Por sua excelência nas áreas de engenharia e tecnologia e por ter formado dois ganhadores do Prêmio Nobel de Química, o Technion é chamado por muitos de o MIT do Oriente Médio, em referência ao prestigiado Massachusetts Institute of Technology. De acordo com Maital, diretor acadêmico da universidade Technion – Israel Institute of Technology, um professor de inovação aplicada aos negócios que estuda o caso de Israel há mais de 20 anos, a necessidade é um elemento fundamental para compreender a cultura empreendedora do país. “Em boa parte dos casos, isso se deu por pura falta de opção”, diz ele. Maital refere-se ao fato de que, após décadas de um crescimento que dependia totalmente dos investimentos diretos do governo na construção de estradas, portos, casas, estações de água e usinas elétricas, encontrar outro caminho passou a ser imperativo para Israel. Ao mesmo tempo, os kibutz, organizações socialistas que sobreviviam da agricultura e serviram como uma primeira fonte de recursos aos recém-chegados ao país, sofriam com a aridez do solo e a falta de água. “A opção mais interessante era investir na capacidade intelectual das pessoas”, afirma Maital.
Essa guinada incentivada pela necessidade ganhou um estímulo extra a partir do final da década de 80, quando o país acolheu quase 1 milhão de russos após a quebra da União Soviética. “Eram profissionais com ótima formação fugindo da falta de oportunidades”, diz. Confrontado outras vezes com migrações de judeus perseguidos em diversos países, Israel seguiu sua política de abertura às famílias em fuga. “No início houve pânico, pois a população do país era de 3 milhões de pessoas e não havia empregos, hospitais e escolas para assimilar do dia para a noite aquela massa de russos que sequer falavam o hebraico”, afirma Maital. Mas, em pouco tempo, percebeu-se que ali havia uma excelente oportunidade. Um em cada três russos era engenheiro ou técnico. Tratava-se de uma força de trabalho inestimável num momento em que o país se preparava para dar um salto rumo a um modelo de vanguarda tecnológica. Os russos foram assimilados e, poucos anos depois, sua língua passou a ser uma das mais ouvidas nas companhias de tecnologia e universidades.
A participação do Estado, afinal, é um componente sem o qual Israel não teria se alçado à posição atual. Desde o início, as empreitadas para promover o empreendedorismo foram fortemente amparadas por políticas e recursos públicos. Nos anos 90, o programa liderado por Erlich despejou US$ 100 milhões em empresas de tecnologia. A lógica por trás desse investimento previa que, diante da participação direta do Estado por meio de injeção de recursos, os investidores locais e estrangeiros sentiriam firmeza no novo modelo e, como consequência, abririam a carteira. “Investir nas start ups passou a ser um bom negócio, pois havia um fiador cujo interesse no sucesso desse projeto estava acima de qualquer suspeita”, afirma Shmuel Yerushalmi, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Israel–Brasil, carioca que vive no país há mais de 50 anos e, como criador de uma das primeiras incubadoras de Israel, acompanhou de perto todas as fases desse projeto. Para completar o pacote de bondades, explica ele, depois de cinco anos os capitalistas podiam comprar as ações que pertenciam ao governo a um preço acessível.
Esse modelo causou inúmeras discussões entre um grupo de 40 brasileiros que, na segunda semana de outubro, desembarcou em Israel para fazer uma imersão em empresas, incubadoras, parques tecnológicos e universidades. Ciceroneados por Guilherme Ary Plonski, presidente da Anprotec, a Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores, o grupo se dividiu entre os que avaliam a participação do Estado como essencial para desenvolver uma economia baseada na inovação e os que acreditam que tal salto prescinde do suporte do poder público. “O governo brasileiro acredita que a iniciativa privada já poderia assumir o processo, mas esse é um pensamento equivocado”, afirma o professor Roberto Astor Moschetta, diretor do Tecnopuc, o parque tecnológico da PUC do Rio Grande do Sul. Para ele, uma das lições mais importantes da visita foi a constatação de que o início do desenvolvimento econômico com base tecnológica começa com o Estado colocando dinheiro nas empresas. “Só depois de um certo amadurecimento os negócios conquistam a maturidade que os permite andar com as próprias pernas.” Já para Naldo Dantas, secretário executivo da Anpei, a Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras, o Brasil não sofre com a falta de dinheiro. “Hoje temos capital para alavancar os negócios. O que falta são empreendedores que saibam enfrentar a dinâmica da captação de recursos”, diz Dantas.
