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O cenário da saúde mental no Brasil

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Pesquisas apontam crescimento nos atendimentos de saúde devido a transtornos mentais, o que gera diversos impactos e preocupação da sociedade com o tema

O pós-pandemia, junto com fatores como o intenso uso de redes sociais, economia, solidão, estresse e violência, deflagrou uma crise de saúde mental de maneira global. Casos de depressão, ansiedade e síndrome de Burnout têm crescido sobremaneira. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de um bilhão de pessoas no mundo - uma em cada oito - apresentam pelo menos um problema relacionado à saúde mental.

Os transtornos mentais são a principal causa de incapacidade, além do impacto que as doenças geram na expectativa de vida: pessoas com condições graves de saúde mental morrem em média 10 a 20 anos mais cedo do que a população em geral, principalmente devido a doenças físicas evitáveis.

Um levantamento da consultoria Alvarez & Marsal aponta um crescimento anual de 12% a 15% nos últimos quatro anos em atendimentos de saúde no Brasil devido a transtornos mentais. O país tem o 3º pior índice de saúde mental do mundo, conforme dados do relatório global anual “Estado Mental do Mundo 2022”. No primeiro semestre de 2023, em comparação com o mesmo período de 2022, houve um aumento de 37% na aquisição de antidepressivos, segundo mapeamento da Vidalink em 250 empresas.

Impactos dos transtornos mentais na sociedade

Walter Ferreira de Oliveira, professor titular do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), líder do Grupo de Pesquisas em Políticas de Saúde / Saúde Mental (GPPS) e fundador da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), comenta que o custo dos transtornos mentais pode ser sentido em várias esferas: sociais, biológicos, financeiros e emocionais. Seus impactos podem ser observados, por exemplo:

  • Economia: os transtornos podem prejudicar a produtividade e o desempenho no trabalho e gerar custos crescentes nos sistemas de saúde e na assistência social;
  • Sociedade: afetam relacionamentos interpessoais, impactam na inclusão social e podem resultar em discriminação, isolamento e violação dos direitos humanos. Além disso, contribuem para um aumento nos índices de violência, abuso e suicídio (estudo realizado pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), em colaboração com pesquisadores de Harvard, aponta que a taxa de suicídio entre jovens cresceu 6% ao ano no Brasil entre os anos de 2011 e 2022).
  • Individualidade: os transtornos mentais contribuem para reduzir a qualidade de vida de uma pessoa, afetando sua autoestima e confiança, e aumentando o risco de doenças físicas, como doenças cardiovasculares, diabetes e infecções.

Para Erica Maia, gerente de saúde mental da Conexa Saúde, sem dúvida o primeiro impacto do aumento dos transtornos mentais está na elevação dos custos com saúde. “Desde a pandemia, muitas pessoas perderam acesso a serviços de saúde, outras tantas demoraram para conseguir um primeiro atendimento e, por conta disso, as doenças se agravaram. Isso é uma verdade para todas as doenças, inclusive dentro do contexto de saúde mental.”

Esse quadro pode resultar em um prejuízo maior na funcionalidade do indivíduo e na sua produtividade. “Se pensarmos em um quadro de depressão, uma pessoa que não tem acesso a tratamento, muito provavelmente, terá agravado seu quadro, demandando muito mais dos serviços de saúde e perdendo a habilidade de desempenhar de forma suficiente suas atividades para atender às necessidades do seu dia a dia, inclusive no trabalho. Além do custo direto com saúde, também existe uma maior demanda sobre os serviços de saúde, o que acaba virando uma bola de neve do ponto de vista social (mais demanda gera mais atrasos, e mais atrasos geram mais agravamento de doenças, que geram mais demanda)”, avalia Erica.

O Relatório de Dados de Saúde Mental de 2022, elaborado pela Conexa em parceria com a Eurofarma, aponta aceleração do adoecimento da população do país. Os dados foram retirados da plataforma Psicologia Viva, uma das marcas da Conexa, entre julho de 2021 a junho de 2022. Em julho de 2021, havia pouco mais de 140 mil novos registros de usuários. Em junho de 2022, esse número saltou para mais de 184 mil.

Impactos no trabalho

Além dos impactos no sistema de saúde, é preciso destacar ainda o potencial prejuízo dos transtornos mentais no ambiente de trabalho, com fortes impactos na economia.

A perda de produtividade como resultado de dois dos transtornos mentais mais comuns, ansiedade e depressão, custa à economia global cerca de US$ 1 trilhão por ano. Em 2030, esse valor deve estar próximo a US$ 6 trilhões, segundo artigo publicado na revista The Lancet sobre saúde mental.

Segundo uma pesquisa global realizada pela Sodexo com 5.595 profissionais que atuam em empresas de diferentes setores, em seis países, o nível de bem-estar mental é médio ou ruim para 27% dos colaboradores, sendo o trabalho apontado como o principal motivo (80% dos casos) diretamente ligado ao estresse (39%). Quando a saúde física é ruim (10%), o trabalho também é a causa (75% dos casos) devido à falta de tempo para se exercitar (42%) e preparar alimentos saudáveis (21%).

