Engajar pacientes promove queda acentuada nas despesas da saúde pública e suplementar
É possível diminuir os custos e despesas no sistema público e suplementar de saúde e, ao mesmo tempo, melhorar o resultado dos tratamentos ministrados aos pacientes?
Para responder essa indagação vital nosso ponto de partida é o trabalho cientifico "Enhanced Support for Shared Decision Making Reduced Costs of Care for Patients with Preference-Sensitive Conditions" (citado na edição n° 32 do jornal Health Affairs, no artigo intitulado Patient Engagement).
Seus autores, David Veroff, Amy Marr e David E. Wennberg, realizaram um grande estudo randômico envolvendo pacientes com uma ou mais destas seis condições: doenças cardíacas, problemas uterinos benignos, hiperplasia prostática benigna, dor no quadril, dor no joelho e dor nas costas.
O primeiro grupo recebeu um amplo suporte para a tomada de decisão sobre o melhor tratamento para cada caso concreto. Por telefone, pelo correio ou através da internet, profissionais de saúde, especialmente treinados, informavam com profundidade a esses pacientes todas as opções terapêuticas à disposição e suas consequências.
O segundo grupo também recebeu essas informações, mas no nível habitual de apoio, muito diferente da ampla atenção oferecida ao primeiro grupo. Em ambos os casos, os pacientes foram incentivados a comunicar suas preferências aos médicos ou outros prestadores de serviços de saúde.
Pacientes ativamente envolvidos
Vale lembrar que, nos EUA, Washington se tornou, em 2007, o primeiro estado a aprovar uma legislação incentivando a tomada de decisão compartilhada e o consentimento informado do paciente na prática clínica e nas políticas de saúde.
Também, nos EUA, o Comitê Nacional para Garantia da Qualidade, uma organização sem fins lucrativos que monitora a qualidade dos cuidados prestados pelos planos de saúde e organizações de saúde, faz avaliações periódicas para checar se os pacientes estão sendo ativamente envolvidos em seus tratamentos e, por outro lado, se recebem suporte adequado para gerir suas condições clinicas no dia a dia.
No Brasil, os formuladores de políticas públicas precisam olhar com mais atenção para essas iniciativas de engajamento do paciente. Como veremos adiante, elas são uma poderosa estratégia para enxugar custos e melhorar a qualidade do atendimento aos usuários dos sistemas público e suplementar de saúde.
Mais informação, menos despesas
O que chamou a atenção de Veroff e coautores do estudo citado acima foi o fato de que o grupo de pacientes que recebeu apoio mais robusto à sua tomada de decisão apresentou despesas médicas gerais 5,3% menores comparadas àqueles que receberam apenas a atenção de costume. Eles também tiveram 12,5% menos internações hospitalares e 20,9% menos cirurgias cardíacas. O trabalho cientifico também concluiu que a tomada de decisão compartilhada por meios remotos (site, telefone e correio) é um modelo de baixo custo cujos benefícios podem ser estendidos para uma população mais ampla.
Outras pesquisas também corroboram as evidências de que pacientes que participam mais ativamente de sua saúde experimentam melhores resultados em seus tratamentos que, por sua vez, incorrem em custos mais baixos.
Atualmente várias organizações de saúde pública e privada têm adotado estratégias para envolver os pacientes, informando-os com profundidade sobre suas condições clinicas para que possam, de um lado, tomar decisões mais racionais, como adotar as condutas preventivas que só dependem de sua autodisciplina e, de outro, receber os tratamentos que realmente desejam.
Desconhecimento e indiferença, combinação mortal
Hoje os cuidados de saúde são muito complexos, mas o engajamento dos pacientes é uma estratégia que merece máxima atenção, pois alcança triplo objetivo: melhores resultados na saúde e no atendimento ao paciente e tratamentos com custos mais baixos.
O problema é que, na maioria das vezes, falta aos usuários dos sistema público e suplementar de saúde a compreensão clara de suas condições clinicas, Seria esse um reflexo da indiferença aos desejos e necessidades dos pacientes por parte dos modelos de atendimento hoje estabelecidos?
Na Health Affairs, há uma resposta plausível para essa indagação:
“Muitos profissionais não conseguem fornecer as informações que os pacientes precisam para tomar as melhores decisões sobre seus próprios cuidados e tratamentos. E mesmo quando os pacientes recebem informações detalhadas, podem sentir falta de confiança em suas próprias escolhas. Aqueles com baixos níveis de educação têm dificuldade em seguir instruções sobre como cuidar de si mesmos ou a aderir a tratamento, como tomar seus medicamentos.” (livre tradução do trecho extraído do artigo)
Pedras no caminho da “alfabetização” em saúde
Pesquisadores também têm identificado os obstáculos que precisam ser superados - alguns atribuídos aos pacientes, outros aos fornecedores dos serviços de saúde -, para que estratégias de engajamento alcancem êxito.
