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Inflação e Saúde: Perspectivas Internacionais e Brasileiras

Quais as perspectivas de impacto da inflação na saúde do Brasil e Internacional? Confira matéria de nosso colunista convidado, e economista senior do Banco Mundial.

A Economia Política da Inflação em Saúde

Muito tem sido escrito sobre as razões que levam o aumento dos gastos em saúde a ser maior do que o dos demais setores. A influência da tecnologia médica sobre os custos, o envelhecimento populacional que leva ao consumo crescente dos serviços de saúde e as assimetrias de informação, são fatores tradicionalmente apontados para justificar o crescimento desproporcional nos gastos do setor.

Mas poucos tem avaliado a influência da eficiência setorial nos custos e nos preços dos bens e serviços de saúde. Sabe-se que o uso da tecnologia pode melhorar a eficácia dos tratamentos, mas não necessariamente a eficiência setorial (1). Um interessante estudo realizado recentemente pelo Instituto de Estudos da Saúde Suplementar (IESS) (2), colheu algumas interessantes evidencias. Nos Estados Unidos, a incorporação de tecnologia tem respondido entre 27% a 48% do crescimento dos custos em saúde. A incorporação de tecnologia vem, em grande medida, sendo alimentada pelo aumento da renda das familia e pelo crescimento dos processos de asseguramento em saúde. Além do mais, desde os anos noventa, acredita-se que boa parte das tecnologias incorporadas na saúde tem sido caras em relação aos benefícios gerados aos pacientes e, por este motivo, uma febre de estudos e instituições de avaliação tecnológica em saúde, como é o caso do National Institute for Clinical Excellence (NICE), tem surgido desde o início do novo milênio.

Novas tecnologias nos serviços hospitalares e ambulatoriais, diferentemente do que ocorre em outros setores, podem levar a maior utilização de recursos humanos e insumos, além de aumentar as necessidades de treinamento especializado e gastos com equipamentos adicionais. Assim, a despeito de ser o líder na geração de tecnologia, o setor saúde continua sendo mais intensivo no uso de mão-de-obra do que outros setores e a produtividade do trabalho cresce mais lentamente do que na média da economia (3).

Mas a demanda em saúde continua a crescer, com o aumento da renda e com o envelhecimento populacional. E como os salários pagos em saúde devem estar alinhados com os salários pagos nos demais setores da economia, para que possa continuar a atrair recursos humanos à longo prazo, o setor saúde passa a remunerar o trabalho em saúde como se tivesse uma produtividade maior do que a que realmente tem. O aumento nos salários não é acompanhado por uma redução da quantidade de trabalho em saúde. Com uma produtividade mais baixa, mas com a remuneração dos fatores relativamente alta, o gasto em saúde tende a crescer proporcionalmente mais, levando a uma inflação setorial maior do que a experimentada em outros setores da economia.

Estudos, como os de Van Elk, R. et alii (2009), tem analisado os efeitos do aumento dos preços no setor saúde nos países da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), para o período 1968-2003 (4). Se o crescimento dos preços em saúde afetasse a demanda na mesma proporção do que ocorrem em outros setores, o volume demandado de  serviços tenderia a se reduzir toda as vezes que os preços aumentassem. Mas a demanda no setor saúde aparenta ser inelástica. E as tentativas para regular os preços e a oferta no setor não funcionam para corrigir o problema. Assim, é comum encontrar situações onde os gastos com saúde aumentam quando os preços sobem e a quantidade demandada, quando se reduz, não leva a uma diminuição nos preços setoriais. Preços mais altos ou mais baixos afetam pouco o comportamento da demanda com saúde(5).

Os estudos conduzidos por Van Elk et alii (2009) nos países da OCDE levam às seguintes conclusões: (a) existe uma relação estável entre gasto de saúde a longo prazo, crescimento do PIB, preços setoriais e envelhecimento da população; (b) a elasticidade-renda do gasto em saúde é bastante elevada (nos países da OECD pesquisados se situa entre 0,93 e 0,96), e (c) os efeitos na inflação de um aumento nos preços de saúde (choque de preços) não desaparece a curto ou médio prazo, sendo absorvido sem muitas variações na composição do consumo privado das famílias.

Mas os efeitos do aumento dos preços da saúde na estrutura dos gastos públicos podem ser diferentes. Isto porque a composição dos gastos públicos é menos afetada pela variação dos preços do que pelas preferências do governo e dos políticos na alocação dos recursos orçamentários. Se outros setores fora da saúde pressionam para aumentar outros componentes do gasto público, sendo os recursos orçamentários finitos, o Governo pode optar por não aumentar o gasto em saúde, beneficiando as pressões políticas de outros setores.

