O atendimento ao cliente tem uma regra de ouro, que você certamente já ouviu : "O cliente tem sempre razão".
Apesar de simples, ela é bastante direta e eficaz em nos lembrar que, no final de tudo, a empresa precisa estar totalmente voltada à satisfazer as necessidades de seus "fregueses", pois são eles, única e exclusivamente, os responsáveis pela sobrevivência das organizações e pelo pagamento de TODOS os salários da companhia: do faxineiro ao CEO.
Quiséramos nós estar vivendo em uma época na qual as empresas compreendessem esta associação básica. Talvez as análises das reclamações, a resolução de problemas, a composição dos produtos e serviços e o comprometimento de toda cadeia de atendimento estivessem em um nível de qualidade muito superior. Mas, infelizmente, nossos executivos, em algum momento do tempo, concluíram que eles poderiam fazer as coisas da maneira que mais parecia correta nas suas cabeças, desempenhando mais esforços em convencer seus clientes de que esta é a versão correta, do que propriamente em satisfazer os desejos do consumidor.
Querem ver um exemplo: Para o atendimento em pronto-socorros de hospitais, se considera hoje que uma espera de 02 horas é um excelente tempo. E adivinha quem considera este prazo bom? Certamente, não é a mãe sentada nas longarinas das recepções, que carrega no colo o bebê recém-nascido com dor de ouvido, .
A regra de ouro, porém, tem duas exceções.
O cliente não pode ter razão quando seu pedido colocar em risco sua própria vida ou a de terceiros. E os órgãos de fiscalização estão aí para nos lembrar que seguir procedimentos de segurança se sobrepõe a questões comerciais ou operacionais, mesmo que causem desagrado aos consumidores.
Recentemente, uma comissária de bordo, pressionada pelos passageiros para que um voo em atraso de Glasgow a Dublin decolasse, lembrou-os do que se tratava cumprir procedimentos:
-"Não decolamos ainda porque temos gelo sobre as asas e não queremos morrer".
Da mesma forma, ainda não é possível atender pacientes sem triagem, avaliação médica ou sem a espera do tempo de produção dos exames laboratoriais.
A segunda situação em que um cliente pode não ter razão é assustadoramente contra-intuitiva: ele não é seu cliente.
Definir que o cliente tem sempre razão não significa que todas as pessoas físicas ou jurídicas são necessariamente seus clientes. Quer dizer que para aquele grupo, nicho ou mercado ao qual sua instituição propôs oferecer uma solução, todos os seus esforços estarão focados. É a confiança, a satisfação e, de forma pragmática, o dinheiro deles que queremos. Para os outros que não se encaixem neste reduzido universo, podemos nos dar ao luxo de ignorar suas necessidades, posto que não são o público-alvo.
E quem define o público-alvo da empresa? Quem orienta a cadeia de atendimento sobre as situações em que teremos que dizer "não"? Quem deve arcar com as consequências de abrir mão dos clientes fora do mercado de foco? Quem deve bancar as decisões quando os soldados estiverem ouvindo os tiros nas trincheiras?
Acho que é para isso que existem líderes. E a ferramenta que estes figuras mitológicas geralmente utilizam para manifestar estas respostas se chama Planejamento Estratégico.
Agora, vamos confrontar uma habitual reclamação do mercado da saúde diante desta lógica: os médicos são tratados nos corredores dos hospitais como públicos beeeem difíceis, não é?
Bem, vamos partir da premissa de que toda instituição de saúde minimamente organizada, tem um Planejamento Estratégico formulado por seus líderes máximos. Preferencialmente, eles devem ser formais e divulgados a toda a organização. Mas, à moda da gestão hospitalar brasileira, é aceitável que ela esteja, ao menos, bem definida na cabeça do diretor/conselho/dono.
Situação: O Planejamento Estratégico define que o hospital realizará procedimentos de coluna respeitando os pacotes negociados com as operadoras. Surge, então, um cirurgião renomado (ou conhecido do Diretor Clínico) que por várias vezes "fura o pacote".
Opção a) A definição de público-alvo do Planejamento Estratégico está correta: o médico, por não respeitar as diretrizes da casa e, independentemente do relacionamento e relevância externa, não se enquadra como cliente dentro das padrões deste hospital.
Ação: mantém-se a padronização dos pacotes e o profissional médico tem duas alternativas: ou respeita o procedimento gerenciado ou procura outro hospital que o considere cliente;
Opção b) Apesar do Planejamento Estratégico, dizer "não' para este cirurgião é arriscado ou indelicado demais. O gestor máximo começa a avaliar que abrir mão de atendê-lo, talvez, seja um erro. Neste momento, aquele médico se tornou um cliente. E para cliente, salvo questões de segurança ou planejamento estratégico (que aqui já foi flexibilizado), vale a regra de ouro inicial: " O cliente tem sempre razão".
Resultado: O líder deve rever o Planejamento Estratégico e as negociações feitas com a operadora, a fim de atender integralmente os desejos do seu novo cliente.
De forma bem resumida, podemos dizer que:
- Cliente foi feito para ser atendido do jeito que ele quer, e não como gostaríamos de atendê-lo;
- Se a liderança definiu um público alvo, precisa estar preparada para dizer "não" aqueles que não se enquadram como seus clientes;
- Se você avalia que um determinado perfil de "freguês" é importante demais para ser dispensado, deve estar consciente de que seus processos terão que se adaptar às necessidades deste novo público, mesmo que destoem do jeito que você faz as coisas.
O grande problema que se vê nos hospitais é que não há firmeza ou clareza na definição de quem realmente se quer atender ou na construção do planejamento estratégico. E esta incerteza causa o caos na estrutura de atendimento, principalmente, para os soldados da linha de frente, que são obrigados a entrar nesta batalha sem capacete e munição.
Exércitos nos quais o sargento manda fazer uma coisa e o general, minutos depois, ordena outra, não são organizados, respeitados e comprometidos, e suas chances de vencer a guerra diminuem substancialmente.