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"Ao não promover a saúde, deixamos a doença crescer”, diz Antônio Britto

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Promovido pela Anahp, workshop sobre saúde, comunicação e notícias apresentou panorama alarmante do setor no Brasil, mesmo com altos investimentos frente a outros países.

Disparidade de investimentos entre o setor público (SUS) e o privado, negligência nos investimentos em prevenção de doenças, queda na qualidade da formação médica, judicialização na saúde e persistentes altas taxas de glosas foram alguns dos problemas mais urgentes destacados no workshop sobre saúde, comunicação e notícias, promovido pela  Anahp - Associação Nacional dos Hospitais Privados.

Conduzido por Antônio Britto, diretor executivo da associação, o evento reuniu, no dia 17 de julho, jornalistas para discutir o cenário atual do setor no país e apresentar os principais indicadores da crise que já dura anos.

Despesas com saúde no Brasil 

A crise de saúde no Brasil começa com as despesas. De acordo com dados divulgados pela Anahp, o país destina 9% do seu Produto Interno Bruto (PIB) à saúde, totalizando impressionantes R$ 977,26 bilhões. No entanto, a distribuição desses recursos revela um cenário preocupante: 

  • 59,15% desse montante (R$ 578 bilhões) são destinados à saúde privada. 
  • Os restantes 40,85% (R$ 399,23 bilhões) são alocados para a saúde pública. 

"Na maioria dos países do mundo, esse percentual é em torno de 8%, 8,5%. Então, superficialmente, poderíamos pensar que o Brasil está bem posicionado, gastando uma quantia semelhante a países como Portugal e Espanha. Porém, há uma pegadinha nisso: a maior parte desse gasto é privado, cerca de 60%", revela Britto. 

Cerca de 75% dos brasileiros são atendidos exclusivamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde), enquanto apenas 25% são atendidos por planos de saúde. Esta disparidade evidencia a predominância do SUS na cobertura de saúde da população e ainda resslata a desigualdade na distribuição dos recursos entre o setor público e privado. 

A judicialização da saúde no país 

Outro problema central na crise da saúde no Brasil é a judicialização. Antes de aprofundar essa questão, é importante dar um passo atrás e analisar os números relacionados a esse fenômeno. 

  • Entre os brasileiros que utilizam plano de saúde, 70% possuem planos empresariais e 17% planos individuais ou familiares. 
  • 80% da receita dos hospitais particulares vem dos convênios.  

As empresas que sustentam a saúde suplementar. No entanto, nos últimos 10 anos, o número de beneficiários estagnou em R$ 51 milhões, devido ao aumento dos custos.

Por que os planos ficaram mais caros? Em primeiro lugar, o reajuste anual médio de 20% realizado pelos planos de saúde contribui significativamente para esses aumentos. Além disso, a população está enfrentando um envelhecimento marcado por doenças crônicas, decorrentes de um histórico de descuidos ao longo da vida, incluindo problemas psicológicos, cardiovasculares e hipertensão. Esses fatores combinados têm impactado diretamente nos custos e na sustentabilidade dos planos de saúde. 

Como resultado dessas questões, observamos um aumento significativo na judicialização, que alcançou 234 mil casos em 2023, representando um aumento de 60%. Com o elevado número de processos judiciais, as operadoras enfrentam custos adicionais que podem ser repassados às empresas e aos clientes finais, perpetuando um ciclo vicioso. "A judicialização é uma consequência, não um problema em si", destacou Britto. 

Altas taxas de glosas das operadoras de saúde 

Outra consequência das altas nos preços da saúde é que as glosas continuam muito elevadas. A média de glosa inicial gerencial, que calcula os valores glosados pelas operadoras de planos de saúde ainda em fase de negociação, foi de 11,89% em 2023, segundo os dados fornecidos pela Anahp. Entre os hospitais associados, a média de glosa inicial gerencial aumentou de 7,26% no primeiro trimestre de 2023 para 10,76% no primeiro trimestre de 2024, conforme os dados mais recentes. 

“Historicamente, o tempo entre o serviço realizado pelo hospital e o pagamento feito pelas operadoras era de, no máximo, 90 dias. Agora, as operadoras estão estendendo esse prazo para 120 dias. Isso significa que os hospitais estão enfrentando dois meses de prejuízo em seu caixa”, alerta Britto. 

Investimento em prevenção de doenças 

Um dos maiores gargalos da saúde suplementar está na falta de investimento em prevenção, segundo Antônio Britto. De acordo com os dados reportados pelas operadoras em suas demonstrações contábeis, os gastos relacionados a programas de prevenção não alcançam nem 0,3% das receitas do mercado. Historicamente, em 2019, houve o maior investimento em programas de atenção à saúde, enquanto o dado mais recente representa o menor indicador até o 4° trimestre de 2023. 

Esta negligência em prevenção tem consequências graves para o sistema de saúde. A falta de iniciativas preventivas aumenta a incidência de doenças crônicas, que são mais caras e complexas de tratar. Além disso, a ausência de programas de educação em saúde e de promoção de hábitos saudáveis leva a um maior número de internações e procedimentos médicos caros, pressionando ainda mais os recursos já limitados. 

“Não existe uma situação mágica em que, aos 60 anos, a pessoa fica deprimida ou com câncer; isso é um processo. Então, estamos envelhecendo mal. Isso significa que, ao não promover a saúde, deixamos a doença crescer,” explica o diretor. 

Queda na qualidade da formação médica 

A educação médica também sestá em crise por conta própria, devido à explosão de cursos de medicina, segundo Britto. Em 2023, havia 390 escolas médicas no Brasil, quase o triplo do que em 2004, quando havia 136, segundo dados divulgados pelo CFM - Conselho Federal de Medicina.  

Com esse “boom” o que se colocou em xeque foi a qualidade do ensino. Por isso, em 2018, a abertura de novas faculdades de medicina e de ampliação de vagas foram "congelados" por cinco anos. O congelamento teve fim em abril de 2023, considerando as necessidades de mais profissionais de saúde e a estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS) de cada região. 

Apesar do fim da regra, Britto destacou a falta de vagas de residência para que os novos profissionais recebam o treinamento adequado. Além disso, muitas dessas faculdades não têm vínculo com hospitais qualificados, o que levanta preocupações sobre a qualidade do ensino. 

Um consenso entre os jornalistas e o diretor foi que a escassez de médicos voltados para a atenção básica, como os médicos de família e comunidade, é uma grande preocupação para a saúde brasileira. Esses profissionais são os mais necessários, especialmente em áreas com maior falta de recursos.  

Qual a solução? 

Britto afirma que não existe uma solução imediata para acabar com essa crise de muitos lados. As soluções são variadas e complexas. “O erro é querer propor uma solução para agora; na saúde, tudo tem que ser a longo prazo”, pontua. 

A solução está tanto no setor público quanto no privado. Envolve a conscientização dos pacientes e a implementação de novas tecnologias no mercado. É crucial que o setor se conscientize de que essa crise precisa ser resolvida para que todos possam fazer sua parte nesse ciclo vicioso. 

“Uma das partes importantes é a política. Hoje, existem 2.200 projetos sobre saúde no Congresso, mas a maioria não chegou a lugar nenhum”, explica o diretor, destacando a necessidade de ação e eficácia nas políticas públicas.