Obtive experiência instigante e gratificante em mais um hospital muito recentemente. Como convidado especial de workshop, cujo objetivo foi pensar e repensar o modelo assistencial local, e para o qual fui chamado para gerar e provocar pensamentos fora da caixa, passei um agradável dia no Hospital de Brasília, em região linda da Capital Federal. Representantes da instituição estão cientes das questões abaixo exploradas.
Como primeiro ponto a destacar, foi muito interessante observar a confusão de conceitos tão comum em nosso meio, acrescida de um componente para mim inédito. Já vi hospitais anunciarem ter hospitalistas, e não ser verdade. Na maioria das vezes, são plantões de retaguarda, com algumas purpurinas que justificam um nome “bonitinho”, ou já “famosinho” (que coisa boa escrever isto). Ocorre por simples desconhecimento, ou por estratégia consciente de marketing mesmo. Desta vez, o mais interessante foi o fato do hospital possuir part-time hospitalists, mas chamar de hospitalistas outros profissionais em atividade na mesma casa: plantonistas para Time de Resposta Rápida (TRR) e outras demandas administrativas ou clínicas não relacionadas à risco.
Por tratar-se de organização acreditada, é possível que estas inconsistências - hospitalistas e TRR’s têm base teórica e objetivos distintos, absolutamente consagrados por literatura específica - sejam estimuladas, ou no mínimo não corrigidas, pelo pessoal da Acreditação quando na função de consultores (nunca entendi consultaria e certificação no mesmo pacote, mas definitivamente é outro assunto). Conheço muitos consultores que desconhecem o hospitalista. Em recente hospital onde contribui com implantação e aprimoramento de TRR, houve alguém da ONA que evidentemente também sabia muito pouco de TRR. Muitas intervenções da profissional relacionadas ao tema mais atrapalharam do que ajudaram, chegando a afirmar que, para existirem, TRR’s não poderiam utilizar em suas alças aferentes os chamados escores simples ou dicotômicos como ferramentas de triagem, o mesmo tipo de escore que vi no Time da Mayo Clinic. Depois contaram-me que fazem uma formação que mede-se em horas, enquanto na França e outros países seria em meses.
Mas voltando a falar das coisas boas, havia no Hospital Brasília um programa de Medicina Hospitalar em estágio de maturidade inicial, mas com altíssimo potencial. Sai bastante empolgado de lá...
Maturidade inicial por ainda ser praticamente dedicado ao cuidado direto de pacientes e pouco voltado para eficiência e otimização de questões sistêmicas hospitalares. Estas carências são parcialmente supridas pela atuação dos plantonistas de retaguarda (até então chamados por eles de hospitalistas).
Os verdadeiros hospitalistas da casa são chamados de PRESCRITORES, denominação clássica da ANVISA para uso em eventos de saúde, discriminando médicos de estudantes e não médicos, quem pode e quem não pode adentrar as grandes feiras e receber propaganda de medicamentos. Os “hospitalistas” seriam, por analogia minha, os não-prescritores. Isto vai ao encontro com o que tentei ilustrar em recente artigo: Deixem hospitalistas serem médicos! Com a diferença de que o Hospital Brasília está altamente interessado em melhorar a satisfação no trabalho de todos os seus colaboradores, pediu inclusive que eu trouxesse no corpo do workshop as provocações que havia escrito.
Minha empolgação decorre de questões importantes que devo salientar:
- Maturidade inicial ou intermediária de Programa de MH não é problema. É a realidade da maioria das iniciativas no Brasil. Foi assim nos EUA e Canadá. É parte de um processo evolutivo natural.
A presença no workshop de representantes de fontes pagadores, e o relacionamento observado entre as partes, fatores somados ao evidente comprometimento da média e alta gestão do Brasília com qualidade assistencial e segurança do paciente, despertou em mim a grata sensação de que podem pular, muito antes do esperado, de uma maturidade inicial para um programa altamente avançado, com recompensações baseadas em valor inclusive.
- O Hospital Brasília tem todas as ferramentas e um clima organizacional fantástico para integrar melhor seus clínicos horizontais e os não horizontais, montando um modelo 24/7 com hipertrofia da atividade de “prescritores”, colocando o constante em seção 3 de Core Competences – Society of Hospital Medicine como responsabilidade de todos, e tornando-se referência na região em medicina hospitalista.
As lógicas da assistência regular e administrativa devem correr o mais juntas possível. Isto é fundamental para fortalecimento de vários processos assistenciais, como por exemplo gestão da alta hospitalar. É bem sabido que instituições de excelência não lidam com etapas clínica e de alta muito dissociadas, seja através da simples divisão das etapas, ou até mesmo por um outro médico para lidar especificamente com a segunda, ficando o principal (prescritor, dono da caneta, decisor final) à margem do processo. Continuidade deve ir além do cuidado apenas, sendo, no outro extremo, obviamente intangível um mesmo profissional em tempo integral do início ao fim de uma hospitalização. Os sistemas devem, então, ser moldados para que o plano terapêutico (que deve incorporar a lógica administrativa) tenha um principal coordenador apenas, e que os momentos de atuações médicas complementares sejam os estritamente necessários, tudo isto pensado sem tirar jamais pelo menos um olho do paciente. FIM
“O importante é não parar de questionar, a curiosidade tem sua própria razão de existir” (Albert Eistein)
Eu que agradeço a oportunidade de ter estado em organização com clima tão contagiante, estrutura invejável e cultura que reverencio: mesmo com muito boa performance, o ambiente é de humildade e de uma autocrítica positiva e construtiva que até me despertou inveja. Terem aberto suas portas para eu questionar processos é apenas um exemplo disto. Aprendi muito também.
Prepare-se Brasil, mais e mais hospitalistas 2.0 estão surgindo. Desta vez pelas bandas da Praça dos Três Poderes e do lindo Lago Paranoá.