesquisa também constata que a variação em 12 meses registrou crescimento de 2,1%, correspondendo a um acréscimo de 1 milhão de vínculos no período.
Custos
Com ou sem crise, o índice de Variação Custos Médico-Hospitalares (VCMH), indicador que mede os custos das operadoras de planos de saúde com consultas, exames, terapias e internações, não para de subir. De acordo com outro estudo do IESS, eles cresceram 17,7% nos 12 meses encerrados em junho de 2014. O resultado é 17,7% é 11,2 pontos porcentuais superior ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e a projeção do instituto é que se encerre 2014 com alta de até 18%.
“As operadoras e seguradoras são criticadas e consideradas as vilãs do setor, mas na realidade não são. A contínua expansão dos procedimentos cobertos, a evolução e incorporação tecnológica que trazem benefícios, mas também, em um primeiro momento, os custos implementados e outras demandas que aumentam a sinistralidade forçam a busca pela redução de custo, colocando pressão sobre clínicas e hospitais e não remunerando adequadamente os médicos”, analisou José Luiz Bichuetti*, superintendente da Associação Congregação Santa Catarina, rede filantrópica com 11 hospitais próprios. Nesta situação, segundo o executivo, as operadoras são forçadas a adotar alternativas que nem sempre são viáveis à sustentabilidade. “Elas buscam verticalização, muitas vezes sem os recursos financeiros e operacionais necessários o que as levam à insolvência”, complementou.
Bichuetti, que participou de um painel sobre o impacto da crise para os hospitais, ainda acrescentou que num cenário de crise, é preciso lidar com o desafio de gerir os custos em um sistema que os hospitais privilegiam a doença e tem seu modelo de remuneração baseado nos suprimentos. “ A gestão de custo deve ser com foco em assistência e não em margens de materiais e medicamentos, pois ela implica no sistema adequado de custos”, afirmou o executivo, que completou dizendo que a gestão de custos adequada é raridade no Brasil. “Só uma quantidade ínfima de hospitais tem, pois mesmo aqueles que são considerados ‘top’ e membros da Anahp não têm um sistema de custos adequado”.
Nos hospitais públicos, a realidade de combate aos custos desnecessários e o esforço para ter gestão eficiente é mais que necessária em tempos de cenário adverso. No caso do Hospital das Clínicas de São Paulo, maior complexo hospitalar público da América Latina, há também o receio do aumento da taxa de desemprego influencie nos atendimentos do hospital. “A quantidade de pacientes que chega ao Hospital das Clínicas ou a qualquer outro hospital público é cada dia maior e quando se tem uma taxa de desemprego crescente, a tendência é que as pessoas saiam do sistema privado e migrem para o sistema público”, afirmou Antônio José Pereira*, superintendente da instituição, que atende apenas 8% do sistema privado.
Para ter uma gestão econômico-financeira mais sustentável, Pereira está implementando alguns projetos de combate aos custos desnecessários da instituição como revisão dos contratos de manutenção; terceirização dos serviços de impressão que tem redução de custo estimada em 40%; e o sistema de inteligência de compras, que evitou custo estimado de R$ 11 milhões em 2014.
Feira Hospitalar
Durante a abertura da Feira Hospitalar, que ocorreu na última semana, a presidente da Hospitalar, Waleska Santos, afirmou que o evento não sentiu o mau momento da economia. “A despeito da crise, conseguimos lotar a feira e, além do Brasil, temos 32 países aqui. Esperamos mais de 90 mil profissionais, empresários e estudantes”. Até o fechamento da reportagem, os resultados finais da feira ainda não tinham sido divulgados.
Também presente na cerimônia de abertura, o secretário do estado de Saúde de São Paulo, David Uip, disse que apesar do momento de crise, da falta de recursos na saúde e da queda na produção industrial, os gestores devem ter otimismo para enfrentar o cenário. “Nos momentos de crise surgem os grandes líderes”, afirmou. Defensor da integração entre o público e o privado, pois “não combina e não é oportuno ter [sistemas] de saúde paralelos”, o executivo disse que é necessária a convergência de ambos para garantir a sustentabilidade do sistema.
Entre os projetos da secretaria com esse foco estão as parcerias público privadas (PPPs), que envolvem um projeto de logística junto farmacêutica EMS, as PPPs para a construção do novo Hospital Pérola Byington, um hospital de São José dos Campos e outro em Sorocaba, ambos no interior paulista, além da parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que proporcionará investimento total de R$ 2 milhões (sendo um terço de investimento do governo e o restante do banco) para a construção de 40 UBS, dois hospitais e reestruturação dos CAPs (Centros de Atenção Psicossocial).
*José Luiz Bichuetti, Antonio José Pereira e Afonso José de Matos participaram do painel “Perspectivas para os hospitais que atuam na saúde pública e privada em um cenário econômico adverso”, durante a Feira Hospitalar, que ocorreu de 19 a 22 de maio em São Paulo
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