Portanto, se os custos da saúde aumentam, não necessariamente estes aumentos são absorvidos na mesma proporção no orçamento público, a não ser que hajam pressões do próprio governo (que em geral é produtor de serviços de saúde),  dos setores que produzem insumos para a saúde financiada pelo governo (sindicatos de profissionais, fabricantes de insumos e equipamentos, etc) e das famílias. Como os políticos buscam a legitimidade e o voto, poderiam aceitar o aumento dos gastos públicos em saúde sempre quando esse processo gera a satisfação de seus grupos de interesse ou benefícios eleitorais.

Quanto os Gastos em Saúde absorvem do Crescimento da Renda?

Tomando em conta a idéia de que existe uma elevada elasticidade-renda em saúde, utilizamos a serie publicada pela Bloomberg L.P sobre Crescimento do Gasto em Saúde. O exercício realizado foi simples: verificar, para cada US$1000 de crescimento da renda nacional, quanto seria absorvido pelos gastos em saúde, para um conjunto de 58 países, considerando a média do período 2001-2011 (6). É evidente que, dadas as estruturas etárias envelhecidas e o uso intensivo em tecnologia, foram os países desenvolvidos que absorveram maiores parcelas do gasto em saúde, conforme pode ser visto na tabela 1.

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Como era de se esperar, os Estados Unidos é o país onde o gasto de saúde aumenta em maior proporção ao aumento da renda. Para cada US$1000 de aumento da renda nacional, cerca de 29% foram comprometidos com novos gastos em saúde, ao se observar o comportamento do período 2001-2011. No Brasil, para cada aumento de US$1000 na renda nacional, cerca de 9,5% estão comprometidos com saúde, ocupando a 24ª. posição neste ranking de países.

A variação dos gastos em saúde em relação a variação do crescimento da renda

Em todos os países do mundo, os gastos com saúde crescem mais do que a renda nacional. Vários fatores contribuem para isso, cabendo destacar aqueles já mencionados, como envelhecimento da população, tecnologia médica, a relativa ineficiência setorial e, adicione-se, a incorporação de direitos universais à proteção de saúde para todos, como um requerimento das sociedades contemporâneas. Mas quanto, e em que medida, os gastos em saúde tem aumentado mais que a renda nacional? A pesquisa publicada pela Bloomberg mostra que esse aumento pode variar de quase nada até o dobro, considerado o período 2001-2011. Os cinco países onde o aumento dos gastos com saúde se situou mais próximo do que o aumento da renda nacional foram Colombia, África do Sul, México, Peru e Rússia.

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Já os países onde os gastos com saúde mais aumentaram como proporção da renda foram Singapura, Estados Unidos, Nicarágua, Costa do Marfim e Eslováquia – todos  com crescimento dos gastos em saúde superior a 75% ao crescimento da renda nacional. O Brasil, mais uma vez manteve uma posição intermediária neste indicador, com um crescimento dos gastos em saúde 15% acima do crescimento da renda nacional, durante o período 2001-2011.

Tendências da Inflação da Saúde ao nível Mundial

Considerando-se a inflação em saúde, vale perguntar: a brecha entre o comportamento da inflação em saúde e da inflação geral, tem aumentado mais no Brasil do que em outros países? Para responder esta pergunta, utilizamos o estudo do IESS ja mencionado, que permitiu a comparação entre a variação dos custos médico-hospitalares e o índice de preços por atacado em 19 países, usando dados de um estudo realizado pela Companhia Consultora Towers Watson (7).

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O gráfico 1 mostra a razão entre a variação dos custos médico-hospitalares e os índices de preços por atacado em 19 países. Verifica-se que, com exceção do Egito, todos os demais países apresentaram entre 2008 e 2012 taxas de variação dos custos médico-hospitalares superiores as variações nos índices de preço por atacado. As maiores discrepâncias entre estes dois índices (superiores a 40%) ocorreram nos Estados Unidos, Irlanda, Canadá e Emirados Árabes. A manutenção desta tendência no longo prazo poderá representar num futuro não muito distante, uma forte mudança na composição do uso dos recursos do Governo, das Empresas e Famílias no sentido de absorver gastos médicos crescentes como proporção dos orçamentos públicos, das empresas e das famílias. Nesse sentido, um dos maiores desafios da modernidade é como evitar o crescimento dos gastos médico-hospitalares, através do aumento da produtividade em saúde, sem perder a qualidade e resolutividade dos tratamentos. Isso só poderia ser obtido através da redução dos preços relativos dos fatores de produção em saúde.

