Esta história é bem conhecida daqueles que gostam de perfis médicos empreendedores que atuam em outras áreas além da medicina. Neste campo, temos Oskar Metsavath, ortopedista que criou a Osklen, Alberto Saraiva do Habib's, Valeska Santos, pediatra que criou a feira Hospitalar, Luiz Sebastião Rosa, pneumologista fundador da Imaginarium, Michael Dell, estudante de Medicina que criou a Dell, Carlos Alberto de Oliveira, gastrocirurgião e fundador do Grupo CAOA. O pediatra Ricardo Sayon começou a Ri Happy por acaso e este negócio só passou a dar certo, quando Ricardo passou a focar naquilo que entendia: serviço, explicando aos clientes qual o brinquedo mais apropriado para determinada idade e as diferenças existentes entre as inúmeras opções. Uma história que merece ser conhecida!
Atenciosamente,
Fernando Cembranelli
Equipe EmpreenderSaúde
Ri Happy: 37 brinquedos por minuto
Quando criança, o paulistano Ricardo Sayon era repreendido pelo pai toda vez que tentava ganhar uns trocados. Uma de suas brincadeiras prediletas era guardar carros na região de Pinheiros, onde morava. “Apesar de ser filho de comerciante libanês, ele não queria que nos preocupássemos com dinheiro”, conta. “Achava que o mundo se tornaria comunista e a única coisa que nos restaria seria o conhecimento.” Sayon tinha tudo para atender aos anseios do pai. Cursou medicina na USP de Ribeirão Preto e, em 1978, já pediatra, voltou a São Paulo para trabalhar no Instituto da Criança do Hospital das Clínicas. Lá realizou pesquisas, clinicou e deu aulas. Também foi funcionário da Secretaria Estadual da Saúde e do Hospital Sabará, referência em pediatria na capital. Manteve um consultório próprio onde cobrava o equivalente hoje a 500 reais pela consulta. Mas largou a carreira promissora e — “acidentalmente”, como costuma dizer — criou a maior rede de lojas de brinquedos do Brasil, a Ri Happy. Um sucesso que o pai de Sayon, morto em 1992, não viu. “Na verdade, acho que ele ficaria muito bravo se soubesse o que fiz com minha profissão”, diz o empresário.
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Aberta em 1988, a cadeia tem hoje 1 900 funcionários que atuam no escritório localizado na Bela Vista e nos 94 pontos de venda espalhados pelo país, vinte deles na cidade. Deve fechar 2009 com um faturamento de 540 milhões de reais, 13% a mais que em 2008 e 25% do total do mercado. Os campeões de vendas são o boneco do personagem Ben 10, para os meninos, e a boneca Little Mommy Doentinha, para as meninas. Suas lojas concorrem não só com outros estabelecimentos especializados, como a PBKids, que tem quinze anos e catorze pontos de venda em São Paulo, mas também com gigantes como as Lojas Americanas e o hipermercado Walmart, que comercializam de pasta de dentes a eletroeletrônicos. Para competir, a Ri Happy investe naquilo que considera uma prestação de serviço. Seus vendedores são treinados a aconselhar os clientes a comprar o brinquedo certo, coerente com a idade e o sexo da criança. “Pelúcia e pano para bebês não são uma boa”, disse uma vendedora da loja do Shopping Villa-Lobos a uma cliente à procura de um mimo para uma menina de 10 meses. “Se você quer dar uma bo neca, o mais indicado são as de plástico, fáceis de limpar e que não machucam ao ser mordidas.” Além disso, as lojas têm espaços dedicados à experimentação dos produtos, como pistas para os meninos correrem de carrinho e casinhas para as meninas se entreterem com as bonecas. É a esse tipo de atendimento que o doutor Ricardo, como é chamado pelos funcionários, credita o bom desempenho de seu negócio.
