Não é de hoje que as grandes empresas globais do setor de equipamentos médico-hospitalares participam do mercado brasileiro de saúde. Suas logomarcas são visíveis nos centros de diagnósticos e cirúrgicos de todo o país em equipamentos, na maioria das vezes, importados. Essa realidade, no entanto, começa a mudar. A expansão do mercado interno e a perspectiva de fazer do Brasil um polo irradiador de exportações para América Latina e África, vem atraindo investimentos com a promessa de transferência de tecnologia.
"Temos consciência de nossa contribuição para a área da saúde do Brasil", declara Vitor Rocha, vice-presidente sênior de Healthcare da Philips. Em vez de construir novas fábricas, a multinacional de origem holandesa decidiu queimar etapas, adquirindo empresas já instaladas. A primeira delas, na qual investiu em torno de € 350 milhões, foi a VMI Sistemas Médicos, empresa familiar de Lagoa Santa (MG), fabricante de aparelhos de raios-X analógicos e digitais. Com a estrutura industrial montada, pôde rapidamente ampliar a linha de produção de equipamentos de tomografia e ressonância magnética. Depois dessa aquisição vieram outras: a Dixtal, que produz monitores com tecnologia digital, a Tecso e a Wheb, da área de informática.
A nova estrutura industrial contribuiu para que a empresa passasse também a produzir no Brasil outros equipamentos que antes eram importados, como máquinas para aplicação de anestesia e ventilação.
O exemplo da Philips não é o único. A maioria das multinacionais adota a mesma estratégia. A presença no país como fabricante local amplia o mercado e torna os produtos mais acessíveis a clínicas e a médicos que precisam equipar seus consultórios. Isso porque as linhas de crédito da Agência Especial de Financiamento Industrial (Finame), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), são limitadas a produtos fabricados no Brasil. O custo do financiamento cai para 6,25% ao ano, o que não ocorre quando o equipamento é importado.
De maneira informal, o mercado estima que os investimentos das multinacionais no País podem superar US$ 1 bilhão nos próximos anos. Dados divulgados pela Associação Brasileira de Alta Tecnologia de Equipamentos, Produtos e Suprimentos Médico-Hospitalares (Abimed), com base nas estatísticas do Ministério da Saúde, revelam as razões de tamanho interesse pelo mercado brasileiro. O setor faturou R$ 13,5 bilhões em 2011, com crescimento de 19% em relação ao ano anterior. Cerca de 50% desse total corresponde a compras realizadas pelo governo federal.
As atividades na área da saúde, que contribuem com 8% do Produto Interno Bruto (PIB), implicaram em importações cujo valor resultou em um déficit na balança comercial da ordem de US$ 11 bilhões, do quais, 25% provenientes das compras de equipamentos médicos no exterior. "Um peso substancial nas contas externas, o que leva o governo a estimular essas empresas a ampliar seus investimentos no País", afirma o presidente executivo da Abimed, Carlos Goulart. As importações de equipamentos com tecnologia de ponta, por outro lado, colocam o Brasil entre os países que proporcionam atendimento sofisticado. "O déficit comercial deve ser compensado com o incremento das exportações, o que só é possível com o aumento da produção local", diz.
Uma das áreas que mais interessa ao governo é a de equipamentos de radioterapia para tratamento do câncer, que representam elevado ônus para o SUS. Um grupo de estudos com a participação de representantes dos grandes fabricantes globais desses aparelhos estuda formas de facilitar a fabricação no Brasil. Mas, de acordo com os executivos dessas empresas, o registro de um equipamento e de sua tecnologia passa por intrincada burocracia, num percurso que, não raro, se arrasta por quatro ou cinco anos. Sem contar as dificuldades comuns a toda a indústria nacional, como a falta de infraestrutura e o custo Brasil.
Mesmo assim, há entusiasmo em relação ao cenário brasileiro. "Somos quase 200 milhões de pessoas que demandam serviços de saúde", declara Armando Lopes, diretor de Healthcare da Siemens no Brasil. Para ele, o desenvolvimento econômico torna viável a inclusão social e o acesso crescente aos sistemas de saúde, o que também traz resultados para empresas como a Siemens. "O Brasil é um dos dez principais mercados da área de saúde e tem ajudado a fechar a lacuna deixada pela crise dos países desenvolvidos."
Há mais de um século no Brasil, a Siemens produz desde 2001 o sistema Multix B de raios-X. Cerca de 30% da produção de imagens digitais para diagnóstico no Brasil é feita em equipamentos Siemens, informa Lopes. A empresa tem planos de aumentar o índice de nacionalização e expandir a produção local. Entre os principais clientes da multinacional alemã está o setor público. "Alta tecnologia não é sinônimo de alto custo, pois o investimento em equipamentos de ponta proporciona retorno rápido", afirma.
A GE Healthcare também se empenha em ampliar a presença no país. Em 2010, inaugurou sua fábrica em Contagem (MG) onde produz raios-X e mamógrafos, tomografia computadorizada e PET/CT (equipamento destinado à realização de diagnóstico com recursos da Medicina Nuclear e da Radiologia). Está prevista ainda para os próximos meses a produção e venda de equipamentos de ressonância magnética, informa Roberto Mendes, gerente geral da GE Healthcare no Brasil. A empresa prevê investir no Brasil US$ 50 milhões em 10 anos. "As perspectivas são positivas. Os investimentos em saúde por parte do governo são expressivos e as instituições privadas não poupam recursos para oferecer melhores serviços a seus pacientes por meio de inovações tecnológicas", diz. Há outros fatores, a seu ver, que contribuem para a expansão desse mercado. "O envelhecimento da população e o aumento da classe média eleva a demanda por soluções em saúde."
Fonte: Isabel Dias de Aguiar, Valor Econômico, 29/03/12