Ele criou um dos maiores impérios da indústria de autopeças da América Latina e trocou a aposentadoria pela construção de uma fabricante de motocicletas. Mas nunca se deu por satisfeito. Teria seguido adiante num velho sonho de ter uma montadora de carros baratos se tivesse tido a chance. Ao falar sobre o plano de produzir automóveis, durante entrevista ao Valor, em novembro de 2001, o empresário apontou o dedo indicador para o céu e disse: "Mas se Ele resolver me chamar, estou frito".
Naquele dia em que temeu ter que abandonar um plano de vida, Abraham Kasinsky tinha 84 anos. A morte chegou dez anos mais tarde. O empresário morreu ontem, aos 94 anos. O enterro será hoje no cemitério Israelita Butantã, em São Paulo. Filho de imigrantes russos, Kasinsky passou a vida num ritmo de trabalho incansável. Só saiu de cena há pouco menos de dois anos, ao adoecer.
Certos temas que marcaram a trajetória de Kasisnky permanecem até hoje nas mesas de discussão da indústria automobilística. A nacionalização de peças, uma polêmica que levou o governo federal a elevar o IPI dos veículos com conteúdo local abaixo de 65%, em dezembro, foi o ponto de partida da carreira do empresário.
Kasinsky nasceu no bairro paulistano do Brás e desde cedo foi trabalhar na loja de componentes para automóveis que o pai importava. A empresa, chamada "Posto 3 Leões", também tinha uma bomba de gasolina. Abraham, o mais novo de quatro irmãos e que "nasceu por acaso", segundo a mãe dizia, fazia manchão (remendo) em pneus, num porão.
No fundo, o jovem não queria trabalhar com autopeças. Por isso, foi estudar Economia. Formou-se na primeira turma do colégio Álvares Penteado (hoje Fundação Armando Álvares Penteado). Ele decidiu, depois, estudar Medicina.
Mas, com o falecimento do pai, quando ele ainda estava no segundo ano da faculdade de Medicina, foi convencido pelo irmão Bernardo a voltar a trabalhar nos negócios da família. Kasinsky convenceu, então, o irmão que deveriam abandonar a importação de peças e abrir uma fábrica.
Foi assim que em 1955 nasceu a Cofap (Companhia Fabricadora de Peças). Santo André, no ABC, foi o local escolhido porque, segundo contou o próprio Kasisnky, certa vez, o município tinha uma estação de energia capaz de abastecer a fundição do empreendimento.
A Cofap despontou como uma importante fabricante de amortecedores, anéis de pistão e peças fundidas e Kasinsky foi o homem que passou quase meio século para construir a empresa que se transformou na maior fabricante de autopeças das América Latina.
A parte mais amarga da vida pessoal de Kasisnky foi um mal-sucedido processo sucessório da administração da Cofap, que terminou com a venda da empresa para multinacionais. Uma parte foi para o grupo alemão Mahle e a outra para a italiana Magneti Marelli.
O auge do conflito entre Kasisnky e os dois filhos, Roberto e Renato, que também trabalhavam na empresa, aconteceu em 1992. O pai havia programado a aposentadoria e pretendia abandonar a presidência executiva da Cofap, para depois, assumir o conselho de administração. Arrependeu-se, alegando que não havia encontrado um sucessor à altura.
O conflito começou quando ele decidiu permanecer no cargo. Ele já havia doado suas ações para os filhos, mas tentou obtê-las de volta por meio de ação judicial. A briga que tumultuou o processo sucessório e levou à venda da empresa nunca foi resolvida. Roberto foi morar nos Estados Unidos e Renato se transformou num empresário em São Paulo.
Quando foi vendida, em 1998, a Cofap faturava US 1 bilhão por ano e exportava 40% da receita para mais de 90 países. Tinha 18 unidades industriais espalhadas pelo mundo e 35 mil funcionários.
Menos de um mês depois de deixar a Cofap, Kasinsky estava agoniado com a ideia de ficar sem fazer nada. Segundo contava, chegava a ler quatro jornais diariamente, alguns mais de uma vez. Em 2000, aos 82 anos, fundou a fabricante de motocicletas, scooters e triciclos com a marca Kasisnki.
Aos que perguntavam, de onde vinha tanta disposição, o já idoso empresário respondia: "Vem de um homem de origem humilde que sempre sonhou em crescer, cresceu bastante e ainda pensa em crescer mais".
Enquanto pôde, o empresário ia diariamente para seu escritório logo cedo. Em 2009, um grupo chinês, CR Zongshen, comprou a fábrica de motos, mantendo o nome original - Kasinski -, que acabou se tornado uma grife para a empresa. O antigo dono teria se dedicado a uma paixão - cultivar orquídeas - se não tivesse adoecido.
Fonte: Marli Olmos, Valor Econômico, 10/02/2012