O FATOR OUSADIA
Talvez o caso mais simbólico desse espírito nos dias de hoje seja o de Shai Agassi, 42 anos, fundador da Better Place, empresa criada em 2007 com o objetivo nada modesto de revolucionar a indústria automotiva em todo o mundo. Mas não é de hoje que o nome desse filho de iraquianos corre o mundo. Um pouco antes de completar 30 anos, Agassi vendeu sua start up Top Tier para a companhia alemã de softwares SAP por US$ 400 milhões e tornou-se o mais jovem e o único não alemão a fazer parte do comando da empresa. Em pouco tempo, Agassi começou a ser preparado para ser o próximo CEO da SAP. Sua trajetória como executivo durou pouco, mais precisamente até apresentar sua ideia de uma empresa que libertaria Israel da dependência do petróleo a Shimon Peres, o lendário presidente de Israel e Prêmio Nobel da Paz. “Eu seria o futuro presidente da SAP, mas ele me perguntou o que poderia ser mais importante que salvar meu país e o mundo?”, diz Agassi. Três dias depois, ele pediu demissão da SAP e passou a se dedicar à sua criação: uma rede distribuidora de baterias e energia elétrica para carros.
Pouco mais tarde, Agassi e Peres desembarcavam no Fórum Econômico de Davos, na Suíça, dispostos a mudar a cabeça dos líderes da indústria automotiva. “Alguma coisa relacionada ao fato de terem vindo de um país minúsculo e tão combatido – o qual abriga apenas um milésimo da população mundial – faz com que os israelenses sejam céticos quanto às explicações convencionais sobre o que é possível. Se a essência da condição israelense, como Peres nos disse posteriormente, era estar insatisfeito, então Agassi representava o típico sistema de valores de Israel”, dizem os autores. Munidos de suas biografias e de um paper algo romântico que fazia a defesa de um mundo livre de combustíveis fósseis, os dois ouviram do presidente de uma grande montadora que Agassi estava “fantasiando” e que se livrar do petróleo era inviável. Na segunda reunião, desta vez com o brasileiro Carlos Ghosn, presidente da Renaut-Nissan, eles finalmente ouviram o que gostariam. “Sr. Peres, ele está absolutamente correto. Nossa empresa também acha que o futuro é o carro elétrico”, disse Ghosn.
Com um parceiro da indústria disposto a fabricar um carro para esse fim e – o mais importante – por um preço competitivo, além de um bem-vindo apoio do governo por meio de isenção fiscal por vários anos, Agassi levantou US$ 700 milhões com fundos de venture capital dos Estados Unidos, Israel, Austrália e Dinamarca. Segundo seus planos mirabolantes, que ele costuma explicar com voz calma e inglês quase sem sotaque, a primeira estação de abastecimento e troca de baterias elétricas estará funcionando no dia 1º de janeiro de 2012. Em 2017, com a infraestrutura espalhada por todo o país, Agassi estima que 90% dos carros de Israel serão elétricos. “Ele tem apenas um carro, nenhum ponto de abastecimento e sequer um cliente, mas todo mundo que o encontra acredita estar diante de um visionário”, afirmou a revista Wired, resumindo a sensação de boa parte dos seus interlocutores.
