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Presidente da Aché, José Ricardo Mendes, revela os planos da empresa para o futuro!

"Queremos fornecer medicamentos para o mercado mundial"

O engenheiro mecânico paulista José Ricardo Mendes da Silva ingressou há dez anos no laboratório brasileiro Aché, o quarto maior do País, com a missão de aumentar a rentabilidade e preparar sua entrada na bolsa de valores.

Por Clayton NETZ e Marcio ORSOLINI

“Um IPO do Aché vai depender dos resultados deste ano, que prometem ser muito bons”, diz. Hoje, aos 56 anos, ele comanda uma nova fase do Aché. Em 2012, o laboratório terá seu recorde de lançamentos: 36 novos medicamentos chegam às prateleiras contra a média anual anterior de sete produtos. A nova leva é fruto de R$ 120 milhões em investimentos nos últimos quatro anos. No entanto, a principal aposta do laboratório é a criação da BioBrasil, empresa que reunirá também os laboratórios EMS, Hypermarcas e União Química para pesquisa e desenvolvimento em biotecnologia. A nova companhia terá como foco medicamentos fornecidos exclusivamente ao governo para o tratamento de doenças como o câncer e direcionados à exportação. Provavelmente, a BioBrasil contará com a participação do BNDES.

 DINHEIRO – O governo tentou articular a criação de uma empresa farmacêutica forte a partir da união de laboratórios nacionais. Como estão as conversas?

JOSÉ RICARDO MENDES DA SILVA – Aquilo que se convencionou chamar de Big Farma seria uma empresa forte em medicamentos sintéticos, mas é um projeto que não vai acontecer. As entidades envolvidas já se conscientizaram de que não é algo atraente, porque as empresas têm tido bons resultados sozinhas. Apenas alguns laboratórios menores serão eventualmente vendidos. O que existe hoje é um esforço para o investimento em biotecnologia, que será o novo passo para tratamentos de saúde. Nesse sentido, haverá uma cooperação entre as empresas.

DINHEIRO – Existe alguma proposta concreta?

MENDES DA SILVA – Estamos finalizando a criação de uma nova empresa que unirá o Aché, a EMS, a Hypermarcas e a União Química. Ainda não há um nome definido, mas internamente chamamos de BioBrasil. As conversas começaram há um ano e o acordo de acionistas já deve ser finalizado no início de março. A partir daí teremos uma empresa de pesquisa em biotecnologia com capital de R$ 500 milhões. O presidente será o Odnir Finotti, que deve deixar o comando da ProGenéricos. O capital será dividido em partes iguais entre os acionistas. Estamos negociando a entrada do BNDES e decidiremos isso na próxima semana. O banco tem interesse, porque queremos fornecer novos produtos para o mercado mundial.

DINHEIRO – Como a nova empresa vai beneficiar o mercado?

MENDES DA SILVA – A BioBrasil vai auxiliar o governo brasileiro a ter produtos biotecnológicos a preços mais acessíveis para distribuir em seus hospitais e no sistema de saúde. Elegemos sete produtos, principalmente para o tratamento de câncer, para a fabricação de similares. Em paralelo, teremos pesquisa de novos medicamentos. Vamos escolher um determinado tipo de patologia para pesquisar um novo produto.

DINHEIRO – A indústria brasileira está preparada para o desenvolvimento de medicamentos tão complexos?

MENDES DA SILVA – Sim. Inclusive, já trouxemos alguns técnicos do Exterior e muitos brasileiros que estão fora do País querem participar desse processo. A dificuldade dos medicamentos biotecnológicos é produzi-los em larga escala. Então, vamos ter um laboratório com uma unidade fabril. Ainda não posso dizer onde será.

DINHEIRO – A participação do Brasil  é de apenas 1,2% dos estudos clínicos feitos no mundo. Por que o índice é tão baixo?

MENDES DA SILVA – Não houve um investimento visando inovação,  ao longo das últimas décadas. Isso começou a se reverter com a lei de patentes, de 1997, quando o mercado passou a ser estimulado a inovar. O Brasil perdeu o bonde da história na pesquisa de medicamentos sintéticos porque naquela época já havia um mercado competitivo. Agora, com biotecnologia temos a chance de acompanhar o desenvolvimento histórico dessa nova geração de produtos. A indústria nacional começa também a ter uma mentalidade de inovação e de internacionalização.

DINHEIRO – No ano passado, houve uma redução no ritmo de aquisições no setor. Por quê?

MENDES DA SILVA – Os ativos ficaram supervalorizados no País. Além disso, os acionistas dos laboratórios nacionais perceberam que o Brasil é um mercado muito promissor para abrir mão de suas operações. O acionista do Aché, por exemplo, não quer se desfazer de um ativo que vem crescendo.

DINHEIRO – Na contramão dos laboratórios, o varejo farmacêutico está se consolidando num ritmo acelerado, como mostram as fusões entre grupos como Droga Raia e Drogasil e Drogaria São Paulo e Drogaria Pacheco, ocorridas no ano passado. Isso cria algum problema para os fabricantes e para o mercado?

