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Internar por determinação judicial, mesmo sem indicação médica

"É razoável que os magistrados exijam documentos médicos que atestem a premência da internação. Conceder liminar ou tutela antecipada sem que se observem estas premissas é temerário"

Algumas situações têm chamado atenção pela recorrência: decisões judiciais que determinam a internação de paciente desprovida de qualquer indicação médica.

Isso acontece porque a parte (paciente ou seu representante) ingressa com ação judicial com pedido liminar ou tutela antecipada, com argumentações geralmente desesperadas e apocalípticas acerca da saúde do paciente e que necessita (na sua visão leiga), diante do ?risco iminente de morte?, seja internado.

Refiro-me exclusivamente a pacientes que já estão em tratamento ou em fase de investigação diagnóstica, com a regular orientação e assistência do médico no serviço de saúde e que não têm nenhuma indicação de internação.

No entanto, eles batem às portas do Judiciário sem que se façam acompanhados de laudo, atestado ou indicação médica de qualquer natureza, ou seja, outra opinião que divirja do médico assistente, e o juiz simplesmente determina a internação imediata, sob pena de multas diárias elevadíssimas ao hospital.

O que está acontecendo com o Judiciário?

O Judiciário tem se utilizado de dois pesos e duas medidas para situações que cuidam do mesmo tema: conhecimento técnico específico.

Quando a matéria posta ao Judiciário envolve questões médicas, por exemplo: indenização decorrente de erro médico, aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, é indispensável a realização da perícia médica para avaliação do alegado pelas partes autora e ré.

Isso porque o juiz não tem o conhecimento técnico específico, no caso, médico, para decidir.

Em outros tipos de ação, como as que envolvem o fornecimento de medicamento ou o fornecimento/custeamento de algum material médico para cirurgia, também são necessários o envolvimento do médico por intermédio de declaração, atestado ou laudo acerca da patologia, tratamento proposto e indicação do material e/ou medicamento a ser utilizado. Aqui também sem a interferência do médico, o juiz não tem como deferir qualquer pedido.

Não se entende, portanto, que uma pessoa sem qualquer documentação médica que imponha como necessária a internação imediata, tenha o seu pedido neste sentido prontamente acolhido pelo julgador.

Ainda se o juiz ouvisse a parte contrária (hospital) que seguramente levaria aos autos elementos/informações médicas, antes de decidir sobre a alegada "urgência" na internação, seria justo e razoável. No entanto, não é isso que tenho visto.

Observe-se que o Superior Tribunal de Justiça ? STJ, já sumulou (302) entendimento de que não pode haver cláusula contratual de plano de saúde que limite tempo de internação hospitalar, justamente porque quem define o tempo necessário para a internação (e a própria internação) é o médico e não uma cláusula fria e geral do contrato. No mesmo sentido a Súmula 92 do Tribunal de Justiça de São Paulo ? TJSP.

O que define a legislação?

Primeiramente a Constituição Federal - CF, art. 5º, inc. II, define que: ?ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei?. A determinação da internação do paciente é ato médico inerente ao exercício da Medicina, segundo legislação em vigor. Dispõe a Resolução CFM 1931/09, Código de Ética Médica, Cap. II: É direito do médico: II Indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitadas a legislação vigente.

E a lei 12.842/13, sobre o exercício da Medicina:

Art. 4º - São atividades privativas do médico: ... XI indicação de internação e alta médica nos serviços de atenção à saúde Assim, decisões judiciais desta natureza configuram violação à CF e à legislação infraconstitucional indicada, e o pior e mais grave: podem prejudicar pacientes que efetivamente, por indicação médica, precisam do leito e dos cuidados hospitalares. É razoável que os magistrados exijam documentos médicos que atestem a premência da internação e que logicamente haja a negativa do serviço de saúde neste sentido. Conceder liminar ou tutela antecipada sem que se observem estas premissas é temerário. A ciência não se colhe de afogadilho; é preciso penetrá-la com segurança e cautela. Machado de Assis