EMPREENDEDOR NINJA
Embora se ouça com certa recorrência dos judeus ortodoxos que Israel é o centro do mundo, foi Platão, um grego, e não Moisés, quem deu involuntariamente a melhor definição para o espírito empreendedor dos israelenses. “A necessidade é a mãe das invenções”, vaticinou o filósofo. Pois este também tem sido o ponto de partida de parte dos negócios israelenses, os chamados cleantech, que exploram a ascensão das preocupações com a sustentabilidade e atualmente estão entre os mais promissores do país. Entre 2007 e 2009, a participação desse setor no total de capital levantado pelas empresas de tecnologia saltou de 4% para 7%. Neste grupo se enquadra a TaKaDu, empresa de Tel-Aviv que desenvolveu um software baseado em algoritmos e modelos estatísticos capazes de minimizar os desperdícios de água que, em algumas indústrias, chegam a 30% do consumo total. O fundador do negócio é o israelense Amir Peleg, um empreendedor serial formado em matemática, física e ciência da computação pela Universidade Hebraica. Aos 45 anos, ele já fundou e vendeu quatro companhias de tecnologia. A mais recente, a empresa de análise de dados Yadata, foi adquirida há três anos pela Microsoft.
“Amir é o tipo de empreendedor de que gostamos. Ele é o empreendedor ninja”, afirma Shmuel Chafets, do fundo Giza, numa descrição que, segundo ele, resume as habilidades elementares do dono de uma start up: ver tudo, ouvir tudo, saber tudo e estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Foi devido a essas características que, em maio de 2010, Chafets, em parceria com outro fundo local, o Gemini, colocou US$ 3,5 milhões na TaKaDu. Além das habilidades marciais de Peleg, um ex-combatente que serviu numa unidade de elite das forças de defesa do país, a escolha indica a capacidade do empresário de identificar necessidades (leia-se oportunidades) onde quer que elas estejam – e atacá-las rapidamente. Em 2011, quando completar seu segundo ano, a TaKaDu deve obter receitas de US$ 3 milhões com vendas em Israel e no exterior. “No Brasil, estamos negociando com a Sabesp”, afirma Guy Horowitz, vice-presidente da TaKaDu, referindo-se à empresa de saneamento de São Paulo.
Empreendedores como Peleg e Agassi, que, ainda jovens, exibem um longo histórico de realizações, não são um caso raro em Israel. Em grande medida, eles acumulam tantas conquistas em tão pouco tempo graças ao faro para os bons negócios e à capacidade de execução. Mas há um terceiro ingrediente nessa mistura. Não fossem as facilidades de um sistema muito menos burocrático do que o brasileiro, dificilmente negócios como a Better Place e a TaKaDu teriam chances de alçar voo em tão pouco tempo. Esse espírito ágil e dinâmico, sem o qual o capitalismo não pode sobreviver, foi absorvido pelo país em diversos setores. Nenhum deles, no entanto, salta tanto aos olhos como o que pode ser encontrado nas universidades israelenses. Em Jerusalém, em meio à paisagem luminosa das construções feitas de calcário – uma exigência que serve para todos os prédios e deu origem à alcunha de Cidade de Ouro –, a Universidade Hebraica ostenta números de fazer inveja a qualquer centro acadêmico brasileiro. “Aqui a ciência aplicada não é palavrão”, afirma Renee Ben-Israel, vice-presidente da Yissum, a empresa de transferência de tecnologia da universidade. A partir da venda das patentes criadas por 320 pesquisadores que atuam em áreas como a oncologia e a biologia molecular, a Yissum fatura mais de US$ 1 bilhão por ano. Seus clientes são companhias como Johnson & Johnson, Novartis e Philips.
Para a comitiva de brasileiros que esteve em Israel, chamou a atenção especialmente a liberdade com que a Yissum desempenha seu papel. No Brasil, seu equivalente são os chamados NITs (Núcleos de Transferência de Tecnologia), mas seu engessamento, fruto de uma cultura pouco familiarizada com a pesquisa aplicada, é apontado como obstáculo intransponível para o surgimento de negócios em série. “Nós não podemos interferir no trabalho do pesquisador. Mas, fora isso, temos total autonomia para operar”, afirma Renee. Para Leonardo Guimarães, diretor executivo do Porto Digital, de Recife (PE), o Brasil pode extrair lições valiosas da academia israelense. “As universidades de Israel deixaram para trás há muito tempo a ideia de que os papers devem ficar restritos à academia”, diz Guimarães. “O governo também é muito desembaraçado e, em alguns casos, pode até se tornar sócio de empresas de tecnologia.” O processo de patentes no Brasil, na avaliação de Naldo Dantas, da Anpei, também avançaria ao se aproximar do modelo de Israel. “Enquanto as incubadoras de lá já foram privatizadas e podem inclusive receber aporte de fundos, aqui levamos de seis a oito anos para aprovar uma patente”, afirma.
