Estamos no limiar da aprovação dos planos com franquia e coparticipação, mas infelizmente, pelo projeto que está sendo aprovado, não se trata de franquia, só de coparticipação.
Tanto franquia como coparticipação só beneficiam as operadoras e encarecem o sistema de financiamento da saúde suplementar (explico a seguir), e se tivéssemos realmente franquia, esta seria uma oportunidade de negócios também para o hospital, o médico, e os fornecedores, especialmente os de TI (explico a seguir). A franquia que está sendo proposta, é uma coparticipação disfarçada, e só beneficia as operadoras (também explico a seguir).
Vou me permitir explicar ponto a ponto para as pessoas que não tem intimidade com os termos e com o sistema de financiamento da saúde suplementar.
1º Diferença da Franquia dos Seguros que todos conhecem e da Franquia que está sendo proposta
Quando você tem um seguro com franquia, de automóvel por exemplo, quando for “reparar a batida”, a seguradora para o valor e desconta do pagamento ao fornecedor o valor da franquia, que é paga diretamente pelo segurado ao mecânico.
Nesta proposta da ANS o beneficiário vai pagar para a operadora de planos de saúde – é como se ao invés de pagar a franquia ao mecânico, você pagasse para a seguradora, portanto não é franquia, é a mesma coisa que coparticipação.
2º Encarece o sistema
Os dados publicados pelos defensores da medida, que se beneficiam com ela, indicam uma redução do valor das mensalidades dos planos em 30 %. E a medida prevê que o limite da franquia e coparticipação é 100 % do valor da mensalidade anual.
Então, se você paga R$ 500 por mês, paga R$ 6.000 por ano – hoje isso é o que você paga.
Na proposta apresentada, você passa a pagar R$ 350 por mês, ou seja R$ 4.200 por ano, mas terá que pagar uma franquia de mais R$ 4.200 por ano, ou seja, vai pagar R$ 8.400 por ano, o que significa um aumento de 40 % no valor pago !!!
Note que a matemática aqui está sendo aplicada com os números que o projeto e os defensores dele informam. Quem “milita” no sistema sabe que o aumento será muito maior que isso, primeiro porque a oferta dos planos certamente não será com desconto de 30% (o desconto será menor) e segundo porque “nos bastidores” o que se comenta é que isso começa com o teto de franquia limitado ao valor da mensalidade “para passar”, e em uma segunda etapa as empresas ficarão livres para oferecer planos com limites de franquia maior “em prol da redução do valor da mensalidade” – quanto maior o valor relativo da franquia, maior será o custo para o beneficiário.
3º Se fosse franquia seria oportunidade de negócios para hospitais, médicos e outros fornecedores, especialmente TI
Se a franquia funcionasse como nos seguros de automóvel, seria paga para o mecânico – o hospital, o médico, o fornecedor de OPME, o fornecedor de medicamento de alto custo, etc.
Isso faria com que, uma vez realizado o orçamento, e uma vez definido o que a operadora iria pagar, sobraria para o paciente negociar a parte dele. Ele seria abordado pelo hospital, pelo médico, pelos fornecedores ... que estariam sujeitos a lhe oferecer um valor menor pelo insumo que fornece. Estes atores teriam a possibilidade de fidelizar seu cliente oferecendo um desconto, ou um plano de pagamento parcelado, ou outra forma de vantagem financeira ou técnica. A eficiência do hospital, a atenção do médico, o preço do fornecedor, seriam o diferencial de escolha do paciente ao serviço, e reduziria o custo para o paciente. E vejam que interessante, apesar do hospital oferecer um desconto ou um plano de pagamento parcelado, por exemplo, ganharia na escala obtendo melhores resultados, ou seja, a eficiência, a eficácia e a efetividade do prestador / fornecedor passariam finalmente a valer alguma coisa na saúde suplementar !
Os fornecedores de TI seriam demandados para ajustar os sistemas de hospitais e clínicas para fazer o controle financeiro e comercial das franquias. As empresas de marketing passariam a desenvolver campanhas para hospitais e clínicas do tipo “aqui sua franquia vale mais”, e assim por diante !
4º Este projeto só beneficia operadoras
Quem quiser pode discordar, mas os argumentos acima são indiscutíveis: este projeto só está sendo desenvolvido para beneficiar as operadoras de planos de saúde. Todos os demais, conforme contextualizado, não ganham nada, e o sistema de financiamento ficará mais caro.
ROGO AOS ENVOLVIDOS INTERESSADOS: ainda dá tempo para reverter: vocês terão ganho nos dois primeiros anos, enquanto o beneficiário não pagar as primeiras contas, mas terão prejuízo no médio e longo prazos – verão sua carteira ficar cada vez mais elitizada, e as empresas rechaçando completamente os planos com franquia: “vão queimar o conceito” e ninguém vai querer falar sobre ele quando quiserem reparar o dano.
Ressalva
Gostaria de encerrar, como sempre dizendo que saúde é um negócio como outro qualquer. Não existe aqui nenhuma crítica velada às operadoras, que estão buscando alternativas para manterem sua lucratividade – bobagem dizer que é para se salvarem, ou manterem sua sustentabilidade. No lugar delas, quando eventualmente presto serviço, defendo o projeto “com unhas e dentes”, porque se existe uma oportunidade comercial no mercado que mais movimenta dinheiro no mundo, deve ser aproveitada – “o pecado” é não aproveitar.
Minha admiração pela coparticipação “é canina”. É um dos poucos instrumentos que deveriam ser 100 % implantados para reduzir o custo do financiamento do sistema, TANTO NA SAÚDE SUPLEMENTAR COMO NO SUS. Não dá para sustentar financeiramente um sistema em que o paciente escolhe o hospital pelo “vidro na recepção”, pelo “sofá no corredor da internação” ... que escolhe o médico pelo título acadêmico que ele tem, ou pela imagem que tem na mídia, e não pelo custo x benefício que ele realmente representa. Hoje, na saúde suplementar e no sus, “o produto” é a aparência, e o paciente acha que o mais barato é sempre ruim – para ele o bom é o mais caro sempre.
A franquia real (não esta) seria uma evolução da coparticipação – esta, infelizmente, é o oposto: é um retrocesso de uma coparticipação que já é muito ruim, aplicada há anos pelas empresas de auto-gestão, sem sucesso.
O que desanima é que todos os demais instrumentos de redução de custos dos sistemas de financiamento que discutimos nas aulas e oficinas de gestão comercial, gestão de faturamento, gestão de custos e gestão de clínicas, infelizmente ainda não entraram nem “na lista de espera da pauta de discussão preliminar” !!!