Se você, como eu, é do time “áudio não é mais fácil” pelo whatsapp e ainda não utilizou o Clubhouse, deve ter se perguntado como uma rede social baseada em áudio pode estar fazendo tanto sucesso. A resposta é simples: a experiência do usuário é mais parecida com uma conversa em uma mesa de bar do que receber áudios “soltos” aleatoriamente em uma conversa por escrito.
A imposição de isolamento e distanciamento social nos levou a uma enxurrada de lives e videoconferências em 2020. Antes mesmo do ano terminar, o termo Zoom fatigue já havia sido cunhado e tem sido estudado desde então. Ele define o cansaço, o esgotamento mental e até a ansiedade que sentimos ao usar demasiadamente os chats por vídeo. Pesquisadores de Stanford levantaram hipóteses para que isso aconteça, entre elas está o fato de nos vermos a todo momento em tempo real e nossa mobilidade natural ser drasticamente reduzida, causando, assim, uma sobrecarga cognitiva.
Além disso, todo mundo que realiza seu trabalho ou se reúne com amigos e familiares nestas plataformas já sofreu em algum momento com o caos que se forma quando duas ou mais pessoas querem falar ao mesmo tempo: um áudio se sobrepõe ao outro e a comunicação fica completamente truncada e inefetiva. Em contraposição, a tecnologia por trás do Clubhouse permite que as conversas sigam com maior fluidez, sem perda de informação sonora, mesmo em momentos onde duas ou mais falas coincidem.
A rede social com modelo de ingresso exclusivamente através de convite reforça a percepção de clube. Afinal, quem não quer fazer parte do mesmo grupo e participar de conversas com Mark Zuckerberg, Elon Musk ou Bill Gates? Os convites são tão cobiçados que foram listados no eBay por até US$ 89. “Em um mundo onde somos alimentados com material baseado em algoritmos, ser uma parte exclusiva de uma comunidade íntima sempre terá um lugar em um cenário de mídia lotado”, diz um professor de mídia. Apesar de estar próximo de completar 1 ano de vida, o app chegou ao Brasil há pouco mais de 1 mês e quem está em qualquer outra rede social já percebeu o burburinho que causou.
A plataforma ainda sobrevive sem monetização e há quem acredite que sua escalabilidade será um problema, pois terá dificuldades em manter seu apelo essencial, acabando como um “clone do Twitter habilitado para áudio”. De acordo com o NY Times, o Clubhouse está seguindo um caminho inicial clássico do Vale do Silício que empresas de mídia social como Twitter, Snapchat e Facebook também trilharam: crescimento viral seguido por problemas complicados que vêm com ele – como questões de privacidade e denúncias de assédio.
Enquanto a rede vem ganhando milhares de usuários no Brasil, o Saúde Business tem acompanhado as discussões do setor e conversou com alguns usuários vanguardistas do app sobre a relevância dos debates na plataforma. Confira a opinião de nossos entrevistados.
Para Paula Mateus, Gerente na Relação com Hospitais e Rede na Saúde iD do Grupo Fleury, o Clubhouse faz as vezes dos corredores de congressos e eventos e ainda faz melhor. A roda de conversa que antes era formada por 2 a 3 pessoas no espaço físico, hoje reúne 10-12 pessoas como speakers na sala virtual e permite que qualquer um ouça a conversa e possa interagir. “Quem sabe faz ao vivo! Estamos mais com a cara e a coragem, as pessoas estão mais espontâneas, mais verdadeiras, com conversas mais reais, dores mais expostas e não tão briefadas como em um congresso.”
Para André Ballalai, Diretor Associado de Acesso ao Mercado Global na IQVIA*, baseado em NY, a plataforma não substitui o cara a cara, mas é uma boa alternativa para a situação em que vivemos. “Por estar no começo, ele fez muitos mundos se conectarem. Poucos congressos tinham essa possibilidade. Pra mim o Clubhouse virou o intervalo do congresso, do evento, que você faz networking. Todo mundo estava sentindo muita falta disso.”
Para Nathália Nunes, ex-editora-chefe da Informa Markets e consultora de projetos de tecnologia em saúde, o app funciona não apenas para encontros aleatórios, mas aproxima a rede das altas lideranças do setor de saúde, promovendo um networking qualificado, “coisa que não tem como acontecer em um período como o de agora”.
Todos concordam que o fato do aplicativo ainda ser disponível somente para iOS enviesa de certa forma as conversas dentro uma faixa socioeconômica. “Quando a plataforma estiver aberta para Android, teremos uma capilaridade significativa para participação na discussão de saúde. É importante que essas conversas e esse conhecimento sejam mais compartilhados dentro do setor”, afirma Nathália.
O uso da ferramenta por parte de marcas é bem vista e até esperada. “Vai ser um grande canal de comunicação e de vendas das marcas. Imagine um SAC ao vivo, porque você entra ali e fala direto com os clientes e com as dores deles, com o que eles estão vivendo de uma maneira super espontânea”, diz Paula. “Outra coisa muito legal é que dá direito de resposta ao vivo. Já vi mais de uma vez alguma empresa citada, o presidente receber uma mensagem de alguém que está assistindo e entrar na sala para responder”, conta Nathália.
André ressalta que daqui para frente as organizações começarão a fazer orientações de uso do Clubhouse para os funcionários. “As empresas que forem inteligentes vão fazer o que? Um media training [treinamento de mídia] básico pra todo mundo. Boas práticas!” A principal preocupação visa a proteção da propriedade intelectual do negócio. Para ele, a participação das marcas nas salas virtuais vai humanizar suas relações e quebrar um pouco a imagem corporativa e controlada.
É unanimidade que a plataforma facilita o acesso a discussões importantes e cria conexões mais reais. “Diferente das outras redes sociais, não tem filtro onde você escreve a coisa pensada. As pessoas me seguem ali, não pra ficar olhando a minha vida. Elas entram ali e me seguem pra me escutar”, reforça Paula.
O áudio é um meio íntimo. Você pode ouvir as inflexões no tom de voz das pessoas que transmitem emoção e personalidade de uma forma que o texto sozinho não consegue. Jeremiah Owyang, analista da indústria de tecnologia, fez a seguinte colocação no Channel News Asia: “para a década de 2020, texto não é suficiente e vídeo é demais, o áudio social é perfeito”.
Se quiser conhecer mais a fundo o modelo de negócio que mistura plataforma, rádio, podcast e rede social, você pode conferir o estudo de caso do Clubhouse feito pela FourWeekMBA (em inglês) aqui.