NEGÓCIOS E GUERRA
Palco de numerosas batalhas, ao longo das últimas décadas Israel desenvolveu uma cultura bélica respeitada em todo o mundo. Para citar apenas uma mostra do seu poderio, hoje o país possui a quarta maior força aérea do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, Rússia e China. Homens e mulheres têm de servir nas forças armadas por três e dois anos, respectivamente. Em muitos casos, o primeiro contato de futuros empreendedores com alta tecnologia ocorre no exército. Dessa proximidade, não raramente nascem alguns negócios. Esse é o caso da Aeronautics, fabricante de aeronaves não tripuladas e outros equipamentos de segurança fundada em 1997 na pequena cidade de Yavne por Avi Leumi, 46 anos, e Moshe Caspi, 50. Em uma oficina com a bandeira de Israel (o que, aliás, pode ser visto em diversas empresas) e um porta-retratos com Shimon Peres, mecânicos trabalham no desenvolvimento de aviões, helicópteros e salas de controle que, além de servirem ao país em áreas conflagradas como a Faixa de Gaza, são exportados para países como Polônia, Canadá e Grécia. “Estamos tentando vender alguns desses equipamentos para o Rio de Janeiro”, diz Haim Nissim, responsável pela área de desenvolvimento de novos negócios. Um dos produtos que, segundo ele, teria agradado ao governo carioca foi o Skystar 300, espécie de balão com uma câmera de vídeo acoplada que é capaz de fazer imagens aéreas num raio de 360º. “Na Copa e na Olimpíada, poderia ser muito útil para conter os casos de violência na cidade”, diz Nissim.
A presença das forças armadas na vida das pessoas é tamanha que não faltam casos de quem faça networking durante o expediente militar. “Já peguei carona no jipe de um bilionário que está na lista da Forbes”, diz Shmuel Chafets. A despeito da nuvem negra que invariavelmente paira sobre esse tipo de experiência, há quem defenda a vivência militar como forma de forjar lideranças que, futuramente, podem servir às empresas. “Além disso, como todo cidadão israelense tem de servir, sem exceção, somos um povo que não liga muito para hierarquias”, afirma Chafets, que deixou a farda há sete anos mas, como todo soldado com menos de 40 anos, tem de estar a postos um mês a cada ano e, no caso de um conflito, tem de deixar tudo de lado e apresentar-se para o combate.
No décimo segundo andar do Ramat Aviv Tower, o ex-soldado Chafets é mais um caçador de start ups. Com sua fala rápida e o inglês impecável que volta e meia dispara frases como “We have to think global”, ele é o membro mais jovem de um time que administra US$ 600 milhões em empresas de setores como tecnologia da informação, internet, mídia e medicina. Seus dias são divididos entre Tel-Aviv, o centro da vida econômica de Israel, Cingapura e o Leste Europeu, onde estão as empresas presentes no portfólio do Giza, e os Estados Unidos, onde ele levanta capital com investidores. Nos períodos em que a vida segue calma, ele gosta de reservar um tempo para se dedicar a promessas como a Soluto, empresa fundada por três jovens que, entediados com o tempo que seus PCs levavam para reiniciar, desenvolveram um software que melhora a performance das máquinas a partir de uma base de soluções alimentada pelos próprios internautas. “No nosso mercado se diz que o investidor é o cara que bebe vinho, enquanto o empreendedor é adepto de cerveja. Eu sou daqueles que ficam com a cerveja”, diz Chafets, resumindo sua atividade e, mais uma vez, ajudando a lembrar quais são as fontes em que mais se bebe no país das start ups.
Fonte: Revista Época Negócios, 29/12/2010
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