Howard Koh e outros pesquisadores defendem que as organizações de saúde precisam incorporar o modelo de “Alfabetização em Cuidados de Saúde”, que parte da premissa que os pacientes estarão sob risco permanente se não entenderem em profundidade suas condições de saúde ou como lidar com elas no dia a dia.
Desta forma, apontam a relação de causa e efeito entre os sistemas de informação que dão apoio à decisão compartilhada e suporte de auto-gestão para os pacientes com doenças crônicas e seu engajamento ao longo de todo o período de atendimento.
Os profissionais que lidam diretamente com esses pacientes têm como rotina perguntar a cada um, em todos as consultas, o que aprenderam até aquele momento sobre seu estado clinico e como pretendem agir diante das informações que possuem, checando se ainda há lacunas em sua compreensão sobre suas condições físicas ou opções disponíveis de tratamento.
Outra importante contribuição vem de Elizabeth Bernabeo e Eric Holmboe, do American Board of Internal Medicine. Eles observaram que o grau de envolvimento do paciente pode ser bastante afetado por fatores como diferenças culturais, sexo, idade, educação, entre outros.
Como resultado, essa diversidade de status socieconômico e de origens culturais pode ser uma barreira ao engajamento do paciente em seu tratamento se o médico ou outros prestadores de serviços de saúde não estiverem sensíveis a manter uma linguagem adequada à sua realidade.
Me diga quanto custa, que te direi o que quero
Outro aspecto muito interessante revelado por pesquisas conduzidas junto a grupos de pacientes é seu interesse de saber, com clareza, sobre os custos de cada opção de tratamento.
Para se ter uma ideia, essa informação se mostrou eficaz entre pacientes com seguro-saúde que, apenas motivados por preferências pessoais sobre o que consideravam as “melhores” opções de tratamento, insistiam em pleitear procedimentos mais caros quando os mais simples seriam suficientes para sanar suas queixas. Por exemplo, alguns seguados insistem em ter acesso a uma tomografia computadorizada quando uma ressonância magnética seria eficaz para investigar uma dor de cabeça persistente.
Mais uma vez, somente pacientes munidos de informações úteis e relevantes têm condições de lidar com a equação “custo/beneficio das opções de tratamento”. Ter esse nível de conhecimento lhes permite avaliar os custos suportados pela sociedade - quando o paciente é atendido pelo sistema público de saúde -, ou por planos privados, que precisam zelar com rigor por sua saúde financeira para não comprometer sua perenidade e compromisso com o bom atendimento à totalidade de seus usuários.
Jill Matthews Yegian, do American Institutes for Research, constatou com outros colegas de pesquisa que os consumidores querem poder comparar não só as informações fornecidas por seus médicos sobre seus quadros clínicos, mas também obter dados relativos às despesas envolvidas em todo o seu tratamento, não só o custo de procedimentos e serviços isolados. Verificou-se que muitos pacientes optaram pelos tratamentos menos custosos em razão de saberem que estes eram adequados à sua realidade clinica. Portanto, os formuladores de políticas e gestores da saúde devem procurar tornar claro e acessível para os pacientes todo esse processo.
O tempo não é o problema
Uma revisão sistemática de 38 estudos nos EUA revelou um achado. A limitação de tempo que os médicos apontam mais frequentemente como a principal barreira para engajar o paciente no seu tratamento não encontrou "nenhuma evidência forte de que é necessário mais tempo para a decisão compartilhada na prática clínica ou no oferecimento de cuidados habituais.” (livre tradução do trecho extraído do artigo da Health Affairs)
Apesar dessa constatação, os pesquisadores da área concordam que mais estudos serão necessários para determinar as melhores práticas e formas de incentivar o envolvimento do paciente, bem como para demonstrar mais plenamente como e quanto essa comunicação com foco no engajamento contribui para a redução de custos nas estruturas de atendimento.
O fato é que, dentro e fora do Brasil, há um amplo consenso de que os sistemas público e suplementar de saúde precisam se dar conta dos muitos benefícios de se implementar programas bem concebidos de engajamento dos pacientes, que devem atingir um duplo alvo. De um lado, estimular eficazmente os pacientes a manter e melhorar sua saúde. De outro, conscientizar os médicos e outros profissionais a abrir mão da postura de controle, ou seja, de dar a “palavra final” sobre o tratamento a ser ministrado ao paciente,
Como vimos aqui, engajar os pacientes e estimular a decisão compartilhada quanto à melhor terapêutica parecem ser os caminhos com mais chances de conciliar as expectativas de todos os envolvidos nesse processo. Afinal, hoje o que se busca concretizar é essa tríade virtuosa: oferecer tratamentos com os melhores resultados para os pacientes, aumentar a qualidade dos serviços prestados e,diminuir as despesas que, no setor da saúde, só têm crescido sem que isso necessariamente reflita na melhora da performance do sistema de saúde como um todo.