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Menos contenções mecânicas: não é assim que protegeremos idosos nos hospitais brasileiros

Direto ao ponto: não podemos aceitar o uso liberal de contenção mecânica em idosos frágeis hospitalizados em razão da falta de prevenção de delirium, ou da inadequada relação técnicos de enfermagem / leito para cuidado dos pacientes com delirium ativo. Sobrecarga de trabalho levando a menor presença à beira de leito jamais deveria ser razão para amarrar pessoas. Além do que ilustra bem armadilha das soluções imediatas que promovem ciclo vicioso de piora justamente daquilo que estaríamos tentando controlar.

Inicialmente, nas situações cotidianas, há outras explicações para a contenção. Mas quando rebatidas com bons argumentos, não infrequentemente, com alguma irritação, surge algo mais ou menos assim: “quem sabe fica você ali plantado. Resta evidente que não imagina tudo mais que tenho para fazer”. E, em parte, quem fala assim não está errado. Por vezes, mesmo respondendo de maneira rude, é alguém sofrendo por, consciente ou inconscientemente, reconhecer que não está oferecendo o cuidado ideal – uma espécie de segunda vítima deste sistema de saúde tão problemático, quando não desumano mesmo, e não apenas para os pacientes.

Recentemente, Jean Ross, presidente da National Nurses' United, declarou que “só devemos conter mecanicamente se realmente esgotamos todas as outras alternativas”. Sugeriu ainda que, nos EUA, “o obstáculo maior é a relação de profissionais de enfermagem por leito”. No Brasil, está proporção é ainda mais desfavorável.

Os fatos são vários e acrescento a eles algumas reflexões:

  • A síndrome clínica que leva idosos ao quadro confusional e de agitação psicomotora, conhecida como delirium, é prevenível. Se a discussão sobre colocar ou não amarras é bastante quente, por que não evitá-la?

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  • O desenvolvimento de delirium inicia uma série de eventos que podem culminar com perda cognitiva e de independência prolongada (muito além da hospitalização), aumento de morbidade e de mortalidade, além de prolongar o tempo e os custos das hospitalizações. Arregacemos as mangas e mãos à obra, com visão mais ampliada, foco no paciente e menos competição equivocada. É preciso vontade institucional, organização, trabalho em equipe verdadeiro e apreciação de princípios básicos de melhoria da qualidade e da segurança do paciente. O resultado pode minimizar a indesejável necessidade de um profissional plantado ao lado do paciente. Não é também necessário brigar contra o Ato Médico. Em se tratando do que verdadeiramente faz diferença em delirium (e tantas outras condições nos hospitais), com ou sem o polêmico Projeto de Lei, é cenário para protagonismo de enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, farmacêuticos e assistentes sociais. E que sejam bem sucedidos, já que aos médicos restaria evitar iatrogenia com medicações que induzem delirium e a medicalização do próprio delirium (medida puramente sintomática, por vezes necessária – assim como a própria contenção mecânica –, mas cheia de poréns e riscos). Há um vácuo de atuação na maioria dos hospitais brasileiros, cujas causas, que fique muito bem claro, não considero sejam primordialmente falta de vontade dos profissionais não médicos.

  • A prevenção, muito pouco aplicada nas organizações, ao menos de forma sistemática, é composta por muitas medidas de baixo custo e não tão complicadas, como facilitação (de preferência não farmacológica) e ininterrupção do sono, auxílio na ingesta alimentar / hidratação, promoção de saída do leito e mobilidade, variadas formas de estimulação cognitiva do idoso hospitalizado, evitação de privação sensorial (como simplesmente trazendo e colocando óculos e aparelhos auditivos), manutenção de atividades diárias usuais, como não obrigar o idoso a usar fraldas apenas por conveniência do cuidador, entre outras do tipo.

  • Muito pacientes que acabam contidos não precisariam então – seja por falta de prevenção, seja por indicações excessivas mesmo.

  • Nos casos de risco de hetero ou autoagressão, a contenção mecânica é aceitável. Quando empregada, deve-se dar preferência à forma menos restritiva sempre, e utilizá-la pelo menor tempo possível.

  • Contenção mecânica, a luz da evidência atual, não reduz quedas. E não sou eu que estou dizendo. O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) diz isto com todas as letras e em inglês, que valorizamos tanto: “Routinely using restraints does not lower the risk of falls or fall injuries. They should not be used as a fall prevention strategy. Restraints can actually increase the risk of fall-related injuries and deaths”. A Agency for Healthcare Research & Quality (AHRQ) vai mais fundo. Faço questão de deixar a mensagem original: “The potential for harm with use of bedrails is well-documented, including death from a variety of mechanisms, including death and strangulation. Mechanical restraints likewise carry a risk of severe injury, strangulation, and mobility limitations that may predispose patients to other adverse outcomes (pressure ulcers, incontinence, acute confusion). Limits to patient freedom, dignity, and quality of life also contribute to the potential for harm. There is growing evidence that physical restraints have a limited role in medical care. Restraints limit mobility, a shared risk factor for a number of adverse geriatric outcomes, and increase the risk of iatrogenic events. They certainly do not eliminate falls, and decreasing their use can be accomplished without increasing fall rates. In some instances reducing the use of restraints may actually decrease the risk of falling”.

  • Muitos paciente que acabam amarrados para não arrancar vias de alimentação artificial são os mesmos para os quais sociedades médicas como a americana de geriatria desaconselham abordagem além de via oral assistida. Ou aconselham que, ao menos, a utilização da sonda seja amplamente discutida com pacientes e/ou familiares, respeitando preferências e valores, visões de mundo e expectativas pessoais ou familiares do que representaria uma boa vida na condição específica.

  • Consideremos exista a indicação de contenção mecânica, há resolução do Conselho Federal de Enfermagem de 2012 que orienta necessidade de monitoramento clínico do nível de consciência, de dados vitais e de condições de pele e circulação nos locais e membros contidos, com regularidade nunca superior a 1 hora. Ainda parecer do CREMESP que sugere um elemento da equipe de enfermagem junto ao paciente, garantindo assistência integral durante todo o tempo em que ele permanecer contido: hidratação, alimentação, higiene, mudança de decúbito, aquecimento e proteção com roupas, interação, oferecimento de informações e apoio como medida terapêutica. Deve ocorrer, segundo a autarquia médica, avaliação pelo enfermeiro responsável a cada meia hora. Resolução e parecer orientativos de trabalho à beira de leito quase tão intenso quanto o necessário para evitar a própria necessidade de contenção mecânica, ambos infactíveis se mantida a epidemia de delirium hoje percebida em nossas enfermarias e a distribuição inflexível do trabalho de enfermagem, ignorando populações com necessidades de cuidados mais e menos intensas.

Em uma das tantas visitas que faço a organizações hospitalares, presenciei situação onde um profissional da assistência tentou emparedar familiar para que permanecesse o tempo todo com o paciente, um idoso já em delirium leve, e bastante demandante. Falou do estatuto do idoso, em tom ameaçador. A familiar, que até era bastante presente, somente não poderia permanecer 24hrs no hospital, era sozinha e estava sem condições financeiras para custear um cuidador externo, advogada, rebateu que o estatuto do idoso prevê o direito a acompanhante, e não o dever absoluto. Que seriam todos, ela própria, mas também o hospital, responsáveis por zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano ou aterrorizante, assegurando todas as oportunidades e facilidades para preservação de sua saúde física e mental.

Será que um dia vamos de fato atacar os reais problemas relacionados a este cenário e seus verdadeiros desafios?