Adotada pela Toyota e demais montadoras a partir dos anos 50, a metodologia Lean começa a ganhar força nos hospitais brasileiros. A Rede D'Or São Luiz, São Camilo e o Albert Einstein estão usando o Lean ou criaram procedimentos semelhantes na tentativa de diminuir a lotação dos prontos-socorros e melhorar a gestão.
O sistema Lean pode ser comparado ao processo de uma linha de montagem, onde cada funcionário tem uma função específica que deve ser cumprida em determinado tempo. Não à toa, a Rede D'Or São Luiz inicia, no segundo semestre, uma campanha publicitária que associa o seu novo formato de atendimento às paradas para troca de pneus nas corridas de Fórmula 1, em que cada mecânico é responsável por uma função nos boxes das equipes.
A ideia central do Lean é eliminar o desperdício de tempo com a adoção de procedimentos bem organizados. Na área da saúde, em especial nos hospitais, esse é um dos maiores problemas. Segundo levantamento realizado pelo São Camilo, de São Paulo, do tempo total que um paciente leva para ser atendido no pronto-socorro, 70% é de espera e os outros 30% são efetivamente usados para realização de exames e atendimento médico. "Desses 70%, é possível dizer que 49% poderiam ser eliminados. Já os outros 21% agregam valor porque, apesar de o paciente também estar aguardando, é nesse intervalo de tempo que são realizados exames ou checagem de medicamentos", diz Carlos Campos, gerente de Lean do Hospital São Camilo.
A fim de acabar com esse desperdício de tempo, os hospitais estão aderindo a esse formato de trabalho mais sistemático. Um exemplo: no São Camilo, a prescrição de medicamentos é impressa diretamente na farmácia, com isso o médico não precisa caminhar até essa área do hospital para levar a receita médica. Essa simples medida resultou em uma economia de 63 segundos por atendimento, o que pode parecer pouco, mas como são realizados 20 mil atendimentos por mês, a produtividade do hospital cresceu 24%.
Outro exemplo é o São Luiz, também em São Paulo. Agora o médico é quem se dirige até a sala para atender o paciente. Após esse atendimento, o profissional vai para outra consulta e uma enfermeira ajuda o paciente, caso haja necessidade. A área de medicina diagnóstica do São Luiz também conta com um acompanhamento rígido e cada tipo de exame tem um determinado tempo para ser realizado. Caso esse tempo extrapole o padrão, uma equipe é acionada para detectar o motivo.
Como a área que mais sofre com o desperdício de tempo é o pronto-socorro (PS), o São Luiz mudou sua forma de atendimento. Segundo o hospital, o tempo médio de espera caiu de duas horas para 15 minutos. Foram instalados no PS vários boxes (salas) onde os médicos fazem uma primeira análise da situação do paciente. Com isso, o fluxo de pessoas aumenta e diminui o acumulo na sala de espera.
"O paciente é atendido por um médico que fica no box e faz uma análise inicial. Na sequência, ele é encaminhado para fazer exames, passar por um especialista ou já recebe alta. Em 90% dos casos no PS, o diagnóstico é simples", afirma Rodrigo Gavina, diretor-geral da Rede D'Or São Luiz, que aumentou em 10% o número de médicos. "Os boxes não têm uma mesa separando o médico e o paciente. Há uma maca para que o médico examine e toque o paciente. É importante o paciente sentir que está sendo atendido e não parado na sala de espera", acrescenta o médico Jorge Moll, presidente da Rede D'Or São Luiz, que batizou a nova metodologia de "Smart Track".
A Rede D'Or São Luiz, cujo sócio é o BTG Pactual, está investindo R$ 50 milhões para instalar os boxes em seus 32 hospitais. Esse investimento foi motivado pelos bons resultados obtidos em dois hospitais paulistanos. Na unidade Anália Franco, o número de atendimentos no pronto-socorro aumentou 21% já no primeiro mês de implantação (outubro), e no Itaim, onde o modelo foi adotado em abril, o crescimento mensal foi de 18,1%. "O faturamento do Anália Franco teve alta de 40% por causa do aumento no pronto-socorro e, consequentemente, nas demais áreas do hospital", disse Moll. Antes da adoção desse novo formato, 3% dos casos registrados no pronto-socorro viravam internação. Com o Smart Track, esse percentual aumentou para 9%.
No Albert Einstein, o Lean começou a ser implementado em 2009 em várias áreas e o tempo de espera no pronto-socorro caiu cerca de 30%. "Tentamos eliminar etapas que não agregam valor e muitas vezes são simples, como pedir para o paciente preencher um cadastro duas vezes", afirma Éderson Pereira de Almeida, gerente de melhoria de processos do Hospital Albert Einstein.
Essa queda no tempo de espera está dentro da expectativa dos especialistas na metodologia. Segundo Christian Gut, consultor de Lean da Vista Consulting, os hospitais conseguem reduzir entre 30% e 50% o tempo de espera. "Há muita gordura que pode ser eliminada. Alguns exemplos simples: preenchimento de formulários por mais de uma vez, repetição de exames e a própria sala de espera que gera custos para o hospital", diz Gut. "A área da saúde tem muita movimentação de pessoas, como colaboradores e pacientes. Isso faz com que seja fácil ter desperdício", complementa Gustavo Campana, sócio da consultoria Formato Clínico que acaba de fechar uma parceria com a Ótima Estratégia e Gestão, especializada em Lean, para prestar serviços para laboratórios de medicina diagnóstica.
O Lean tem sido uma ferramenta importante para reduzir o tempo de espera dos pacientes, mas não representa uma solução definitiva para a lotação nos hospitais.
O São Camilo, o primeiro hospital brasileiro a adotar o Lean, é uma prova. Essa metodologia foi implementada em seu pronto-socorro há cerca de dois anos. De lá para cá o tempo de espera caiu significativamente. Antes, o pronto-socorro ficava lotado de quatro a cinco horas por dia. Hoje, esse período de pico baixou para duas horas, em média, e o paciente aguarda aproximadamente uma hora e meia para ser chamado. Está longe dos 15 minutos do São Luiz, que acaba de adotar um sistema de atendimento metódico.
Isso acontece porque muitas pessoas já sabem que o pronto-socorro do São Camilo não é tão cheio e migram para lá, o que eleva a demanda. Além disso, há um crescimento natural no mercado. Nesses dois anos, o número de pacientes no São Camilo dobrou. O investimento na ampliação das estruturas tem de ser constante, para que os ganhos da metodologia sejam mantidos.
Fonte: Beth Koike, Valor Econômico, 29/06/2012