O Brasil encontra-se no meio da escala de crescimento da inflação médico-hospitalar, a qual tem sido em média cerca de 24% mais elevada do que a variação dos preços por atacado, considerado o período 2008-2012.

Considerações sobre a Inflação da Saúde no Brasil

A inflação no Brasil tem sido um dos grandes desafios dos últimos anos. Depois de conquistada a estabilidade econômica a duras penas, na segunda metado dos anos noventa, se conseguiu manter a inflação controlada por mais de uma década. Mas nos últimos anos, os fundamentos macroeconômicos que garantiam a estabilidade inflacionária – o controle do gasto público, a lei de responsabilidade fiscal, a independência do Banco Central e as políticas de câmbio e juros flutuantes – parecem estar perdendo o controle. Com isso, as taxas de inflação tem estado acima das metas fixadas pelo Governo e, num ano eleitoral, o Governo aparentemente não tem interesse em reduzir as taxas de inflação através de medidas que possam recuperar a estabilidade que vem se perdendo.

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Tomando como exemplo a inflação em São Paulo, pode-se dizer que nos últimos meses o ritmo de alta dos preços em saúde tem sido um dos principais fatores que tem impulsado o aumento no Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da FIPE. Entre a 4ª quadrissemana de abril e a 1ª de maio, os preços em saúde sofreram uma variação de 1,31% para 1,58%, influenciados pelo reajuste de até 6,31% no preço dos medicamentos.

Conforme pode ser visto no Gráfico 2, entre dezembro de 2010 e abril de 2014, a inflação de saúde medida de diversas formas, aumentou mais fortemente do que o IPC da FIPE. Mas especificamente, os preços da no setor saúde em São Paulo, medidos pelo IPC-SAUDE da FIPE, aumentaram 25,3% neste período, enquanto que a inflação, medida pelo IPC geral da FIPE, foi de 19,1%, no mesmo período. Num momento onde aumenta a incerteza quanto ao comportamento do Governo, muitos empresários do setor saúde poderão começar a aumentar preços, na tentativa de tentar antecipar seus ganhos futuros. É necessário, portanto, resgatar a credibilidade na economia para que se possa retornar a um cenário apropriado para implementar reformas de saúde que permitam aumentar a confiança e a produtividade setorial e amenizar o aumento do peso dos gastos em saúde sobre os consumidores.


Notas

(1)    Em alguns ramos de saúde, como a área de exames de análisis clínicas, isto parece ter ocorrido mundialmente, dado que a eficácia há aumentado e o custo dos exames e a quantidade empregada de trabalho neste sub-setor vem se reduzindo substanciamente nos últimos anos. Mas isso não vale para a maioria das áreas de tratamento e diagnóstico, incluindo o setor de imagem, onde tem avançado muito no uso de tecnologia, aumentando os custos sem um impacto correspondente na produtividade setorial.

(2)    Lara, N. e Leite, F., “Variação dos custos médicos hospitalares e inflação geral – porque esses índices não são comparáveis no Brasil e no mundo”, Estudo IESS/0059/2014. Ed. IESS, São Paulo, 2014.

(3)    Baumol, W., 1967, Macroeconomics of unbalanced growth; the anatomy of urban crisis, American Economic Review 57, pp. 415-426. Neste texto, o autor dstaca que em vários segmentos do setor serviços o uso intensive de mão de obra cria uma tendência ao aumento do preço de certos serviços em relação aos setores industriais e agrícolas, onde avanços na produtividade reduzem a quantidade de mão-de-obra utilizada.

(4)    Roel van Elk, Esther Mot, Philip Hans Franses. Modelling health care expenditures: Overview of the literature and evidence from a panel time series model. Studies of the CPB Netherlands Bureau for Economic Policy Analysis, No. 121, February 2009.

(5)    Nos Estados Unidos, estudos realizados nos anos noventa (Murthy and Ukpolo - 1994) mostraram que  um aumento de 1% nos preços em saúde tiveram como impacto uma redução de apenas 0,22% nos gastos em saúde.

(6)    Ver a página: http://www.bloomberg.com/visual-data/best-and-worst/biggest-rise-in-health-care-cost-relative-to-income-countries.

(7) Towers Watson, Global Medical Trends Survey, Report. Ver a página http://www.towerswatson.com/en/Insights/IC-Types/Survey-Research-Results/2014/05/2014-global-medical-trends-survey-report