Enquanto o pessoal do Saúde Business recupera postagens antigas, deixo aqui versão modificada daquele que foi meu segundo post anos atrás, após texto de saudação inicial e apresentação do Blog Médico Hospitalista. Um síntese do que são o modelo de Medicina Hospitalar e os tais médicos hospitalistas:
Definição
Para entendermos o modelo em que atuam os hospitalistas, chamado por mim de Medicina Hospitalar (MH), acredito que em 2003, pela primeira vez no Brasil – simples tradução de Hospital Medicine (HM). O termo até então significava "qualquer atividade médico-laboratorial em hospital" –, devemos iniciar revisando um pouco a evolução histórica nos EUA, onde o modelo tem se destacado e, em seguida, discutir suas características e como pode auxiliar nos hospitais brasileiros.
O contexto histórico norte-americano
Até poucos anos atrás, a regra era: o mesmo médico que atendia a pessoa no ambulatório ou em casa encarregava-se de cuidar dela também durante uma eventual internação – “passando visita”. Ocorre que inúmeros fatores alteraram gradativamente esta realidade nas enfermarias (já havia acontecido algo parecido nas unidades de terapia intensiva e emergências). Os hospitais e os pacientes foram se tornando progressivamente mais complexos. Os médicos americanos que atuavam na atenção primária e que não atendiam um alto volume de pacientes internados foram perdendo o interesse, principalmente em função de mudança no modelo de remuneração. Os custos do cuidado hospitalar atingiram patamares alarmantes.
Uma maior eficiência, através da redução de custos, tornou-se obrigatória e o tempo de internação precisava ser reduzido. Em 1999, o relatório do Institute of Medicine trouxe à tona a questão dos erros no cuidado à saúde e, a partir dele, o movimento de segurança do paciente e da qualidade assistencial ganhou força. Os gestores começaram a dar-se conta de que precisavam mais dos médicos, ou de pelo menos parte deles, envolvidos no dia-a-dia das organizações, e não somente como visitantes. O modelo tradicional – onde o médico “passa a visita” – foi se mesclando, aos poucos, com o de MH, onde médicos passam a atuar mais dedicados às enfermarias. Três tipos de médicos categorizados de acordo com sua relação com os hospitais foram consolidando-se:
- aqueles com atuação eminentemente ambulatorial;
- os chamados “visitantes importantes”, os sub-especialistas, indispensáveis a medicina moderna;
- os intensivistas, emergencistas e, mais recentemente, estes médicos generalistas que foram “criando raízes” nas enfermarias.
Ao perceber este movimento, em 1996, o pioneiro Robert Wachter cunhou o termo hospitalista (hospitalist) em artigo publicado no New England Journal of Medicine(1). No ano em que foi cunhado o termo, já haviam cerca de 800 profissionais atuando, ainda em processo de aprendizado para lidar com as necessidades do sistema. As competências para lidar com pacientes individualmente aprendiam na faculdade – a incorporação de competências e habilidades para o tal "system approach" ainda representava um desafio. Em 2006, eram 20.000 e hoje são mais do que 40.000 hospitalistas, consolidando esta como a área de atuação médica que mais rapidamente cresceu na história da medicina moderna norte-americana(2) e que mais inovações trouxe à lista de competências e habilidades necessárias para atuação médica em hospitais, levando em conta a atual complexidade destas organizações.
Até 2004, metade dos programas de MH norte-americanos ainda não existiam. Em 2009, a American Hospital Association mostrou que mais da metade dos 4.897 hospitais já empregava hospitalistas e que a grande maioria dos hospitais com mais de 200 leitos possuía programas de MH. No mesmo ano, outro estudo publicado no New England Jounal of Medicine descreveu que a chance de um paciente ser cuidado por hospitalista de 1997 a 2006 aumentou aproximadamente 30%. Valendo-se de dados do Medicare, pesquisadores descobriram ainda que os hospitalistas já respondiam pelo cuidado de mais de um terço dos pacientes internados(3).
O modelo Medicina Hospitalar
MH é um modelo com características bem peculiares. Não se trata de plantão clínico ou de uma equipe de apoio clínico e/ou gerencial. Classicamente, um grupo de médicos generalistas assume o cuidado do paciente e a coordenação dos processos assistenciais enquanto ele estiver hospitalizado. O sinergismo da lógica assistencial e da lógica administrativa deve orientar a ação, com foco no paciente e na eficiência dos serviços. Esse modelo pode reduzir, em média, o tempo de internação dos pacientes em 12% e os custos em 13%.
Os hospitalistas são, então, médicos generalistas que conduzem o cuidado clínico de pacientes e coordenam equipes multidisciplinares, que recebem pacientes encaminhados pelos médicos da atenção primária e eventualmente de sub-especialistas e os reencaminha ao colega ao final da internação. A quebra de continuidade entre o hospital e o ambulatório é obviamente uma consequência do modelo, potencialmente pode trazer problemas, e, por isso, precisa ser bem trabalhada.
Atualmente, praticamente todos os melhores hospitais dos EUA – clínicas Mayo e Cleveland, hospitais de ensino da Harvard (Brigham and Women’s e Beth Israel Deaconess) e os hospitais das Universidades da Califórnia e Chicago, entre outros – adotaram a MH. A maior parte das seguradoras e planos de saúde dos EUA – Humana, Kaiser, Aetna, PacifiCare, Cigna – apoiam o modelo. O encaminhamento de pacientes costuma ser voluntário.
As organizações de hospitalistas – Society of Hospital Medicine nos EUA, e o movimento por mim alavancado no Brasil(4) – têm se posicionado contra a direcionamento compulsório de pacientes para hospitalistas. Médicos que queiram podem seguir internando no modelo tradicional.
Há evidências de que o modelo de MH melhora a gestão de corpo clínico, facilita o trabalho em equipe, a comunicação e os rounds interdisciplinares, favorecendo a aplicação de rotinas e padrões de melhores práticas, evitando fragmentação intra-hospitalar, garantindo um “fio condutor” em etapa tão crítica. O movimento de qualidade e segurança dentro das organizações hospitalares norte-americanas tem avançado umbilicalmente ligado ao fortalecimento deste modelo e a valorização de quem nele atua (5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12).
Referências Bibliográficas
- Wachter RM, Goldman L. The emerging role of “hospitalists” in the American health care system. N Engl J Med 1996; 335:514-7.
- Society of Hospital Medicine
- Kuo YF, Sharma G, Freeman JL, et al. Growth in the care of older patients by hospitalists in the United States. N Engl J Med. 2009 Mar 12;360(11):1102-12.
- Brazil Blossoms: Hospital medicine gains ground in South America. The Hospitalist, March 2007 http://www.the-hospitalist.org/details/article/240537/ Brazil_Blossoms.html
- Davis KM, Koch KE, Harvey JK, et al. Effects of hospitalists on cost, outcomes, and patient satisfaction in a rural health system. Am J Med. 2000 Jun 1;108(8):621-6.
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- Lindenauer PK, Rothberg MB, Pekow PS, et al. Outcomes of care by hospitalists, general internists, and family physicians. N Engl J Med. 2007 Dec 20;357(25):2589-600.
- Roytman MM, Thomas SM, Jiang CS. Comparison of practice patterns of hospitalists and community physicians in the care of patients with congestive heart failure. J Hosp Med. 2008 Jan;3(1):35-41.
- Lundberg S, Balingit P, Wali S, et al. Cost-effectiveness of a hospitalist service in a public teaching hospital. Acad Med. 2010 Aug;85(8):1312-5.