Oliviero Toscani é um nome mundialmente conhecido (e reconhecido) pelas fotos e campanhas publicitárias que tantas vezes causaram, segundo suas próprias palavras, um escândalo, um desastre. Em sua Itália natal, um enorme e tradicional contingente religioso parece sem dúvida pouco predisposto a apreciar sem críticas imagens tão polêmicas quanto as dele, que ainda assim são compradas por publicações e marcas no mínimo bastante corajosas.
Homem à imagem e semelhança de Cristo morre de aids em uma cama, rodeado pelos parentes que choram. Três mulheres de negro velam em uma viela o corpo de uma vítima da máfia, de onde escorre uma poça escura de sangue grosso. Anoréxica, a modelo exibe em pose sensual os ossos e a pele cheia de escarras. Condenado à morte, diz a tarja sobre o rosto em close do homem negro que olha triste para a câmera. Beijam-se na boca um padre e uma freira, o papa e o imã, o presidente dos EUA e da China. Embaixo de todas as imagens uma logomarca, uma empresa, um produto.
Pode-se sem dúvida questionar o bom gosto de combinar capitalismo com críticas sociais tão sérias, mas é impossível ignorar o impacto, muito menos reduzir a obra de Toscani às campanhas da grife Benetton, por exemplo, que o tornaram mundialmente conhecido. Durante o Saúde Business Forum, quando subiu ao palco das plenárias com seus 72 muito bem vividos anos, o publicitário exibiu em velocidade acelerada um sem número de fotos, capas de revistas e peças publicitárias, jornais e publicações de moda, livros, exposições cultuadas e propaganda de ração para cães. Incontáveis.
Estou livre, não estou ligado a ninguém. Pego minha mala e faço o que me interesse fazer, disse, quando começou a defender que é necessário não ter medo de ter medo, o tema de sua palestra. Arriscar é necessário. É não ter certeza. Quem não pode arriscar não pode ser criativo. O momento de máxima insegurança talvez seja o de máxima criatividade. O fotógrafo sem estudo valoriza, acima de tudo, a liberdade.
Não tenho vergonha de dizer que sou a pessoa mais privilegiada que jamais tenha conhecido. Acredito que trabalho para ser livre, e não me sinto livre quando não trabalho.
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Detalhes
Mesmo em trabalhos à primeira vista tão pouco questionadores, como capas de Vogue e Elle, Toscani encontra lições. Todos aqueles que gostam de si são bonitos, diz, e aí reside a verdadeira saúde: respeitar-se, querer a si. A receita da beleza é uma energia que faz bem. Nas top models hoje tão belas e tristes, o fotógrafo sempre preferiu captar originalidade, vida, personalidade. Não sendo possível, já substituiu modelos por fotos de flores em uma coleção de primavera. Vestidos? Não, nenhum.
Uma lição no episódio da marca de jeans Jesus (uma nádega feminina coberta por um curtíssimo short jeans e o slogan quem me ama me segue causou outro escândalo tremendo, padres, Vaticano, um desastre): Entendi que a fotografia publicitária não é apenas para vender produtos, mas tem uma valência, um valor social muito importante. Os jovens muitas vezes são mais influenciados por publicidade do que por livros sérios. Temos que considerar este poder da comunicação.
Ou esta ironia: um livro com fotos dos mais variados tipos de excremento (sim, fezes). Na capa, a recomendação de que a publicação fique na mesa do café.
Mais imagens. Inumeráveis e apressadas. Lado a lado, dois fotógrafos de guerra que trabalham juntos, um palestino e uma israelense, fotografam o mesmo sangue. Em close, os pulsos algemados de um homem negro e um homem branco vestidos com o mesmo jeans. De manhã fui para Londres ser julgado por incitar a violência. A tarde fui pra Amsterdã receber o prêmio de melhor foto do ano.
Da série de fotos em que atualmente trabalha, clicando retratos de pessoas das mais variadas culturas e etnias, Toscani conclui que todo ser humano é único, irrepetível, ninguém nunca foi como vocês e nem será.
Ruptura
Nesta altura da palestra, quando já extasiada com a incrível quantidade de trabalhos mostrados por Toscani, vem a pergunta derradeira. Afinal, o que é a criatividade? É um superávit de energia, inteligência e liberdade!
É e sempre deve ser subversiva. Deve estar fora dos esquemas pré-estabelecidos e convenções burocráticas. Significa fazer o contrário. Construir do nada alguma coisa que tenha valor. Exige um estado de não controle, de coragem total.
Para uma plateia extasiada, condena as limitações e amarras à que a criatividade atualmente está submetida. Vivemos, diz ele, em um mundo onde tudo é mercadoria, mas também é imagem. Considerando que a matéria prima da arte é o próprio artista, os criativos estão condenados a trabalhar para as finanças. No entanto, diz, a verdadeira cultura deveria ser o contrário do mercantilismo. As marcas não nutrem a humanidade, mas se nutrem dela.
Dirigindo-se a um grupo de líderes empresariais, o libertário fotógrafo sentencia: a criatividade é sempre será subversiva.
Tão subversiva e livre quanto sempre será Oliviero Toscani.