MENDES DA SILVA – Num primeiro momento,  não tem efeito sobre a indústria. Em relação ao consumidor, depende do limite desse processo. As autoridades de defesa econômica têm de observar essa movimentação. Como o País  conta com fortes redes regionais, a competição ainda se mantém – o share das dez maiores redes não chega a 30% . Não podemos permitir é que se reproduza o modelo do Chile, cujo mercado é controlado por apenas três cadeias, o que não é bom. No Brasil,  para explicar o processo é preciso entender que quem está ganhando dinheiro são as farmácias. É possível encontrar medicamento de referência mais barato do que um genérico. O preço, na verdade, é mais barato para a farmácia. Por exemplo, eu vendo um produto de marca por R$ 70 e a farmácia vende um genérico por R$ 69, quando na verdade ela comprou do laboratório por apenas R$ 30. A farmácia fica com toda a diferença. Isso é perverso porque prejudica o consumidor.

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O Aché é o quarto maior laboratório do País em receita bruta, atrás de EMS, Hypermarcas e Medley.

DINHEIRO – Qual é o grande problema em relação às regras do mercado?

MENDES DA SILVA – O que queremos é uma melhora no sistema de rastreamento dos medicamentos, que hoje é feito por lote. Não dá para checar de onde veio exatamente uma caixa de remédio. Por exemplo, se ele foi falsificado, não há como descobrir. O ideal seria ter um codificador que possibilitasse ler na hora no meu banco de dados que o produto é meu assim que sai do caixa da farmácia. Assim nós acompanharíamos todo o seu trajeto.

DINHEIRO – Quais são os prejuízos causados pela falta de um sistema de rastreamento mais detalhado?

MENDES DA SILVA – Roubo de carga e eventuais falsificações que prejudicam o consumidor e a imagem do laboratório. Com essa falha, é impossível saber onde aconteceu a adulteração ou roubo. No caso do Aché, cerca de 1% do faturamento, ou seja, R$ 20 milhões por ano, é perdido nesses casos. O maior prejuízo, no entanto, é com a imagem da empresa.

DINHEIRO – Como está o relacionamento entre os laboratórios nacionais e as multinacionais?

MENDES DA SILVA – A relação é muito boa, mas de vez em quando brigamos na Justiça (risos). Temos um relacionamento nas entidades, mas os interesses são muito diferentes. As multinacionais querem prorrogar suas patentes e isso confronta com nosso objetivo de acesso ao mercado. Durante o ano passado, o Aché esteve envolvido numa batalha judicial com uma multinacional sobre um antidepressivo que, de certa forma, prejudicou a população. Recebemos a autorização da Anvisa para comercializar nosso produto, mas tivemos que tirá-lo do mercado por conta de ações judiciais. Com isso, o consumidor, principalmente o de menor poder aquisitivo,  perdeu o acesso a um medicamento mais barato. Felizmente, conseguimos reverter a situação no final do ano.

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Concentração: em 2011, Drogasil e Droga Raia anunciaram fusão.

DINHEIRO – Em sua recente viagem a Cuba, a presidenta Dilma Rousseff anunciou uma parceria na área farmacêutica, especificamente em biotecnologia. O sr. acredita que Cuba possa ser uma referência para o Brasil em biotecnológica?

MENDES DA SILVA – Sim. Estamos estudando estabelecer parcerias naquele país. Cuba desenvolveu alguns bons produtos em biotecnologia e tem inteligência para desenvolver novos medicamentos.

DINHEIRO – No início dos anos 1990, não faltou quem prognosticasse o desaparecimento dos laboratórios nacionais. Passado pouco  mais de 20 anos, verifica-se que essa previsão não se cumpriu. Ao contrário: entre as cinco maiores farmacêuticas, três são brasileiras.  Por que isso aconteceu?

MENDES DA SILVA – O gap tecnológico entre estrangeiras e nacionais diminuiu. As multinacionais estão com dificuldade para ter novas patentes. Ao contrário do que aconteceu com os medicamentos sintéticos, vamos encostar neles em biotecnologia. Além disso, as empresas brasileiras conhecem bem o País e estão mais espalhadas. As multinacionais ficam presas aos mercados tradicionais do Sudeste. Nenhuma delas tem uma presença tão forte no Nordeste quanto o Aché, por exemplo. Estamos onde a população brasileira precisa.

DINHEIRO – E o IPO quando sai, afinal?

MENDES DA SILVA – Vamos ter de esperar o resultado de 2012, que será o ano do Aché. Vamos crescer organicamente, com o lançamento de novos produtos. Esse é um segundo ciclo de crescimento da empresa. Até 2008 nós não tínhamos um programa forte de renovação de portfólio. Na época, decidimos investir nisso e a partir daí montamos uma máquina de conceber, desenvolver e lançar medicamentos. No ano seguinte, o crescimento foi de 33%. Como a situação agora é semelhante, se os resultados deste ano forem positivos, consideraremos o IPO. Não temos pressa nem necessidade imediata de uma abertura de capital: temos caixa para todos os investimentos já previstos, incluindo os exigidos pela BioBrasil.  Nosso faturamento deverá crescer mais do que os 18% registrados no ano passado, quando nossas receitas chegaram a R$ 2,2 bilhões.

Fonte: Clayton Netz e Marcio Orsolini, Revista Isto É Dinheiro, 02/03/12