Nas últimas semanas, o Brasil enfrentou mudanças bruscas de temperatura, com ondas de calor intenso afetando o país. Mas o fato não é uma novidade nem uma exclusividade dos brasileiros. Em 2018, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com 26 instituições acadêmicas de todos os continentes, já apontava as mudanças climáticas como a maior preocupação na área de saúde do século XXI ao publicar o relatório Lancet Countdown - Contagem regressiva para a saúde e mudanças climáticas.
O aumento da temperatura global já é sentido nas atuais ondas de calor, nas doenças transmitidas por vetores e na segurança alimentar de populações de todas as regiões do mundo, segundo o documento.
Dados da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo apontam que o número de atendimentos ambulatoriais e de internações por exposição ao calor subiu 102%, nos sete primeiros meses deste ano, em comparação com 2022.
Roberta Ricardes Pires, diretora técnica da Saúde da Criança da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, explica que os períodos de transição entre as estações do ano podem gerar variações bruscas de temperatura no corpo humano. “Por conta dessa mudança, o nosso corpo sente os efeitos dessas alterações de temperatura, dificultando a termorregulação corporal, que é o mecanismo utilizado para manter a temperatura do corpo.”
O grupos mais atingidos são idosos e pacientes com doenças crônicas, além da população infantil menor de quatro anos. Por sentirem menos sede e fazerem uso de medicamentos diuréticos, os idosos sofrem mais com hipertermia e desidratação. Já crianças são mais vulneráveis por terem o sistema de regulação da temperatura mais imaturo.
Cuidados com a saúde nos novos tempos
A Hapvida Notredame Intermédica tem entre seus beneficiários cerca de 760 mil idosos com mais de 61 anos, o que corresponde a 9% da carteira, e um número grande de crianças de 0 a 10 anos, que equivale a 15% da carteira.
Os dois públicos geralmente são os mais afetados pelas mudanças climáticas e que demandam maior necessidade de atendimento médico. No entanto, Anderson Nascimento, vice-presidente de Operações, diz que ainda não foi observado aumento significativo de demandas de atendimento.
Ele explica que a rede própria de pronto atendimento é acompanhada por uma sala de controle para alertar a empresa, em tempo real, sobre o fluxo de pacientes.
Em relação aos possíveis impactos das alterações climáticas na rede privada de saúde, Nascimento explica que, devido ao modelo de negócio verticalizado e integrado da operadora, é possível fazer um acompanhamento dos pacientes. A rede própria de serviços com hospitais, clínicas, laboratórios e ambulatórios garante acesso ao histórico do paciente em todas as unidades. Desta forma, é possível alcançar uma previsibilidade de pontos de atenção, o que permite reduzir impacto na rede de atendimento.
O vice-presidente destaca que ainda não existe em curso uma mudança a ser implementada decorrente de um possível aumento no número de atendimentos relacionados aos extremos de temperatura.
“Nosso planejamento é diário. Contamos com ferramentas que geram indicadores assistenciais e de qualidade, o que nos ajuda a direcionar as estratégias e, por meio do nosso sistema integrado, permite ajustes de head count (profissionais de saúde), assim como abertura de leitos de forma imediata, se houver necessidade”, explica.
Nascimento ressalta que é importante os serviços de saúde estarem em alerta e se planejarem. “Temos uma facilidade no planejamento por conta do nosso modelo de negócio, que facilita o acompanhamento da jornada de grupos de idades extremas e ajuda a sanar as respectivas necessidades.”
Impactos das alterações climáticas no sistema de saúde
Segundo Beatriz Oliveira, pesquisadora em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), as mudanças climáticas interferem direta ou indiretamente na saúde. Agravam a dinâmica de transmissão de algumas doenças (transmissíveis ou não) e exacerbam efeitos mais graves, levando a um maior número de internações e mortes.
“Os impactos variam entre os territórios e são, em sua maioria, distribuídos de maneira assimétrica entre as regiões do país, com as populações menos favorecidas sofrendo mais impactos. Para o setor de saúde, o desafio é atuar intersetorialmente com o objetivo de fortalecer e implementar de maneira rápida um conjunto de instrumentos que permita obter, de forma oportuna, informação dos eventos e das mudanças climáticas e suas implicações para determinados agravos e, então, realizar intervenções eficazes”, destaca.
Beatriz pontua que, no contexto atual e imediato diante dos eventos extremos de calor, o setor está se organizando para o aumento de atendimentos sensíveis ao clima, especialmente em grupos de idosos, crianças, gestantes e indivíduos com condições crônicas de saúde.
“Os efeitos do aumento da temperatura podem sobrecarregar diversos setores da saúde, fragilizando o acesso, a qualidade dos atendimentos e o adoecimento dos profissionais de saúde. Recomendações e orientações individuais e coletivas são reforçadas, como cuidado com a hidratação, uso de proteção solar (protetor, óculos e vestimentas mais leves), redução da exposição em horários de picos, cuidado redobrado com idosos e crianças e adoção de hábitos mais saudáveis (alimentação e sono).”
O que pode ser feito?
Planejar, fortalecer e aperfeiçoar os serviços de atenção à saúde e os sistemas de informação para uma vigilância dos agravos sensíveis ao clima, com ações de gestão de risco, monitoramento e difusão de informação, podem ser alguns caminhos para minimizar os impactos causados pelas alterações climáticas no sistema de saúde.
Porém, isso implica em investimento e fortalecimento de uma rede de pesquisa que realize a integração de riscos climáticos, ambientais, socioeconômicos e de saúde. E que também contribua com a geração de informações estratégicas de apoio à gestão dos serviços ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
“O enfretamento às mudanças no clima é complexo e envolve atuação intersetorial de diversas esferas governamentais, pesquisadores, atores sociais e a população. No caso específico de extremos de temperatura, precisaremos incluir políticas para redução da vulnerabilidade, de aumento da capacidade de resposta a esses eventos e redução de riscos futuros”, comenta Beatriz.
Em São Paulo, segundo Roberta, da Secretaria de Estado da Saúde, hoje as medidas tomadas visam à divulgação, por meio da imprensa e das redes sociais, de informações para a população sobre os cuidados que se deve ter nos dias mais quentes, por exemplo.
Não existe uma política definida ou a necessidade de mudanças no sistema de saúde para enfrentar os impactos que as alterações climáticas causam nas pessoas e, consequentemente, nas unidades de saúde.
“Para uma necessidade de ampliação no atendimento, os hospitais disponibilizam uma estrutura física capaz de aumentar o atendimento em 30%, desde que disponibilizados novos recursos humanos entre médicos e enfermeiros”, destaca ela.
Na avaliação de Beatriz, antecipar a resposta às doenças causadas pelo clima ainda é um desafio, pois envolve a integração de um campo interdisciplinar para o desenvolvimento de instrumentos e ferramentas de modelagem e plataformas de gestão de risco.
“O ideal é sempre anteceder e minimizar os riscos, protegendo as populações mais vulneráveis e a ocorrência de desfechos mais graves. É fundamental a elaboração de planos de preparação integrados, incluindo investimento no sistema de saúde e garantindo a oferta de serviços básicos, profissionais capacitados e recursos para enfrentamento de emergências climáticas”.
Texto: Cristina Balerini