Crise da dívida põe em risco o sistema de saúde da Espanha
Por Paul Day | Reuters
Na região espanhola da Catalunha, há fornecedores de produtos médicos que não recebem há dois anos, salas de emergência foram fechadas e médicos foram informados de que precisam aceitar cortes em sua remuneração, do contrário 1.500 médicos residentes perderão seus empregos.
O sistema espanhol de saúde pública, que goza de excelente reputação, tornou-se a mais recente vítima da crise da dívida soberana na zona do euro.
"Nós não fomos pagos, mas não há nada que possamos fazer a respeito. Precisamos manter os contratos [de prestação de serviços], e por isso vamos ter de esperar", disse um representante de uma empresa de limpeza que não quis ver seu nome ou o de sua empresa publicados por temer uma reação prejudicial.
A empresa, que se diz credora de centenas de milhões de euros devidos pelo governo de Castilla-La Mancha, é uma das dezenas de fornecedores - de compressas cirúrgicas a desinfetantes - que estão em dificuldades porque as regiões da Espanha estão atrasando os pagamentos para cumprir as apertadas metas do déficit.
Os cortes nos gastos das regiões autônomas endividadas são um sinal tangível do sofrimento presente e futuro, à medida que a Espanha se empenha em cumprir as metas ambiciosas de redução de seu déficit, com que se comprometeu junto à União Europeia em meio a uma crise econômica.
A oposição conservadora espanhola, o Partido Popular (PP), considerado o provável vencedor das eleições de novembro, provavelmente reduzirá os programas de bem-estar social que os socialistas, ora no poder, deixaram intocados.
Porém, mesmo os socialistas dizem agora ser capazes de encontrar formas de reduzir os gastos com saúde sem prejudicar os serviços. Por exemplo, obrigando as empresas de seguros de automóveis a pagar pelo tratamento de vítimas de acidentes e enviando a governos estrangeiros as contas incorridas por seus cidadãos ao usar hospitais espanhóis.
A multinacional farmacêutica Roche diz que Castilla y León está mais de 900 dias atrasada no pagamento de suas faturas, o que tem intensificado o temor na região autônoma de que a empresa poderá não entregar medicamentos para alguns hospitais, como fez na Grécia, país que está lutando para não sucumbir a um colapso financeiro.
O governo central espanhol faz transferências anuais de receitas dos impostos para as 17 regiões autônomas do país, que são responsáveis pela administração dos sistemas de saúde e educação.
Mas as regiões estão sendo obrigadas a adotar cortes de gastos drásticos, após terem acumulado dívida durante o boom do mercado imobiliário espanhol, cujo colapso em 2008 lançou o país em recessão e produziu forte alta no desemprego, hoje acima de 20%.
À medida que as regiões encolhem seus gastos onde é possível, o montante devido às empresas que prestam serviços e distribuem produtos de saúde cresceu 42% em um ano, para mais de € 4 bilhões, de acordo com a Federação Espanhola de Tecnologia da Saúde, conhecida como Fenin.
O governo da Catalunha, a região mais rica da Espanha, fechou algumas clínicas e unidades de emergência nos últimos meses e disse que vai demitir 1,5 mil médicos residentes, caso os médicos se recusem a aceitar reduções de salário e de gratificações.
No fim de setembro, em Barcelona, capital da Catalunha, os residentes organizaram marchas e envolveram hospitais com faixas. Sindicatos de médicos ameaçaram abandonar postos de trabalho. Porém, muitos médicos mais experientes receiam criar problemas e, possivelmente, perder os empregos, quando um em cada cinco espanhóis estão sem trabalho.
Reclamações de longas esperas para receber atendimento médico são raras na Espanha. Mas agora os pacientes catalães estão começando a ter de esperar, e os médicos alertam que a qualidade do atendimento vai piorar.
"Haverá menos verbas disponíveis para as necessidades dos pacientes, porque poderemos nos ver em uma situação em que teremos de gastar muito dinheiro corrigindo erros de residentes resultantes do fato de eles não terem recebido treinamento adequado", disse José Blanco, chefe de educação hospitalar no Hospital German Trias.
O PP, por sua vez, diz que o setor da saúde deve ser reformado, mas é vago quanto aos detalhes.
Economistas de institutos de pesquisas e planejamento conservadores que assessoram o PP sugeriram "copagamentos" - esquema em que os pacientes arcariam com parte das contas, para desestimular o uso excessivo do sistema.
O crescimento com gastos de saúde na Espanha diminuiu e o que o país gasta com o sistema de saúde é coerentes com a média nos países desenvolvidos, em torno de 9,5% do PIB em 2009, segundo dados da OCDE, grupo de países ricos. A parte do leão, 73,6%, é bancada pelo Estado.
O sistema é tão bom e tão barato que muitas pessoas usam os seus seguros de saúde privados para problemas de saúde mais simples, mas buscam um hospital público quando diagnosticadas com uma doença ou condição mais grave.
Os cortes no sistema público de saúde obrigarão algumas pessoas a retornar ao sistema privado, que muitos consideram inadequado.
Foto: Alhambra, Espanha
Fonte: Valor Econômico,13/10/11