Este mês, a Lei dos Planos de Saúde completou 26 anos, e o Projeto de Lei nº 7419/2006, conhecido como PL dos Planos de Saúde e em tramitação há 17 anos na Câmara dos Deputados, propõe alterações a essa lei. Essas mudanças visam reformar a regulamentação dos serviços de saúde suplementar no Brasil. Neste contexto, é oportuno refletir sobre o impacto dessas alterações, especialmente no que diz respeito ao cancelamento unilateral dos serviços. Nos últimos meses, o número de queixas de consumidores tem aumentado significativamente, refletindo um cenário de insatisfação e incertezas.
Os cancelamentos unilaterais de planos de saúde são apenas a ponta do iceberg de um problema muito maior. O modelo atual é insustentável, com mais da metade das operadoras trabalhando no vermelho e enfrentando uma explosão de reclamações dos consumidores insatisfeitos com os serviços oferecidos. Este cenário alarmante foi corroborado por uma matéria recente do UOL, que detalha como os prejuízos operacionais e o aumento da sinistralidade (uso dos planos) têm pressionado as operadoras, resultando em cancelamentos mais frequentes e reajustes exorbitantes, principalmente em planos coletivos e empresariais.
O impacto dessas práticas é devastador. Em 2023, o setor de saúde suplementar registrou um prejuízo operacional de R$ 5,9 bilhões, uma melhoria em relação aos R$ 10,7 bilhões negativos de 2022, mas ainda alarmante. A sinistralidade média dos planos foi de 87% no quarto trimestre de 2023, comparado a 84,5% no mesmo período de 2019, pré-pandemia. Os maiores índices de sinistralidade ocorrem nos planos coletivos por adesão, onde mais da metade das operadoras está no vermelho, um aumento significativo em relação a 2019, quando cerca de 20% das empresas do setor operavam no negativo.
O número de reclamações também explodiu. Em 2019, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) recebia uma média de 11 mil reclamações por mês. Em 2023, a média mensal saltou para 29,4 mil, e até abril de 2024, a média já estava em 31,8 mil reclamações por mês, quase o triplo do registrado em 2019. Este aumento reflete um descontentamento generalizado com um sistema que falha em fornecer serviços adequados aos seus beneficiários.
Recentemente, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, anunciou um acordo com as operadoras para suspender os cancelamentos unilaterais relacionados a algumas doenças e transtornos, como os tratamentos de doenças graves e o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Embora essa iniciativa tenha sido recebida como uma boa notícia, ainda não culminou em nenhum acordo formal para reverter os cancelamentos unilaterais ou evitar novos. Isso deixa os consumidores em uma posição vulnerável, sem garantias concretas de que seus planos de saúde serão mantidos.
A situação é ainda mais preocupante quando consideramos a legislação atual. Para planos individuais ou familiares, a legislação proíbe o cancelamento unilateral do contrato, a menos que exista inadimplência ou fraude. No entanto, essa proteção não se estende aos convênios coletivos, que podem ser cancelados a qualquer momento, respeitando apenas algumas regras básicas. Isso cria um ambiente de incerteza para milhões de brasileiros que dependem desses planos para acessar serviços de saúde essenciais.
A insustentabilidade do modelo atual é exacerbada pelo tamanho do rol de procedimentos da ANS, que determina uma lista extensa de serviços e medicamentos que os planos de saúde devem cobrir, incluindo terapias e medicamentos de alto custo. Isso aumenta o risco financeiro para as operadoras, que argumentam não poder negociar preços como o Sistema Único de Saúde (SUS).
É preciso que a legislação seja revista para garantir uma maior proteção aos consumidores e criar um sistema de saúde suplementar mais equilibrado e sustentável. O Projeto de Lei nº 7419/2006, que tramita há 17 anos na Câmara dos Deputados, propõe mudanças importantes, como a proibição da rescisão unilateral de contratos individuais, coletivos ou de autogestão, exceto em casos de inadimplência. Além disso, sugere a criação de um prontuário digital e de um fundo nacional para financiar terapias de alto custo.
Essas mudanças são urgentes e necessárias. O setor de saúde suplementar carece de uma regulamentação mais rígida que proteja os consumidores e garanta a sustentabilidade das operadoras. A saúde é um direito fundamental e deve ser tratada com a seriedade e o respeito que merece.
*Paulo Bittencourt é CEO da healthtech Plano Brasil Saúde e atua no setor de saúde há mais de 20 anos. Na área hospitalar já trabalhou desde a atenção básica até a alta complexidade, sempre voltado ao setor público e há dois anos passou a investir em saúde suplementar.