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Mas nem sempre foi assim. “Começamos imitando modelos já existentes, como o da extinta DB Brinquedos”, reconhece o empresário de 57 anos. Na época, o que mais se via eram as lojas que se assemelhavam aos supermercados, onde o cliente percorria as gôndolas, escolhia o produto e pagava no caixa. Recorrer à cópia foi a alternativa para quem começava um negócio sem experiência alguma. A Ri Happy foi aberta pela segunda mulher de Ricardo, Juanita Sayon, para ocupar um imóvel na galeria Miami Plaza, na esquina da Rua Pamplona com a Alameda Lorena. “Em vez de continuar tendo problemas com inquilinos, ele pediu que eu montasse qualquer coi sa ali”, lembra Juanita, que estudava pa ra prestar vestibular de fonoaudiologia. “Inicialmente, pensamos em algo que tivesse a ver com a profissão dele, como uma loja de mamadeiras e outros produtos para bebês.” O nome Ri Happy foi ideia dela. “Era uma forma de dizer: ‘para deixar o Ricardo feliz’.” O primeiro logotipo também surgiu ao acaso. Durante uma consulta, a mãe de um paciente rabiscou em um receituário um sol coberto por nuvens em cujo contorno se lia “Ri Happy”. O astro é até hoje o símbolo da rede e, pelas mãos do desenhista Mau ricio de Sousa, ganhou vida e virou o personagem Solzinho, que dá nome à linha de produtos próprios.
Cerca de um ano após a inauguração, Juanita estudava em tempo integral e não podia se dedicar tanto ao negócio. Ri - cardo, então, se associou ao primo Ro - berto Saba, com quem já tinha uma rede de estacionamentos, a Pare Bem. A dupla chegou a abrir outros quatro pontos de venda, mas só levou prejuízo no ramo dos brinquedos. Em 1991, eles decidiram fechar tudo. Numa manhã, Sayon foi pessoalmente à fábrica da Estrela negociar a devolução dos produtos da marca, que somavam 70% do total de suas mercadorias. “Ele foi para fechar e voltou convencido pelo então diretor da empresa, Hanz Becker, a continuar com o negócio e ainda abrir três lojas ao ano”, conta Saba. “Levei um susto, mas topei. Com o Ricardo é sempre assim, ele inventa e eu pago.” Para fazer o então microempresário mudar de ideia, Becker disse que o negócio não ia para a frente porque eles tinham pontos ruins. Prometeu que ajudaria a reverter a situação. No domingo seguinte, Becker e Sayon saíram por São Paulo em busca de um endereço melhor. Encontraram um imóvel para alugar na Rua Padre Antônio José dos Santos, no Brooklin. Nos meses seguintes, a cadeia passou a operar no azul. “Fazer aquilo acontecer era um compromisso moral que tinha com meu sócio. Mas, para isso, tive de abandonar a medicina”, lamenta o ex-pediatra. Hoje, Sayon é admirado pelo seu desempenho como empresário. “Ele é arrojado na busca por lojas no país todo e tem um bom humor que conquistou os fabricantes brasileiros”, afirma Synésio Batista da Costa, presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq).
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Apesar de se mostrar satisfeito como empresário, Sayon ainda sente saudade da medicina. Ele mantém ativo o registro no Conselho Regional de Medicina e seu vozeirão fica embargado quando fala dos tempos de hospital. Não por acaso seu escritório em muito se assemelha a um consultório, exceto pelo cheiro de cigarro impregnado na mobília — Sayon, mesmo sendo médico, fuma três maços por dia. Sobre a mesa bagunçada, além de uma porção de papéis e suvenires com o símbolo do time para o qual torce, o Palmeiras, há um bloco de receituário. “Ele usa quando alguém precisa de um remedinho”, entrega a secretária Patrícia Fernandes. No encosto da cadeira repousa um avental branco, igualzinho aos usados por profissionais da medicina, com a figura do Solzinho estampada no bolso. “É um dos itens da brinquedoteca que vendemos para hospitais”, revela Sayon, franzindo o bigode aparado de maneira irregular. Pai de três filhos — Patrícia, de 31 anos, do primeiro casamento, Marina, de 17, e Rodrigo, de 15 —, ele distribui conselhos sentimentais e de saúde aos parentes, funcionários e amigos que visitam sua sala. “Ali é mesmo um consultório”, diz Sérgio Godoy, diretor de estratégia da Ri Happy. “Acho que ele nunca deixou de ser médico.”
Fonte: Revista Veja São Paulo, 30/12/2009