A relevância do tema tem feito com que os profissionais cogitem uma mudança de emprego para conseguirem um ambiente de trabalho mais saudável. Segundo uma pesquisa realizada com 500 profissionais brasileiros pela plataforma Onlinecurriculo para entender a relação dos trabalhadores entre o espaço de trabalho e sua saúde mental, 56% dos profissionais disseram não pretender permanecer em ambientes de trabalho que não sejam saudáveis; 4% cogitariam permanecer no emprego pelo bom salário.

O que pode ser feito?

Segundo Walter, as ações que vêm sendo tomadas para tratar o tema não são suficientes. “Na verdade, são mínimas, embora seja importante destacar que, no campo da saúde mental, temos visto avanços.” Em 2022, por exemplo, o Governo Federal lançou iniciativas e estratégias – que fazem parte da Política Nacional de Saúde Mental - para ampliar as ações e cuidar da saúde mental dos brasileiros pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Entre as ações estão a Linha Vida (196), teleconsultas para o enfrentamento dos impactos causados pela pandemia da Covid-19 e as Linhas de Cuidado para organizar o atendimento de pacientes com ansiedade e depressão.

“Mesmo com o atual sistema não conseguindo resolver todos os problemas, vemos boas iniciativas, mas precisamos de medidas radicais e urgentes do ponto de vista global. O que vemos ainda hoje são medidas e discussões que não saem do papel”, diz ele.

Para Erica, é preciso quebrar o preconceito. “Uma das coisas que impede a aceitação da doença, (e, portanto, do tratamento), gerando todos os desdobramentos comentados, é o preconceito. Então, educação, informação, campanhas e tornar este tema tão natural quanto qualquer outro são fundamentais”, acredita ela.

Na opinião da especialista, ao promover o debate sobre o problema, ele poderá estar presente em cenários onde antes era improvável de estar, como nas escolas e nas empresas. “Isso está mudando. A promoção de ambientes saudáveis é algo que começamos a levar em consideração, mas ainda estamos em uma fase de amadurecimento muito inicial”, analisa.

Oliveira complementa destacando a importância de as instituições contarem com gestores de saúde com conhecimento sobre o tema. Além disso, é necessário instaurar uma rede de atenção psicossocial que ofereça diversos dispositivos de atendimento à população não só quando o indivíduo precisa de internação.

“É urgente contarmos com centros de assistência social, hospitais com atendimento especializado em saúde mental, centros de convivência, entre outros. Mas lembrando sempre que a proposta deve ser a de prevenção, para que uma pessoa não necessite de internação para que ela não tenha que se afastar da sociedade. Precisamos desenvolver uma rede de apoio e acolhimento bem estruturada, porém sem nos esquecermos de agir também nas bases que afetam a saúde mental das pessoas, principalmente dos jovens, para que eles não se sintam sozinhos”, destaca Oliveira.

A tendência que se vislumbra quando se fala sobre o tema é a de conscientização, na opinião de Erica. Neste escopo, vale destacar o ambiente de grandes organizações, com programas e benefícios de incentivo à promoção de saúde mental.

“É uma estratégia inicial, que precisa estar incorporada à cultura, mas extremamente válida para começarmos a avançar. Os serviços digitais seguem sendo tendência e não vejo isso mudando por longo prazo. A autonomia, flexibilidade, conforto e segurança que eles trazem estão em total consonância com as necessidades que temos hoje como ser humano. A melhor forma de nos prepararmos para atuar é com informação de qualidade e debate.”

A especialista acredita que as redes sociais podem ser uma aliada, mas é preciso saber separar informação de qualidade das “fake news” sobre saúde, preconceito disfarçado e banalização de doenças. “É fundamental que governos, organizações e comunidades trabalhem juntos para criar um ambiente de apoio e compreensão, garantindo que recursos adequados estejam disponíveis para lidar com os desafios crescentes na saúde mental.”

Para Oliveira, o tema saúde mental, apesar de ser uma preocupação da sociedade como um todo, ainda é muito restrito às universidades e a algumas pessoas, e o resultado disso é a falta de informação. “É preciso haver uma parceria de todos os setores, dos sistemas de saúde, da sociedade em geral, para que possamos debater e discutir políticas que possam ser implementadas, pois, na minha opinião, se continuarmos seguindo da forma que estamos fazendo, a tendência é de uma piora desse cenário, com impactos ainda mais negativos na economia, na saúde física e mental e no trabalho.”

A união de forças é o que também propõe a OMS, ao convidar todas as partes interessadas a trabalharem juntas para aprofundar o valor e o compromisso dado à saúde mental, remodelar os ambientes que influenciam a saúde mental e fortalecer os sistemas que cuidam da saúde mental das pessoas.