Os hospitais filantrópicos do Brasil, que durante um longo período foram sinônimo de ineficiência e falta de profissionalismo estão entrando na rota da profissionallização de suas atividades, trazendo executivos para tocar suas operações e buscando modelos que garantam não só sua sobrevivência, mas também a sua sustentabilidade e prosperidade. Pioneiro neste processo, a Santa Casa de Porto Alegre é hoje uma referência em gestão hospitalar no Brasil, servindo de referência para hospitais públicos e privados.
Atenciosamente,
Fernando Cembranelli
Equipe EmpreenderSaúde
Filantrópico troca prejuízo por gestão mais qualificada
Márcio Sampaio de Castro | Para o Valor, de São Paulo
A presença dos hospitais filantrópicos no Brasil remonta ao século XVI, quando a primeira Santa Casa de Misericórdia foi fundada na então Vila de Santos no ano de 1534. De lá para cá, o número dessas instituições multiplicou-se país afora e o perfil dos mantenedores deixou de estar vinculado exclusivamente à confissão religiosa, assumindo as mais variadas configurações. Duas características básicas ao longo do tempo se mantiveram: o compromisso de atendimento indistinto à população e a dificuldade para a grande maioria em relação à injeção de recursos para a sua manutenção.
Principalmente a partir da última década, uma verdadeira revolução tem sido operada na rede hospitalar filantrópica. A edição de uma série de portarias, decretos e, principalmente, a promulgação da lei 1201/09 instituíram um marco legal que vem permitindo a muitas dessas instituições uma acomodação mais efetiva e eficaz às necessidades do sistema de saúde brasileiro. Por outro lado, um movimento anterior ao das definições legais indica o quanto a gestão profissional pode significar a diferença entre a excelência e a insolvência.
A Santa Casa de Porto Alegre é considerada uma das pioneiras nesse processo. Em 1983, em meio a uma grave crise, contratou uma equipe de administradores cuja função inicial era única e exclusivamente tirá-la daquela situação caótica. Seis anos depois, tornava-se o primeiro hospital da América Latina a realizar um transplante de pulmão. Especialidade que a torna ainda hoje a responsável por cerca de duas em cada três cirurgias do tipo realizadas no país.
Para o consultor em gestão do Hospital Português de Salvador, Marcelo Britto, esse é um processo sem retorno: "A imensa maioria dos hospitais no Brasil dá prejuízo. É preciso profissionalizar a gestão. Não existe outra forma". Britto é o próprio exemplo dessa nova mentalidade. Pós-graduado em gestão de saúde pela FGV e com mestrado internacional na mesma área, o médico ortopedista encabeçou o processo de reengenharia implementado nos últimos anos no hospital baiano. Ele lembra que, a exceção dos recursos do Sistema Único de Saúde, não há nenhum outro tipo de verba pública cobrindo os gastos de operação. "O SUS remunera pouco menos de 40% dos custos, mesmo considerando a isenção fiscal. A única saída é fazer com que a saúde suplementar complemente a receita", observa.
No maior complexo hospitalar privado da América Latina, a Beneficência Portuguesa, em São Paulo, o movimento de reestruturação é um pouco mais recente. Em 2009, a direção contratou uma consultoria externa que sugeriu a criação de um Plano Diretor. Um projeto de cinco anos, com orçamento de R$ 160 milhões, voltado principalmente para investimento em instalações, hotelaria e tecnologia no Hospital São José, construído especialmente para atender aos pacientes dos convênios. "Está no DNA da Beneficência atender o paciente público, mas a tabela do SUS está defasada e o Hospital São José é fruto desse trabalho de mudança na maneira como queremos ser vistos", explica Fábio Tadeo Teixeira, superintendente corporativo do complexo.
Outra situação bastante distinta, e ao mesmo tempo muito engenhosa, de hospital filantrópico é representada pelo Centro Infantil Boldrini de Campinas, no interior de São Paulo. Referência no tratamento do câncer infantil, com índices de cura superiores a 60%, o centro depende significativamente dos recursos públicos para manter as portas abertas. Com um controle rígido dos gastos, que envolvem a aquisição somente de medicamentos genéricos, comprados muitas vezes diretamente junto às matrizes dos laboratórios no exterior e o desenvolvimento de um manual para os médicos, com o passo a passo do tratamento, o que evita indicações diferentes para um mesmo paciente, a presidente do Centro, a médica Sílvia Brandalise, consegue um rigoroso empate entre receita e despesas ao final de cada mês
Fonte: Valor Econômico, 31/05/2011